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Docentes relatam casos de Covid e dificuldade em seguir protocolos na rede pública

10 mar 2021 às 09:24


Poucos profissionais para cuidar da limpeza, protocolos sanitários difíceis de serem cumpridos, falta de estrutura das unidades de ensino e medo ao ver colegas contaminados pela Covid-19 após o retorno das atividades presenciais.

Professores de escolas públicas do estado de São Paulo e da rede municipal da capital paulista afirmam estar vivendo dias de terror após a retomada das aulas. Segundo eles, que pedem para não ser identificados temendo represália, é impossível evitar a contaminação pelo novo coronavírus com a estrutura atual das escolas.


No primeiro mês de retorno das aulas presenciais em São Paulo, as escolas públicas e particulares registraram 4.084 casos de Covid-19 e a morte de 21 alunos e professores pela doença, segundo dados do Simed (Sistema de Informação e Monitoramento da Educação para Covid-19 da Seduc-SP).


A rede estadual começou a receber os alunos em 8 de fevereiro e, a municipal, no dia 15 do mesmo mês. Para ambas, a capacidade está limitada a 35% das matrículas, podendo a família optar pelo ensino remoto.


Uma das principais queixas entre os docentes é a quantidade insuficiente de profissionais de limpeza nas unidades. A diretora de uma escola municipal em Sapopemba, na zona leste de São Paulo, relata que a unidade tem apenas três funcionárias –em sistema de escala– para limpar onze salas, seis banheiros e as áreas da cozinha, merenda e direção.


"É impossível higienizar as salas a cada duas horas, como determina o protocolo da secretaria", conta a diretora. De acordo com ela, até o ano passado, a unidade contava com sete funcionários.


Um professor de uma escola estadual no Tucuruvi, na zona norte, relata que na unidade havia três funcionárias de limpeza, mas uma foi afastada após se contaminar por Covid-19, o que tornou o trabalho ainda mais difícil.


Sobre o álcool em gel, docentes de ao menos oito escolas estaduais da zona sul da capital relataram à reportagem que houve distribuição de produto vencido. "Depois de a gente reclamar, trocaram os frascos por outros que vão vencer em março", contou uma professora.


Outros professores da rede estadual ainda se queixam de falta de sabonete e papel nos banheiros.


Esses e outros problemas em 18 unidades escolares municipais e uma estadual estão em um relatório que o vereador Toninho Vespoli (PSOL) entregou ao Ministério Público em 1º de março. A bancada do PSOL da Assembleia Legislativa também está reunindo em um dossiê escolas com essas falhas.


Na última terça-feira (9), o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que professores e funcionários não poderão ser convocados para aulas presenciais durante as fases laranja e vermelha –São Paulo está nesta última. A decisão vale para profissionais filiados aos seis sindicatos que ingressaram com a ação.


MedoAlém dos problemas já relatados, nada tem causado mais pânico do que a contaminação de colegas e demais funcionários das escolas. Os docentes são unânimes em relatar que há muito mais casos e óbitos do que os divulgados pelas secretarias.
O medo aumenta ainda mais com relatos e listas colaborativas nas redes sociais contabilizando casos e mortes por escola. Os depoimentos enumeram centenas de instituições com funcionários afastados e quase 90 docentes que teriam morrido pela Covid-19.


Tanto estado quanto município não confirmam a veracidade da lista de óbitos.


A diretora de uma Emef (Escola Municipal de Ensino Fundamental) na zona leste relata que bastaram sete dias de trabalho presencial para que começasse a sentir os sintomas da Covid-19: dores no corpo e de cabeça, coriza e cansaço. Ela teve a confirmação da contaminação em 7 de fevereiro e, nos dias seguintes, irmão, marido, cunhada e o pai de 90 anos também foram infectados. "Foram oito dias no hospital, sendo três em UTI. Tive muito medo de morrer ou dessa doença matar alguém da minha família", diz.


Ela tem o retorno ao trabalho previsto para o fim desta semana, após avaliação médica. "Se não me deixarem trabalhar de casa, vou aderir à greve. Sei que muitas mães precisam da escola, mas a gente precisa estar viva para a escola funcionar."
Os professores da rede municipal iniciaram uma paralisação em protesto contra o retorno das atividades presenciais em dia 15 de fevereiro. Segundo a prefeitura, as faltas estão na casa de 8%, quando o normal é de 5%. Já o Sinpeem (Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo) diz que a adesão é de 70%. A entidade lista que há casos de Covid-19 em mais de cem escolas da capital.


Na rede estadual os professores também iniciaram uma greve no dia 8. O estado afirma que o índice de absenteísmo é de 2%. Já a Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) diz que cerca de 15% dos profissionais que deveriam comparecer não estão indo. Eles ficam disponíveis para o trabalho remoto. O sindicato ainda afirma que já recebeu informações de contaminados em ao menos 980 escolas das cerca de 5.300 unidades estaduais.


Os colegas do diretor de uma creche municipal em Guaianases, na zona leste, só foram informados de que ele estava internado após a mulher dele, que também trabalha na rede, avisá-los.


O diretor, que falou com a reportagem do hospital, conta que, logo na primeira semana de aula, uma das funcionárias da creche manifestou sintomas de Covid e foi afastada. Cerca de cinco dias depois, ele e uma professora sentiram dores no corpo e fizeram teste, que deu positivo.


Foram dez dias de internação e muito medo. "Eu amo a escola, mas vi a minha vida ameaçada. Como gestor, vou retomar as atividades, mas sei de professores que estão tirando licença por diversos motivos. Neste momento, não posso condenar quem usa de subterfúgios para se manter vivo."


OUTRO LADO


A Secretaria de Estado da Educação afirmou, em nota, que as diretorias de ensino possuem contratos ativos com diferentes empresas de serviço de limpeza, bem como álcool em gel suficiente –que também pode ser comprado pelas escolas com a verba disponível por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola.


Quanto aos relatos de álcool em gel vencido, a pasta, sob a gestão João Doria (PSDB), informa que os diretores são orientados a observar seus estoques. "Vale observar que muitas unidades reaproveitam os recipientes que ficam nas mesas, por exemplo, repondo o álcool, por isso a data pode não ser a que está indicada."


A secretaria ainda destacou que as notificações dos casos de Covid-19 são de responsabilidade da área da saúde.
Já a Secretaria Municipal da Educação informou, em nota, que a contratação das empresas de limpeza é baseada em critérios técnicos e, caso não cumpram o serviço, "podem ser sancionadas".


A pasta, sob a gestão Bruno Covas (PSDB), ainda esclarece que o retorno às atividades segue as determinações da Saúde, que também faz a vigilância da rede, por meio das UBSs (Unidades Básicas de Saúde). "A decisão de suspender aulas presenciais é da Saúde", informa a nota.


Em relação ao relatório com falhas nas escolas, o município afirma ter repassado às unidades apontadas R$ 2,4 milhões para "adequação de espaço e pequenos reparos".


Além disso, a pasta diz ter investido R$ 571 milhões em reformas e compra de equipamentos para garantir a retomada segura, além da aquisição de 760 mil kits de higiene, 2,4 milhões de máscaras de tecido, 6,2 mil termômetros digitais e 75 mil protetores faciais, num total de R$ 20 milhões.

A secretaria ainda diz que iniciou a contratação de mães para auxílio no cumprimento dos protocolos nas escolas e que professores e alunos de grupos de risco permanecerão em regime remoto.


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