Oito em cada dez alunos das escolas estaduais de São Paulo não ficaram mais que duas horas online no aplicativo de ensino remoto do governo paulista ao longo de quase todo o ano de 2020.
Os dados foram levantados junto ao governo do estado pela área técnica do TCE (Tribunal de Contas do Estado) e se referem à soma dos acessos em todo o período.
O aplicativo do Centro de Mídias de São Paulo foi a principal aposta da gestão João Doria (PSDB) para manter a aprendizagem em meio à pandemia de coronavírus.
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As aulas na rede estadual foram interrompidas em março de 2020 e retomadas de forma remota no final de abril. Só em outubro parte das unidades da rede reabriu para aulas presenciais, em esquema de rodízio.
Em maio de 2020, a Folha já havia mostrado que menos da metade dos alunos da rede paulista havia acessado o aplicativo do Centro de Mídias, ou seja, feito um mero login no sistema.
O problema se devia à falta de computadores e celulares e de informações sobre como acessar o sistema por parte dos alunos.
Os dados coletados pelo TCE mostram que esse cenário praticamente não mudou nos meses subsequentes. No último mês de 2020, o dado estava ainda estacionado em 49,7%.
Em junho, melhor mês do ano, 826 mil estudantes haviam acessado o Centro de Mídias, apenas 25% do total da rede.
O tempo que os alunos passaram no aplicativo revela um cenário pior ainda. As informações sobre o período de acesso começaram a ser coletadas em 26 de maio, um mês após a estreia do Centro de Mídias.
O relatório mostra que, somando todos os acessos entre essa data e o dia 31 de dezembro de 2020, 81,2% dos alunos ficaram no máximo duas horas no aplicativo.
Mais da metade (62%) nem sequer acessou ou não completou uma hora ao longo dos sete meses avaliados; 18,4% ficaram até duas horas; 7,4% permaneceram entre duas e dez horas; e apenas 11,3% assistiram a mais de dez horas de aula no período inteiro.
A análise do TCE ressalta que cada aula do aplicativo tinha uma duração de 45 minutos. Portanto, se um estudante acompanhasse três delas na íntegra já somaria uma quantidade superior às duas horas.
Uma ressalva feita pelos técnicos é que os estudantes podiam acompanhar as aulas também em outras plataformas, como o Facebook e o YouTube.
Ainda assim, as análises das visualizações por meio dessas plataformas foram classificadas como "consideravelmente pequenas" pelos técnicos do tribunal.
Em junho, melhor mês, houve média de 31.426 acessos por vídeo voltado do YouTube aos alunos dos anos finais do ensino fundamental -também a etapa com mais visualizações. Só que o número representa pouco mais de 2% do 1,4 milhão de estudantes.
O Facebook não traz a informação de acessos por vídeos já divulgados, mas os técnicos registraram que os dois canais da secretaria na rede social têm um total de inscritos correspondente a menos de 10% dos estudantes.
Não há dados sobre a audiência das aulas na televisão, mas o relatório aponta que, além de não ter ferramentas de interação, como o aplicativo, a TV não transmitia todas as aulas na programação semanal para os estudantes de ensino médio e anos finais do ensino fundamental.
Coordenadora do Centro de Mídias, Bruna Waitman disse que o aplicativo não era a única forma de acesso dos alunos ao ensino remoto, citando Facebook, Youtube, televisão e atividades que o aluno realiza por conta própria.
Segundo ela, a pasta está elaborando um indicador que leve em conta tais atividades. Ela lembra que pesquisa Datafolha realizada em junho de 2020 mostrou que 53% dos estudantes diziam acessar conteúdo pela TV e ressalta que as aulas que não eram transmitidas pela televisão durante a semana passavam ou no sábado ou domingo.
Ela afirma que, em setembro, com a volta de atividades presenciais em parte das escolas do estado, o sistema de ensino remoto teve uma grande virada.
O número de estudantes que acessaram o aplicativo ao menos uma vez aumentou substancialmente após a reabertura das salas de aula em esquema de rodízio. A proporção dos que fizeram login chega neste ano a 86%.
O acesso à escola presencial, porém, tem sido desigual tanto em São Paulo como no restante do país.
Pesquisa Datafolha realizada em abril e maio de 2021 mostrou que a proporção de alunos pobres que tiveram a oportunidade de voltar à sala de aula é menor que a metade da registrada entre estudantes com maior renda (38%).
Avaliação na rede paulista realizada no início de 2021 mostrou que os estudantes não só deixaram de aprender mas também regrediram em 2020. No ritmo das últimas avaliações, a estimativa é que levará 11 anos para que São Paulo recupere o nível de aprendizagem na disciplina.
Os dados juntados pela equipe técnica ajudaram a embasar na última semana o voto do relator das contas de Doria em 2020, conselheiro Dimas Ramalho, que opinou pela aprovação com ressalvas. Ele foi acompanhado por unanimidade pelos outros integrantes do TCE.
Em seu voto, Ramalho recomendou que a Secretaria de Educação realize mapeamento dos alunos que não participaram do processo educacional no ano passado, para que haja recuperação do aprendizado nos próximos anos. O parecer do Tribunal de Contas ainda tem que passar por votação da Assembleia Legislativa, onde o governo costuma formar maioria.