Dos alunos que concluíram o ensino médio na rede estadual de São Paulo em 2021, 96,6% saíram da escola sem ter aprendido como resolver uma equação de 1º grau ou interpretar dados estatísticos.
Essas são algumas das habilidades que a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) define como essenciais para quem termina a educação básica. Os dados do Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) mostram que quase todos os concluintes não tiveram a oportunidade de aprendê-las.
A prova do Saresp foi aplicada em dezembro nas escolas estaduais e os resultados mostram piora no rendimento escolar em todos os níveis de ensino e nas duas áreas avaliadas, língua portuguesa e matemática. O maior percentual de alunos com defasagem foi verificado no 3º ano do ensino médio.
Leia mais:
CNU: sai nesta segunda-feira convocação de candidatos negros
Contestado estudo que popularizou hidroxicloroquina contra Covid é 'despublicado'
CNU divulga revisão das notas da prova discursiva e redação; saiba como consultar
Em Londrina, professores da rede municipal lançam livro sobre educação patrimonial nesta quinta
O rendimento dos alunos dessa série em matemática foi o menor desde 2010, início da série histórica. Segundo a métrica do Saresp, o desempenho dos concluintes é considerado adequado para quem está no 7º ano do ensino fundamental, ou seja, eles saíram da escola com uma defasagem equivalente a quase seis anos de aprendizado.
Para especialistas ouvidos pela reportagem, a grave defasagem desses estudantes não se explica apenas pela pandemia e o tempo que ficaram fora da sala de aula nesses dois anos. O secretário de Educação, Rossieli Soares, também reconheceu que o problema no ensino paulista é anterior à crise sanitária.
"O que já era ruim ficou ainda pior. O ensino médio estava no fundo do poço e a pandemia mostrou que pode piorar", disse o secretário na quarta-feira (2) ao apresentar os resultados.
Em língua portuguesa, o desempenho dos estudantes ao fim do 3º ano do ensino médio foi o menor desde 2013. A média que obtiveram é considerada adequada para o que deve ser aprendido no 8º ano do ensino fundamental. Com esse rendimento, 76% não conseguem interpretar um texto literário.
"Esses estudantes saíram da escola sem ter desenvolvido habilidades essenciais. A maior perda não é por não terem aprendido um conteúdo escolar, mas por não terem tido a chance de desenvolver habilidades que os fariam compreender melhor o mundo", diz Sônia Maria Vidigal, professora de pedagogia do Instituto Singularidades.
Entre as questões com maior percentual de erros entre os estudantes do 3º ano, está, por exemplo, uma que pedia para calcularem o total de livros comprados por uma livraria a partir do valor do lucro final. Em outra questão, os alunos tinham que calcular o percentual de aumento de um produto importado pelo Brasil.
Nas demais séries avaliadas pelo Saresp, também houve piora de rendimento. Segundo os dados da prova, 61,6% dos alunos terminaram o 5º ano do ensino fundamental sem conseguir resolver um problema que pedia para calcular o troco de uma compra. Ao fim do 9º ano, 85,7% não sabiam fazer um cálculo de porcentagem.
Para Maria do Pilar Lacerda, pesquisadora do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais da FGV, a defasagem acentuada é resultado de anos de um ensino pouco conectado com os estudantes.
"A pandemia pegou dois anos da formação desses estudantes, mas a defasagem acumulada por eles é de quase seis anos de trajetória escolar. É importante que se faça essa reflexão, porque precisamos mudar a forma de ensinar. O sistema já não funcionava bem e, se voltarmos para o mesmo modelo, os resultados continuarão sendo ruins."
A Secretaria Estadual de Educação aposta em diferentes formatos de recuperação e reforço escolar para melhorar o desempenho dos estudantes. Um dos projetos anunciados é o Aprender Juntos, para as turmas de 3º ao 6º ano, que propõe às escolas agrupar os alunos com o mesmo nível de conhecimento.
"As salas de aulas têm alunos com níveis muito diversos. Nesse projeto, a gente propõe que as escolas reenturmem aqueles com o mesmo nível de proficiência em alguns momentos específicos para montar atividades mais adequadas para cada grupo", diz Viviane Cardoso, coordenadora pedagógica da secretaria.
Segundo a pasta, a ação já foi implementada em 26 escolas no ano passado para 7.000 estudantes e teve bons resultados -eles não foram apresentados.
Vidigal vê a iniciativa com preocupação. Para ela, o agrupamento dos estudantes pode ser um trabalho a mais para os professores e vai na contramão das evidências de que o aprendizado acontece também entre os alunos.
"O aprendizado é mais rico quando há a troca entre os alunos. Ao separar os estudantes, imaginando que eles podem estar no mesmo patamar, se tira a oportunidade daqueles que estão mais avançados de compartilhar o que sabem."