Os jovens brasileiros, de 15 a 29 anos, representam um quarto da população total do Brasil e quase 70% deles, dois em cada três, são de baixa renda. Somente 33% estudam atualmente e, desses, um terço está em atraso escolar. A defasagem é maior entre os jovens que não trabalham. Os dados são de uma pesquisa feita pelo Observatório Sistema Fiep (Federação das Indústrias do Paraná), que traça um raio x completo deste público no território nacional.
O objetivo era entender o comportamento da juventude brasileira de baixa renda tendo como base a missão de gratuidade do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) que oferece cursos de formação e capacitação profissional com foco na indústria. “Fomos buscar respostas para entender por que, mesmo o país tendo um alto índice de pessoas buscando emprego e uma demanda expressiva da indústria por mão de obra qualificada, as vagas para os cursos de capacitação gratuitos não eram preenchidas”, diz Fabiane Franciscone, diretora regional do Senai e superintendente do Sesi e IEL no Paraná. “Precisávamos compreender essa lacuna e avaliar por que essas variáveis não se conectavam.”, justifica.
Metodologia
O estudo avaliou jovens de 15 a 29 anos de 2012 a 2022, com renda de até meio salário-mínimo
per capita ou renda familiar mensal de até três salários-mínimos. Foram três eixos de análise: escolaridade, empregabilidade e conectividade, com recortes que consideram renda, gênero, raça e localização geográfica. A pesquisa contempla ainda uma abordagem sobre o impacto da pandemia da Covid-19.
Foram 14 profissionais diretamente envolvidos e uma equipe multidisciplinar de apoio com 80 colaboradores para desenvolver o material. Eles compararam os dados quantitativos da juventude brasileira de baixa renda com a população total e com os jovens, considerando todos os estratos de renda. Transversalmente, as reflexões consideraram os efeitos combinados entre diversas segmentações, que definiram algumas das desigualdades.
De acordo com a gerente executiva do Observatório Sistema Fiep, Marília de Souza, a metodologia traz dados quantitativos da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nos últimos dez anos, e muitas horas de trabalho dos pesquisadores. “. Analisamos muitas publicações de referência dos últimos 15 anos, além de estudos feitos pelos Senai nos últimos sete anos. No total, são 112 fontes de referência utilizadas nessa pesquisa, além de trabalho de campo”, frisa.
Cenário e resultados
Ao longo dos anos 2000, o Brasil passou por um ciclo de políticas públicas focadas nas demandas da juventude de baixa renda. No entanto, em 2020, quando a pandemia começou, a população foi extremamente impactada, sobretudo a mais pobre, com menos acesso à educação, ao trabalho e à inclusão digital. Entre as conclusões, a pesquisa revela o perfil socioeconômico, educacional, digital (como está inserida e conectada com o mundo) e o trabalho (ocupação) da juventude brasileira de baixa renda. Ainda elenca os principais desafios para eles nessas áreas. Por último, faz uma análise completa de políticas públicas recentes e seu impacto na população, além de trazer as repercussões da pandemia.
Ensino e trabalho
Na área de Educação, os resultados apontaram que os jovens de baixa renda estudam pouco mais de 10 anos e, a maioria que estuda atualmente, 54%, tem de 15 a 17 anos. Outros 39% têm entre 18 e 24 anos, e 10% estão entre 24 e 29 anos. Mais da metade do total, 53%, ainda cursa o Ensino Médio, 15% ainda não concluíram o Fundamental e só 28% estão no Ensino Superior. Esse indicador entre jovens de outras classes chega a 38%. O Paraná é o estado da federação com maior percentual de estudantes de baixa renda cursando a graduação, 40%.
Em relação à defasagem escolar, 33% estão com atraso no Ensino Médio. Desses, 23% estão desempregados e 10% exercem uma atividade profissional. “Uma das conclusões é que a juventude brasileira precisa conciliar estudo e trabalho para poder concluir as etapas. E há um ambiente de instabilidade escolar no Brasil e distorções entre idade dos estudantes e a série que estão cursando”, avalia Raquel Valença, gerente de estudos, pesquisas e tendências do observatório. Ela ressalta que há um campo fértil para a evasão escolar, diante das dificuldades que esse público enfrenta. “Cursar o Ensino Médio ainda é visto com muitos obstáculos pelos jovens. E o Ensino Superior, ainda é bem restrito. A boa notícia é a Educação Profissional, que eles enxergam como bem valorizada no país”, complementa.
Em relação ao jovem de baixa renda em atividades profissionais, a pesquisa revelou que 36% só trabalham. Outros 33% estudam, sendo 8% exercendo as duas funções e 25% só estudando, sem função profissional. O que preocupa neste quesito é que é expressivo o índice de pessoas que não estudam e não trabalham, em torno de 31%. “O emprego ainda é visto como como prioridade à subsistência, ou seja, fundamental para que possam se manter. A juventude brasileira considera difícil a inserção no mercado de trabalho e entende que muitas oportunidades são oferecidas em condições precárias, a maioria na modalidade informal (sem registro em carteira e direitos garantidos) e com taxa de rotatividade alta”, diz.
Uma das conclusões da pesquisa é de que a juventude de baixa renda divide seu tempo entre estudo e trabalho e por isso encontra mais dificuldades para concluir o Ensino Médio. “Eles precisam focar no trabalho para sua própria subsistência. Também a instabilidade escolar é um entrave. O acesso à educação é prioritariamente um meio para a empregabilidade e a urgência de estar no mercado de trabalho faz com que a evasão escolar esteja sempre à espreita”, resume.
O levantamento do Observatório Sistema Fiep verificou ainda que a “geração neno” - jovens que não estudam, nem estão ocupados – está em expansão no Brasil, o que é preocupante. Mesmo assim, os jovens são otimistas e enxergam o emprego ideal em perspectiva.
Acesso à internet
No quesito conectividade, que avalia de que forma a juventude brasileira de baixa renda acessa a internet e se conecta com o mundo, os resultados não trazem muitas novidades.
Mesmo com 88% tendo acesso à internet, esse percentual está abaixo da média de jovens em geral (92%). Somente 28% dos jovens de baixa renda no Brasil possuem computador em casa e 71% têm o serviço de internet banda larga em casa. Os smartphones permanecem como principal meio de acesso à vida digital, que geralmente é rápida e focada em redes sociais.
“Com poucos recursos para adquirir planos de dados das operadoras, eles buscam opções mais baratas, o que restringe o tempo que ficam conectados e a qualidade do conteúdo acessado. Eles optam por utilizar este tempo com entretenimento e lazer, priorizando redes sociais e não temáticas mais densas e educativas”, sinaliza Souza. “Outra constatação é que a inclusão digital junto à maioria dos jovens é feita de forma autodidata, ou seja, eles aprendem sozinhos como acessar a internet, a buscar informações e a se relacionar. Dessa forma, perdem vínculos e ficam alheios a espaços virtuais em que poderiam interagir de forma mais ampla”, completa. Cresce também nestes ambientes os ativismos juvenis de todas as formas, revelou a pesquisa.
Alguns comportamentos que fazem parte da vida da juventude brasileira de baixa renda no Brasil foram identificadas no estudo. As mais perceptíveis são que eles sofrem discriminações raciais, de classe, gênero e região. Também há uma tendência de adesão deles ao neopentecostalismo – readaptação das igrejas pentecostais que seria uma nova onda do movimento evangélico. Verificou-se que essa juventude convive com alto risco de mortalidade violenta, está exposta à gravidez precoce, sofre com insegurança alimentar e “efeito cicatriz”, ou seja, acreditam que podem não ter oportunidades de ascensão social. No estudo também há registros das hesitações dos jovens em relação ao futuro.
O Paraná no cenário nacional
O estado tem atualmente 1,5 milhão de jovens de baixa renda, o que corresponde a 14% da população paranaense, em torno de 11 milhões de habitantes. Em outras palavras, um a cada sete paranaenses é um jovem de baixa renda.
A boa notícia é que o estado vem melhorando indicadores. É o oitavo no país que mais registrou alterações de faixa entre jovens de baixa renda entre 2017 e 2022 (-4,5%), ou seja, esses melhoraram de vida. Entre os que estudam, 47% frequentam o Ensino Médio e, 40%, o Ensino Superior, o maior percentual do Brasil. Aqui, 92% dos jovens de baixa renda têm acesso à internet.
Franciscone reforçou que o objetivo maior desse trabalho é inspirar diversos segmentos da sociedade para que possam criar e apoiar políticas públicas mais acessíveis e inclusivas para assegurar a cidadania e a dignidade desses jovens. “Isso será feito dando oportunidades e realizando transformações na vida da juventude brasileira de baixa renda”, afirma. “Esse trabalho muito nos orgulha porque é uma grande contribuição que vamos entregar à sociedade e que vamos poder refletir juntos. Trata-se de um balizador para entidades de classe, organizações, empresas, instituições de ensino públicas e privadas e órgãos governamentais estabelecerem prioridades e planejarem políticas que realmente atendam às necessidades emergentes da juventude de baixa renda no Brasil”, completa.