Cesare Mansueto Giulio Lattes, ou só César Lattes, certamente deixou uma marca e tanto pelo caminho. Nesta quinta-feira (11), o físico, um dos maiores da história, completaria cem anos.
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Além do impacto na física, ele ajudou a evoluir a ciência brasileira, buscou ativamente o avanço do país -em uma espécie de nacionalismo científico-, ganhou renome e questionou e atacou Albert Einstein.
Uma boa forma de ter noção do seu impacto na vida científica brasileira é o nome da plataforma de currículos de pesquisadores no país: Lattes.
Nascido em Curitiba, Lattes se formou na USP, em física, em 1943, aos 19 anos.
Foram os raios cósmicos que mudaram sua vida. Estamos falando mais especificamente do méson pi, detectado através de uma chapa levantada no Pic du Midi, na França, e reportado em artigo publicado na revista Nature em 1947. Nesse momento, Lattes estava no Reino Unido.
Com a detecção, veio uma forte atenção da imprensa nacional e internacional, segundo o próprio Lattes, em entrevista à Superinteressante, em 2005. Partindo do Reino Unido, a próxima parada do pesquisador foi os EUA, onde, em experimentos em um acelerador de partículas em Berkeley, na Califórnia, alcançou ainda mais destaque.
O acelerador em questão fora construído para achar os tais mésons, contudo nada tinha achado. Até a chegada de Lattes.
"Os mésons foram um Carnaval na mídia", diz o físico Ildeu de Castro Moreira, ex-presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
O próprio Lattes corroborou a festança. "Foi um verdadeiro Carnaval", disse, segundo o livro "César Lattes", de Cássio Leite Vieira, publicado pelo CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas).
De certa forma, em meio aos jogos de verbas e poder, a imagem de Lattes acabou sendo usada, afirma Antonio Augusto Passos Videira, professor de filosofia da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), pesquisador-colaborador do CBPF e estudioso dos arquivos de Lattes.
Com o sucesso da descoberta no acelerador americano e a exposição midiática, o responsável pelo acelerador, Ernest Lawrence, fez um Carnaval próprio e conseguiu enormes verbas para um novo acelerador de partículas. Neste, foram descobertas as antipartículas, que também renderam um Nobel.
O prestígio virou um poder de Lattes. Com o que tinha ajudado a demonstrar, ele poderia escolher em qual local no mundo conduziria suas pe
squisas, diz Moreira. Escolheu voltar ao Brasil.
Em uma reportagem na revista O Cruzeiro, em maio de 1948, quando ainda estava nos EUA, o jovem físico já citava planos para o desenvolvimento científico nacional.
"Quando voltar, pretendo trabalhar em física nuclear. Não há ainda condições materiais para se fazer isso bem, mas em compensação há um grupo de jovens animados de grande entusiasmo que, procurando vencer as mais incríveis dificuldades, está fazendo o possível para formar no país um ambiente propício à pesquisa científica. Pretendo juntar os meus esforços aos deles para tentar fazer alguma coisa no Brasil", disse Lattes à revista, praticamente prevendo os seus próximos anos.
Já no Rio de Janeiro, em 1949, Lattes e outros jovens animados, como Elisa Frota-Pessoa, Jayme Tiomno, Joaquim Costa Ribeiro, Leopoldo Nachbin, José Leite Lopes e Maurício Peixoto, fundaram o CBPF.
A ideia, segundo Ildeu Moreira, que também pesquisa história da ciência, era criar algo semelhante ao que viam nos EUA e na Europa, ou seja, com melhores condições para desenvolvimento de pesquisa.
"Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Se a realidade correspondeu ao nome, não interessa, mas os caras bancaram o nome que é Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, ou seja, eles querem ter uma dimensão nacional", diz Antonio Videira..
A imagem de Lattes teve um peso positivo para a criação do centro, que, inicialmente era privado, mas também recebia recursos públicos.
Aqueles jovens eram ambiciosos e com muita autoconfiança, afirma Videira, que cita um trecho de uma carta que Lattes enviou para Leite em 12 de agosto de 1946.
"O Lattes diz assim: 'A satisfação humana que a gente sente ao verificar que está sendo útil para que outros também tenham a oportunidade de pesquisar é muito melhor do que a que se obtém de uma pesquisa feita sob ótimas condições de trabalho.[...] Além disso, existe aquela coisa idiota que se chama patriotismo. Não sei por que, embora nunca tivesse pensado na mesma, começou a mexer lá por dentro uns tempos atrás. Estou, pois, interessado em voltar logo'."
"É claro que hoje é muito complicado usar essa palavra, mas eu acho que, no caso dessas pessoas, elas eram nacionalistas", diz Videira. "Não é um nacionalismo excludente, é colaborativo. Com um aluno meu chegamos a uma expressão: nacionalismo científico. Não é xenófobo, não é religioso, não é político. É de que forma a ciência pode ajudar a melhorar a condição de vida de uma certa região do globo."
Com um contexto político favorável -já circulavam ideias relacionadas à criação de conselho nacional de pesquisa- e na esteira do CBPF e também da SBPC (nascida em 1948), nasceu o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), hoje central ao se pensar em ciência.
Moreira afirma que a mobilização gerada pelos jovens cientistas e que acabou levando à CNPq também ajudou na formação da Capes, das primeiras agências de fomento federais e de outras instituições. "Foi um momento de mobilização de setores que moveram o governo, e o Lattes era um dos pivôs. O prestígio dele era enorme e isso trouxe uma autoconfiança que a gente era capaz de fazer coisas."
UNICAMP SE TORNA A CASA DE LATTES
No retorno ao Brasil, Lattes passou algum tempo na USP e depois seguiu para a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), no interior paulista, onde se instalou definitivamente.
É lá que estão diversos descendentes científicos, como Carola Dobrigkeit Chinellato. Aluna de Lattes, ela fez doutorado sob sua orientação.
"Se não fosse ele, não sei se eu seria professora na Unicamp", diz a pesquisadora, que acabou se tornando a primeira professora-titular mulher do instituto de física da universidade.
Ela lembra, rindo, de Lattes assistindo às primeiras aulas dela na Unicamp.
"Os alunos curtiam muito, porque ele não deixava eu falar. Toda hora [ele ficava me corrigindo]. Não ficava uma aula didática -coitados dos alunos-, mas eles curtiam e tentavam entender porque ele estava criticando, o que ele estava pedindo. Era um bate-bola muito legal", diz Chinellato. "Eu preparava até a vírgula da aula. Não podia fazer feio."
LATTES CONTESTA E ATACA EINSTEIN
O brasileiro desafiava publicamente a teoria da relatividade e fazia ataques pessoais contra Einstein.
"Mas, no resto, eu acho que ele é uma besta, mau pai, mau marido, sem amigos. Morreu só", disse Lattes, em entrevista ao Jornal do Brasil, em 15 de junho de 1980. "Botava uma meia pela metade, não pagava as contas direito, um excêntrico."
Na mesma página de jornal, o antigo parceiro Jayme Tiomno afirmava que Lattes estava errado.
No mesmo ano, recuou de suas afirmações. Porém, ainda em 2005, voltou a atacar Einstein.
"Einstein, na verdade, é um plagiador", disse Lattes.
ARRASTADO PELA HISTÓRIA
"Fiz o possível. Fui arrastado pela história." Essa é talvez uma das frases mais famosas do físico, morto em 8 de março de 2005, aos 80 anos.
Pelo tamanho do nome que construiu, pode-se dizer que Lattes chegava a ser modesto, como mostra essa famosa frase acima.
Lattes tinha noção histórica de que havia se esforçado, mas que, ao mesmo tempo, estava em um momento propício, diz Moreira, pesquisador da URFJ.
Além da inquestionável competência científica, Lattes conseguiu ver além na questão de cooperações internacionais, como a que seu grupo de pesquisa manteve com cientistas japoneses.
"Não sei o quanto o Lattes refletiu sobre essa frase. Não é todo mundo que é arrastado pela história", diz Videira, da UERJ. "Quem é arrastado é porque tem massa suficiente, tem tamanho suficiente para criar uma resistência. Senão não é arrastado, passa por cima e vai embora. Se você é arrastado, você tem algum peso, alguma relevância."
QUANDO LATTES FOI INDICADO AO NOBEL DE FÍSICA E POR QUEM
1949
Físico Walter Hill (1903-1987)
Físico James H. Bartlett (1904 -2000)
Laureado: Hideki Yukawa
1951
Físico Gleb Vassielievich Wataghin (1899-1986)
Laureados: John Douglas Cockcroft e Ernest Thomas Sinton Walton
1952
Físico Marcel Schein (1902-1960)
Químico Leopold Ruzicka (1887-1976)
Laureados: Felix Bloch e Edward Mills Purcell
1953
Ruzicka
Laureado: Frits Zernike
1954
Ruzicka
Laureados: Max Born e Walther Bothe
Fonte: Prêmio Nobel