A análise do genoma completo de mais de 3.000 japoneses sugere que três povos diferentes se juntaram para dar origem aos habitantes do Japão, num período que vai do fim da Era do Gelo até o começo da Era Cristã. Os dados de DNA revelam ainda a contribuição genética de espécies arcaicas de humanos para a população japonesa e trazem pistas sobre genes relevantes para doenças.
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As conclusões estão em artigo que acaba de sair no periódico especializado de acesso livre Science Advances. Segundo os autores da pesquisa, liderada por Xiaoxi Liu e Chikashi Terao, do Centro Riken de Ciências Médicas Integrativas, a intenção era mapear o DNA de uma amostra representativa das diferentes regiões japonesas. Entre as pessoas da amostra, portanto, há moradores de todas as principais ilhas que compõem o arquipélago principal do país, bem como nativos do arquipélago que tem Okinawa como sua ilha principal.
Por enquanto, há relativamente poucos estudos analisando genomas antigos dos habitantes do Japão, mas um trabalho recente já havia sugerido a possibilidade de três populações ancestrais no passado remoto, e não duas, como se acreditava até pouco tempo atrás.
A nova análise de DNA dá mais peso à hipótese e mostra ainda que a proporção das contribuições desses povos varia de região para região do país. Em Okinawa, por exemplo, fica a maior contribuição (cerca de 30%) do povo conhecido como Jomon, caçadores-coletores que colonizaram o Japão quando ainda havia conexões por terra entre as ilhas e o continente asiático, antes do fim da Era do Gelo. A contribuição desse grupo é menor nas regiões nordeste (19%) e oeste (13,5%) do país.
Com a subida do nível dos oceanos, as populações Jomon ficaram isoladas em solo japonês durante milênios. Tradicionalmente, acreditava-se que esse isolamento teria sido rompido pelos chamados Yayoi, grupos de agricultores da Ásia continental que teriam trazido o cultivo do arroz para as ilhas por volta do ano 300 a.C. (embora a chegada deles possa ter acontecido séculos mais cedo).
A nova análise complica esse quadro ao indicar a presença de duas populações asiáticas diferentes. "O componente ancestral que é mais alto na região oeste do Japão tem uma afinidade genética significativamente mais alta com populações antigas que viviam ao longo do rio Amarelo [centro-norte chinês], o que sugere uma ligação com a China", disse Xiaoxi Liu à Folha. Segundo Liu, isso poderia explicar a influência chinesa na tecnologia e na cultura do Japão durante a formação do primeiro Estado imperial do país.
Já na região nordeste do país, aparece com mais força outro componente genético mais difícil de classificar, mas que poderia estar ligado a povos oriundos da bacia dos rios Liao e Amur, nas fronteiras da China com a Mongólia e a Sibéria.
A análise revelou ainda uma série de trechos de DNA, em geral relativamente pequenos, que a população japonesa herdou de duas espécies de humanos arcaicos que se miscigenaram com o Homo sapiens, os neandertais e os denisovanos (com contribuição maior dos primeiros). Entre eles há, por exemplo, uma variante do gene POLR3E associada a pessoas de menor altura.
Por fim, os pesquisadores mapearam variantes genéticas da população japonesa que parecem ter sido favorecidas pela seleção natural, ou seja, ajudaram seus possuidores a deixar descendentes com mais sucesso. Entre elas estão trechos de genes que facilitam o metabolismo de álcool.
"A força que impulsionou essa seleção ainda é um mistério", diz Liu. Uma possibilidade é que não haja uma relação direta com o consumo de bebidas alcoólicas, mas sim que as mesmas variantes ajudassem o organismo a combater parasitas microscópicos (amebas) adquiridas durante o cultivo intensivo de arroz.