Com o retorno às aulas presenciais de forma obrigatória em São Paulo a partir desta segunda (18), dúvidas podem surgir sobre o que é seguro fazer e o que deve ser evitado para diminuir o risco de transmissão do coronavírus.
Especialistas ouvidos pela reportagem são unânimes: o essencial é privilegiar atividades ao ar livre, ventilação e uso de máscaras adequadas.
Por outro lado, o protocolo estadual continua adotando medidas pouco ou nada eficazes para reduzir o contágio, como a medição de temperatura na entrada, o uso de tapetes sanitizantes e até mesmo impedir atividades com bola –não há comprovação científica que esse tipo de exercício tenha um alto risco de contaminação.
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O governo de João Doria (PSDB) decidiu também que a partir de 3 de novembro deixa de existir o distanciamento de 1 metro nos espaços escolares. A mudança ocorre para que as escolas estaduais possam receber diariamente todos os alunos, sem o esquema de rodízio.
Com a regra de distanciamento, apenas 1 em cada 4 das escolas da rede pública conseguiam atender os alunos simultaneamente, enquanto na rede particular o atendimento já estava próximo de 100%, o que aumentou ainda mais a desigualdade educacional.
Como diminuir os riscos de transmissão em escolas?
Escolas são ambientes em geral fechados e mal ventilados. Por conta disso, a principal dica é orientar o uso adequado de máscaras durante todo o tempo –exceto na hora das refeições– e priorizar ambientes ao ar livre, afirma o físico e pesquisador na Universidade de Vermont (EUA), Vitor Mori.
"Muitas pessoas acham que um protocolo para ser eficaz precisa ser rebuscado, mas as coisas que mais funcionam são as mais fáceis", diz ele.
O ideal é que as refeições também sejam feitas ao ar livre. "Ficar 20, 30 minutos do intervalo em uma sala fechada, sem máscara, possui risco elevado, então é importante um local externo, mesmo que com uma cobertura, mas com boa ventilação pelos lados para o momento da refeição", diz.
Para os especialistas, porém, medidas que diminuem o contágio aéreo, como investir em ventilação, estão atrasadas."Os gestores poderiam ter aumentado as janelas das salas, pedir filtros HEPA [que retém partículas contaminadas no ar] para os aparelhos de ar-condicionado, comprar mais ventiladores. Mas isso não foi prioridade, a gente viu escolas comprando tapete sanitizante e termômetro infravermelho, mas sem investir na estrutura dos espaços", afirma o professor de gestão pública que liderou as ações de combate à Covid da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Anesp), Ricardo Lins Horta.
Outra medida, que vem sendo aplicada às escondidas em escolas nos Estados Unidos, é o uso de medidores de CO2 (gás carbônico) que calculam a quantidade de CO2 em um ambiente fechado vindo da exalação das pessoas lá dentro. Um ambiente com um nível de CO2 acima de 1.000 ppm seria considerado de maior risco, segundo a Anvisa.
O engenheiro e diretor de avaliação de políticas públicas da prefeitura de Goiânia, Erick Sousa, desenvolveu um aparelho de baixo custo que monitora o risco de transmissão do coronavírus em salas ocupadas. O projeto-piloto foi adotado no colégio Marista da cidade em desde julho deste ano. "O aparelho ajuda a avaliar o tempo máximo de utilização de uma sala com uma certa quantidade de pessoas", explica, afirmando que busca parcerias com outros municípios ou escolas que queiram implementar o projeto.
Então em quais medidas é preciso focar?
A ventilação das salas, com o uso de ventiladores que fazem a troca constante do ar saturado e possivelmente contaminado com o ar externo, é uma das medidas que funcionam para reduzir os riscos, além, claro, de mais áreas livres.
Comprar máscaras PFF2, principalmente para os professores, que são em geral aqueles que mais falam e portanto mais emitem partículas aerossóis durante o período da aula, também é uma boa medida a ser adotada.
Mori, que integra o grupo de pesquisadores do Observatório Covid-19 BR, lembra da importância da vedação das máscaras, que devem estar bem ajustadas no rosto.Já existem máscaras PFF2 para crianças, e os pais que quiserem podem orientar seus filhos a usá-las, desde que as crianças fiquem confortáveis, diz.
O distanciamento entre os alunos pode ajudar a diminuir os riscos, porque quanto mais perto de alguém infectado, mais partículas podem ser inaladas. Mas a medida não é eficaz em ambientes fechados e com pouca circulação do ar, alerta Mori.
Para Renato Kfouri, pediatra e presidente do departamento de imunizações da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), nas condições atuais das escolas públicas brasileiras –com turmas cheias, salas pequenas e prédios com pouca infraestrutura– é preciso abrir mão do distanciamento para que todos possam voltar.
"Sabemos qual é a realidade das escolas públicas, sem abrir mão do distanciamento é pedir para as crianças abrirem mão de ir à escola. O retorno, ainda que nessas condições, pode ser seguro se mantivermos as outras medidas: uso de máscara e ventilação nas salas."
Há uma série de medidas, porém, que os especialistas consideram que não são eficazes no combate ao vírus: tapetes sanitizantes, medição de temperatura na entrada e barreiras de acrílico, por exemplo.
Henrique Pimentel, chefe de gabinete da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), diz que, mesmo sem consenso científico sobre a eficácia do uso de termômetros, eles continuam fazendo parte do protocolo que as escolas devem seguir, uma vez que "as escolas já adquiriram os termômetros e eles dão sensação de segurança para a comunidade".
O que as crianças podem fazer enquanto estiverem em aula? É possível baixar a máscara para
beber água, por exemplo?
Novamente, o tripé ventilação, máscaras adequadas e evitar aglomeração deve ser priorizado. "O problema maior continua sendo o contato face a face sem máscara. Durante as aulas, se alunos e professores estiverem de máscara, é possível minimizar os riscos", explica o físico.
Abaixar a máscara por alguns segundos para beber água não seria um grande problema, afirma Mori, mas é preciso ficar atento às atividades em grupo que podem ocorrer.
E nas brincadeiras? Crianças pequenas raramente conseguem ficar distantes. Como diminuir os
riscos?
Educadores reforçam que, mesmo com crianças pequenas, é possível haver adesão às medidas de segurança, ainda que elas não sejam cumpridas todo o tempo. O trabalho na escola e o reforço da família para ensinar e lembrar as crianças sobre as regras ajudam nessa tarefa.
Kfouri ressalta que, quanto mais nova for a idade dos alunos, menor a chance do cumprimento adequado das medidas de proteção. No entanto, ele diz que a menor incidência de transmissão, infecção e adoecimento de crianças pelo coronavírus mostram que o risco é pequeno.
Já para as mais velhas, brincadeiras ao ar livre e jogos não devem ter um risco maior se, novamente, for respeitada a regra de máscara, distanciamento e ventilação.
Durante o período em que ficaram fechadas, o que dava para ser feito e não foi nas escolas?
O principal ponto levantado pelos especialistas diz respeito a reformas estruturais nas escolas que não foram feitas no período. "Entre as áreas mais prejudicadas pela pandemia está a de educação, com aporte de despesas significativamente menor. Temos banheiros que não funcionam, ventilação inexistente, espaços fechados e com lotação, e gastamos menos nas escolas para equipá-las para o retorno", afirma Lorena Barberia, pesquisadora do departamento de ciência política da USP e da Rede de Pesquisa Solidária, que vem analisando dados da pandemia em escolas do estado, e que também faz parte do Observatório Covid-19 BR.
Além disso, uma estratégia ampla de testagem, isolamento de casos infectados e rastreamento de contatos não está no horizonte do governo paulista. "Sem a testagem, não temos neste momento como saber o que está acontecendo e antecipar surtos", diz a pesquisadora.
Para Horta, a melhoria da ventilação nas escolas deveria ter recebido mais investimentos. "Desde abril os governos já poderiam ter pensado em, uma vez que as escolas estão fechadas, aumentar as janelas para circulação de ar, comprar ventiladores de piso para fazer a troca com o ambiente externo, expandir áreas abertas, e isso não foi feito."
A Seduc diz ter transferido para as escolas estaduais R$ 2,7 bilhões pelo PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola), ou em média R$ 770 mil para cada uma das 3.500 unidades da rede, para reformas na infraestrutura escolar e compra de equipamentos de segurança e higiene.
Em relação à testagem e monitoramento, Pimentel, da Seduc, disse à Folha que o protocolo hoje do estado é de testagem dos sintomáticos e que "[há] uma dificuldade no Brasil que é a proibição do autoteste, se ele fosse liberado com certeza nós iríamos adquirir para fazer a testagem nas escolas".
Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde afirmou que adquiriu 1 milhão de testes de antígenos destinados à rede pública. Segundo Pimentel, o protocolo adotado pelo estado estabelece que alunos e professores que estiverem com sintomas deverão ser testados em unidades básicas de saúde.
A pasta também deixou de disponibilizar os boletins epidemiológicos com casos e mortes de Covid nas escolas (Simed). O secretário de Educação, Rossieli Soares, disse que a promessa é de que os dados do sistema serão disponibilizados publicamente a partir da semana do dia 18.
Segundo a pasta, as informações não estavam sendo divulgadas por ajuste no tratamento dos dados.