Um fragmento ósseo de uma criança que viveu há mais de 100 mil anos sugere que a síndrome de Down também podia afetar os neandertais, primos arcaicos do Homo sapiens. Ao que parece, bebês com deficiências decorrentes da síndrome podiam sobreviver por vários anos, provavelmente graças à ajuda de boa parte da comunidade onde nasciam.
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A análise do fóssil, encontrado na caverna de Cova Negra (região de Valência, na Espanha), foi publicada nesta quarta-feira (26) em artigo no periódico especializado Science Advances. Trata-se de um pedaço do osso temporal, parte do crânio na lateral da cabeça (mais ou menos entre a região atrás dos olhos até um pouco antes da nuca).
O fragmento em si não chegou a ser datado diretamente, mas estudos no local atribuíram idades entre 273 mil anos e 146 mil anos a outros ossos de humanos arcaicos encontrados ali. Nessa época, os seres humanos de anatomia moderna ainda não tinham chegado à Europa. Além disso, detalhes da anatomia do osso temporal permitem atribuí-lo à espécie Homo neanderthalensis, a dos neandertais, com probabilidade de quase 95%.
Essa é a estimativa dos autores da nova pesquisa, liderados por Mercedes Conde-Valverde, do Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Alcalá. É possível afirmar, além disso, que o indivíduo correspondente àquele osso temporal era imaturo, provavelmente com um pouco mais do que seis anos de idade quando morreu.
A estrutura do fragmento ósseo preservou ainda detalhes do ouvido interno da criança, estrutura que, além de sua importância para a audição, também é crucial para o senso de equilíbrio, sendo afetada em pessoas que sofrem de labirintite, por exemplo.
Essa foi a peça-chave para o provável "diagnóstico" do pequeno neandertal. As estruturas do ouvido interno achadas na caverna espanhola apresentam um conjunto de anomalias que, somadas, só aparecem em pessoas com síndrome de Down, as quais podem sofrer de problemas sérios de audição e de capacidade de equilíbrio.
A síndrome, que é resultado da presença, em todo ou em parte, de uma cópia a mais do cromossomo 21 no DNA de seus portadores, já foi constatada também em grandes primatas atuais, como os chimpanzés. Seus efeitos podem ser mais leves ou mais complexos para a qualidade de vida e a longevidade das pessoas hoje, mas seria muito mais difícil cuidar de bebês com Down sem os conhecimentos da medicina moderna.
No caso específico do pequeno neandertal da Espanha, as patologias no ouvido interno indicam que, além de grande perda auditiva, ele teria crises frequentes de vertigem e desequilíbrio que acabariam por impedi-lo de se locomover por conta própria durante longos períodos.
Considerando o estilo de vida tremendamente ativo dos neandertais, a explicação mais provável para que a criança tenha sobrevivido vários anos mesmo tendo necessidade de cuidados constantes é que os membros de seu grupo se revezavam com a mãe dela, seja trazendo comida e objetos necessários para ela e o filho, seja cuidando da criança enquanto a mãe ia em busca de alimentos ou fazia outras tarefas.
Embora existam outros exemplos de neandertais com deficiências ou ferimentos graves que parecem ter sobrevivido durante vários anos graças aos cuidados de seus companheiros, o caso da criança com síndrome de Down reforça a ideia de que laços de solidariedade dentro de um grupo podiam ser bastante intensos entre esses humanos arcaicos.