A procura de estudantes brasileiros por faculdades de psicologia explodiu nos últimos anos. De 2010 para 2021, o número de matrículas nessa graduação mais do que dobrou no país, indo de 136,4 mil para 289,8 mil, um crescimento de 112,4%.
Como comparação, no mesmo período, as matrículas em todo o ensino superior brasileiro apresentaram um aumento de 41%, somando cursos presenciais e a distância. Se consideradas as matrículas no ensino superior presencial, houve uma queda nesse mesmo período no país, em torno de 3%.
Na Fuvest, o vestibular mais concorrido do país, que seleciona candidatos para a USP, a carreira em psicologia tornou-se a segunda mais disputada, perdendo apenas para medicina. A concorrência deste ano para o curso de psicologia do campus de São Paulo foi de 70,6 candidatos por vaga.
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A carreira de medicina teve uma relação candidato/vaga de 118 na capital; a do campus Ribeirão Preto foi de 95,9, e a de Bauru, 78,3. Em Ribeirão, a USP também oferece graduação em psicologia, e a disputa é alta, com 44,8 candidatos por vaga.
Para se ter uma ideia do crescimento nos últimos anos, em 2010, a concorrência por psicologia na USP era de 25,7 candidatos por vaga em São Paulo e de 16,4 em Ribeirão.
"É uma procura surpreendente, bem diferente da minha geração", afirma à Folha Ana Maria Loffredo, diretora do Instituto de Psicologia da USP, onde se graduou em 1971 e fez o doutorado em 1992.
"O curso de psicologia passou a ocupar um espaço de proeminência, adquiriu uma notoriedade que não tinha antes", avalia.
Ela conta que os concursos para professores na psicologia da USP também passaram a ter uma disputa acirrada, entre 25 e 30 candidatos por uma vaga. Para a docente, a explosão dessa carreira tem a ver "com uma demanda muito aguda e diversificada dos sofrimentos psíquicos da sociedade contemporânea".
"Diante de todas as questões ligadas à saúde mental, a formação em psicologia passou a ocupar um lugar simbólico que outros profissionais da saúde não conseguem preencher", afirma.
Na Unesp, a concorrência também é alta. Dentre as opções em psicologia, a mais concorrida é a do curso integral de Bauru, com 49,2 candidatos por vaga em 2023 (há também psicologia no campus de Assis). A concorrência tem sido desse patamar para cima nos últimos anos, e em 2020 chegou a 60,5 candidatos por vaga.
Flávia da Silva Ferreira Asbahr, coordenadora do curso de psicologia da Unesp Bauru, diz que a alta procura por psicologia, tanto nas universidades públicas quanto nas particulares, tem sido comentada no meio acadêmico.
Segundo a docente, essa expansão se reflete em uma diversificação dos campos de atuação profissional.
"Na década de 1990, quando eu fiz a graduação, só se pensava no atendimento em clínica", lembra. "Hoje os profissionais estão abertos a novas possibilidades, por exemplo, a psicologia escolar, do esporte, do atendimento a emergências, como tragédias ambientais ou a própria pandemia", explica ela, que se graduou na Unesp em 1999 e fez mestrado e doutorado na USP.
Asbahr aponta um enriquecimento do debate sobre a carreira nas universidades trazido pelas cotas para estudantes de escola pública e pretos, pardos e indígenas. "Essa maior diversidade de alunos trouxe uma vivência das desigualdades sociais do país que tem pautado as discussões sobre a profissão", afirma.
"Isso fortaleceu uma reflexão sobre como a psicologia pode atuar em temas como o racismo, o machismo e as questões de gênero. Discute-se muito a inserção da psicologia em políticas públicas, para que o atendimento psicológico seja acessível."
A forma como a saúde mental passou a ser vista pela sociedade também explica a alta demanda pela carreira de psicólogo, na avaliação de Andréia Schmidt, presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia e professora do curso de psicologia na USP de Ribeirão Preto.
"Antes, os problemas de saúde mental eram tidos como questões individuais, uma fraqueza ou até falta de vontade das pessoas", afirma. "Agora existe uma outra compreensão, a de que a saúde mental é uma questão social também e é fundamental para que se viva bem."
Schmidt pondera que a alta da procura pela graduação em psicologia também é um desafio para os novos profissionais. "O Brasil tem atualmente mais de 430 mil psicólogos, é um número assustador, que torna a carreira muito concorrida", diz.
"Os profissionais devem ampliar o raio de ação, investindo em campos menos explorados", sugere. Como exemplo, ela cita o aumento da expectativa de vida e o fato de ser comum hoje um idoso ser cuidado por alguém da família. "É uma sobrecarga não só física, como emocional. Cuidar desse cuidador é uma necessidade", defende.
A própria tensão política do país, com familiares rompendo relações por diferenças ideológicas, é também uma nova possibilidade de atuação. "Pode-se formar grupos de apoio, inclusive online, com parcerias com o terceiro setor, por exemplo. Os profissionais têm que estar dispostos a sair das clínicas."
Gabriela Coelho, 18, é uma das aprovadas deste ano para a psicologia da USP e diz estar "muito feliz com o fato de a psicologia agora ser valorizada e estar se abrindo a diferentes áreas". Sua primeira tentativa de passar na universidade foi em 2021, quando se formou na Escola Móbile, em São Paulo. Não conseguiu a vaga por pouco e, no ano passado, fez cursinho Poliedro e contratou quatro professores particulares.
Ansiosa para começar o curso, ela diz que tem interesse pelo mundo corporativo. "As empresas perceberam que faz toda a diferença ter apoio psicológico para os funcionários. A profissão está sendo reconhecida, depois de sofrer tanto preconceito", comemora.