A morte do escultor, desenhista, cineasta e artista performático pernambucano Tunga, aos 64 anos, cria um vácuo na história da arte contemporânea brasileira. Ele, que morreu nesta segunda-feira (6), em decorrência de um câncer na garganta, estava internado no hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, desde 12 de maio.
Tunga foi um divisor de águas que marcou essa história, como Joseph Beuys (1921-1986) definiu o panorama da arte alemã do pós-guerra, amalgamando sua experiência pessoal à arte. A comparação é pertinente, até mesmo porque ele e Beuys buscaram na justaposição de materiais muito mais que efeitos formais, sugerindo uma relação transcendental, alquímica, por meio da matéria. E ambos recorreram aos mais diversos - e insólitos - materiais para construir suas obras.
Uma delas certamente vai ficar como a mais representativa de uma carreira de mais de 40 anos, iniciada em 1973, quando Tunga - aliás, Antonio José de Barros Carvalho e Mello Mourão (Palmares, 1952-2016) - fez sua primeira individual. Chama-se simplesmente ‘Ão’. É de 1980 e foi recentemente comprada pelo Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA). Trata-se de um filme feito em uma seção curva do túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro, onde Tunga morava. O trecho é repetido em looping, sugerindo um circuito da câmera em círculos, como se o tempo prosseguisse e o espectador não saísse do lugar, sem comunicação com o espaço exterior, numa jornada sem fim ao som de Frank Sinatra (Night and Day).
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Tunga fez vários outros filmes, alguns em parceria (inclusive com Eryk Rocha, filho de Glauber). Mas foram suas esculturas e instalações que o levaram a ser disputado por colecionadores e museus internacionais. Além do MoMA de Nova York, outro museu importante que tem obras suas é o espanhol Reina Sofia.
A forma circular foi quase uma obsessão para Tunga nos anos 1980. Uma das primeiras exposições do artista em São Paulo que despertou a atenção dos críticos, Le Bijoux de Madame de Sade (1983), realizada no então Gabinete de Arte de Raquel Arnaud, exibia como peça principal um gigantesco anel de metal. O toro também surge de sua experiência no filme ‘Ão’, afirmando sua intuição de uma temporalidade singular, seu modo de pensar o tempo de modo semelhante ao do físico Stephen Hawking.
Como um alquimista, Tunga foi experimentando outros materiais nas décadas seguintes, aproximando-se estreitamente da alquimia. Ferro, cobre, aço, chumbo, mercúrio, cristais, ímã foram usados em peças que investigavam o campo magnético e a presença do invisível, que para ele sempre foi motivo de fascinação. Chegou a trabalhar com seres vivos em obras como ‘Vanguarda Viperina’ e ‘Laminadas Almas’, investigando simultaneamente o aspecto biológico dos corpos e as formas de energia oriundos da interação entre eles.
Foi observando serpentes enroladas que surgiram suas "tranças" de chumbo, que inspiraram performances como as das xifópagas capilares (1984), duas garotas unidas pelos cabelos. Não foi a mais exótica de suas criações. Em Lézart‘, uma das obras de seu pavilhão em Inhotim, não há solda entre as chapas de ferro e o arame. Esses materiais são ligados por força dos ímãs que os atraem. Aliás, Tunga foi o artista que sugeriu ao empresário Bernardo Paz a criação daquele centro de arte mineiro que reúne alguns dos principais nomes de arte contemporânea brasileira. Foi num encontro na casa de Paz que essa ideia nasceu. O pavilhão dedicado a Tunga é um dos mais impressionantes do lugar, hoje espécie de seu mausoléu.