A regulamentação do ensino domiciliar não deve ser a primeira pauta de educação a ser aprovada no ano na Câmara, apesar de aparecer como a única matéria legislativa prioritária da área elencada pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido).
O tema seguirá com destaque, mas a relatora do texto, deputada Luísa Canziani (PTB-PR), diz que pautas estruturantes devem passar na frente. A preeminência do chamado homeschooling, em meio à pandemia, tem provocado críticas de especialistas e secretários de Educação.
"As discussões podem acontecer paralelamente, mas o Congresso precisa dar uma resposta aos milhões de estudantes brasileiros", disse ela à reportagem.
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Filha do ex-deputado Alex Canziani, ela se tornou, nas últimas eleições, a mais jovem deputada eleita do país. Aos 25 anos, Luísa tem conquistado protagonismo nas articulações com o governo e com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Luísa está de saída do PTB, partido da base de apoio de Bolsonaro que hoje ela vê "como uma seita". Ela não se coloca, entretanto, na oposição –é contra a CPI do Senado que vai investigar a conduta do presidente na pandemia.
Pergunta - Seguir a prioridade do governo com o homeschooling não dará a impressão de desconexão dos problemas reais em meio à pandemia?
Luísa Canziani - Com a pandemia e a suspensão de aulas, os desafios de aprendizagem e desigualdade foram escancarados.
De fato, o Congresso Nacional tem diversas pautas para superar, seja da regulamentação do Fundeb, do Sistema Nacional de Educação, de projetos que garantam a conectividade e regulamentem o ensino híbrido.
Mas, a partir do momento em que o STF diz que o homeschooling não é inconstitucional, a responsabilidade é do Congresso. Hoje, há omissão por parte do Estado. Por isso, da mesma maneira que essas pautas são importantes, acredito que a regulamentação do ensino domiciliar também deve ser enfrentada neste ano.
Há chance de alguma pauta passar antes do homeschooling?
LC - A gente precisa aprovar, antes do homeschooling, pautas estruturantes para a educação. As discussões podem acontecer paralelamente, mas o Congresso precisa dar uma resposta aos milhões de estudantes que esperam do poder público sinalização em prol da educação.
Cerca 85% dos países da OCDE já regulamentaram o homeschooling, mas é uma modalidade que atinge parcela pequena da população. Embora seja relatora, acho que, no atual momento, há outras matérias que devem ter prioridade.
Queremos fazer no dia 28 de abril um dia da educação na Câmara para aprovar projetos consensuais.
Qual é a previsão para o relatório de ensino domiciliar?
LC - Temos feito ciclos de debates, trazendo defensores e contrários, experiências internacionais.
O texto vai fazer duas coisas: resguardar o direito das crianças e regulamentar o dever das famílias. A expectativa é que seja apresentado no final de maio e aprovado no primeiro semestre.
Como garantir que os alunos dessa modalidade tenham o mesmo nível de aprendizado?
LC - Colocarei uma menção explícita para que se siga a Base Nacional Comum Curricular. Foi uma conquista, é a grande espinha dorsal da educação. E teremos a previsão de avaliações. Ainda estamos construindo como serão, mas as redes é que vão regulamentar.
Acredito que seja importante colocar a questão de formação para os pais. Um dos responsáveis precisa ter, no mínimo, o ensino superior completo.
Qual deve ser o papel do MEC?
LC - O MEC não fará o monitoramento direto, mas poderá ajudar na coordenação [junto às redes]. Os alunos em homeschooling terão vínculo com escolas, públicas ou privadas. Quem vai determinar as diretrizes gerais será o Conselho Nacional de Educação, [haverá] fiscalização do conselho tutelar.
O MEC tem sido criticado pela sua ausência na pandemia. A pasta tem feito seu papel?
LC - O ministério, infelizmente, falhou, principalmente na coordenação federativa.
É muito importante que o MEC traga instrumentos para auxiliar gestores na tomada de decisões. Faltou coordenação, faltou liderança, mas agora é momento de olharmos para frente.
É importante que a gente faça avaliação do que efetivamente foi aprendido. Se a pandemia não melhorar, defendemos um Saeb [avaliação federal] amostral.
A senhora, que tem tido destaque na articulação entre Congresso e o governo, se considera da base governista?
LC - A partir do momento que o governo defender e enviar pautas importantes para o desenvolvimento do país, e que eu acredite, não hesitarei em ajudar. Quando falamos de reformas tão necessárias, tenho o dever de auxiliar.
O presidente tem sido muito criticado com relação à pandemia. Ele errou?
LC - Houve erros e acertos. No início da pandemia, era um processo novo para o Brasil e para o mundo. Os gestores ainda buscavam alternativas e soluções para um vírus que a gente não conhecia.
Em relação aos erros, prefiro olhar para frente, reconhecer que precisamos investigar determinadas ações, e não só do governo federal, mas também dos governos estaduais e municipais.
A senhora apoia a CPI da Covid?
LC - Não é o momento de instaurar uma CPI, na medida em que tiramos o foco do principal, que é garantir a vacinação, resguardando a atividade econômica do país, e não entrar em discussões políticas e ideológicas que minimizem o real foco. Defendo que as investigações aconteçam pelo Poder Judiciário e outros mecanismos legais.
Seu partido caminha para apoiar Bolsonaro na reeleição. A senhora vai apoiá-lo?
LC - Estou em transição partidária. Ainda estou analisando a conjuntura dos partidos. E a minha decisão para eleição será no momento adequado.
Por que a senhora sai do PTB?
LC - Não me identifico mais com o PTB. Hoje, virou uma seita por meio de um radicalismo exacerbado do presidente nacional do partido [o ex-deputado Roberto Jefferson]. Quero um partido que escute divergências.
A senhora teme que a aproximação com o governo e com Lira possa colocar uma marca, já no início da sua carreira, como parte desse grupo muito criticado externamente?
LC - Os deputados de centro atuam como uma força moderadora. É graças a esse grupo que as reformas efetivamente acontecem.
Os deputados de centro têm papel fundamental na governabilidade e na garantia de pautas importantes não só para o governo, mas para o país. Atuam como força moderadora, ainda mais nesse momento de tanto radicalismo.
RAIO-X
Luísa Canziani, 25 anos
Formada em direito pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Paraná, foi eleita em 2018 aos 22 anos. Divide com Kim Kataguiri (DEM-SP) o posto de mais jovem parlamentar do Congresso. Elegeu-se ao primeiro mandato pelo PTB. É filha do ex-deputado Alex Canziani (PTB-PR), que teve cinco mandatos na Câmara, e disputou, mas perdeu a eleição para senador no último pleito.