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'A comunicação era de via única'

'A propaganda perdeu o monopólio da comunicação', diz presidente da ESPM

Daniele Madureira - Folhapress
18 out 2021 às 10:30

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- Pixabay
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"A finalidade precípua da propaganda é vender. Se a publicidade não vende aquilo que anuncia, estará pecando pela base. É como o cirurgião que exibe uma técnica operatória magistral, mas mata o paciente."


"Mas uma coisa é vender destruindo princípios, infringindo as leis, deteriorando o gosto artístico do povo, e outra é vender constituindo bons hábitos, incentivando a cultura geral, elevando e embelezando a vida".

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A defesa do papel da propaganda consta de artigo publicado em abril de 1952 na revista Publicidade e Negócios, assinado por Rodolfo Lima Martensen, radialista e publicitário que foi um dos idealizadores da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).

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No Brasil pós-guerra, a classe média urbana começava a se formar, enquanto grandes multinacionais traziam profissionais experientes para introduzir técnicas modernas de mercado e vendas, que mais tarde viriam a se tornar o marketing.

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Era preciso melhorar a qualidade dos anúncios e Pietro Maria Bardi, diretor do Masp (Museu de 

Arte de São Paulo), pediu a Martensen para organizar um curso de arte publicitária no museu, que já oferecia aulas de gravura, tecelagem, desenho comercial, música, jardinagem e bailado.

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Nascia em 27 de outubro de 1951 a ESPM, então sem o "M": era a Escola de Propaganda do Museu de Arte de São Paulo.


Setenta anos depois, a instituição acompanha mais uma mudança na sociedade e passa a oferecer o curso de direito com foco na indústria criativa, a fim de lidar com questões que vão desde a privacidade nas redes sociais ao controle da propriedade intelectual, passando pelo direito ao esquecimento (quando alguém deseja que determinado fato da sua vida não seja exposto).

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O setor tem se tornado cada vez mais complexo a partir do advento da internet e das mídias digitais, afirma Dalton Pastore, um dos mais renomados publicitários do país, que hoje preside a ESPM.


"A própria OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] criou uma comissão especial de liberdade de expressão, que começou a se defrontar com diversos temas sobre os quais ainda não havia um posicionamento da Justiça", diz.

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Segundo Pastore, o novo curso vai abordar muito mais do que direito digital. "São os direitos de uma sociedade conectada".


No mundo das fake news e do pós-verdade - quando fatos são distorcidos para se apelar à emoção -, a indústria da comunicação perdeu o monopólio da voz, diz.

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"Antes, a publicidade falava e o consumidor ouvia, o jornal publicava e o leitor apenas lia, mas agora o consumidor também é uma mídia, dissemina informação", afirma o publicitário.


O nível de participação é muito maior, as pessoas têm opinião própria, isso é muito legal, diz. "Mas, infelizmente, o mundo vive hoje um momento de debate político ideologizado, que destrói esse processo."

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Pergunta - Por que uma escola de propaganda e marketing vai ensinar direito?


Dalton Pastore - Desde 1951, o objetivo dos fundadores da ESPM foi implantar no Brasil um centro de excelência global em propaganda, um negócio que estava se desenvolvendo no mundo todo. Mas elas perceberam que, para que a propaganda tivesse sucesso, era preciso gente que soubesse fazer marketing [todo o processo que envolve a venda de um produto, do qual a propaganda é só uma parte]. Aí a escola passou a ser de propaganda e marketing.


Depois, perceberam a necessidade de formar gente que soubesse fazer investimentos de longo prazo nos negócios, visando o seu crescimento, e assim nasceu a escola de administração. Da mesma maneira, houve a necessidade de desenvolver o curso de ciências sociais e do consumo, relações internacionais, design visual, sistemas de informação e todos os outros que a ESPM oferece hoje.


Mas o setor tem muita dificuldade em encontrar advogados que entendam do negócio da mídia, de direitos do consumidor, ao mesmo tempo em que ganham relevância questões como o direito nas redes sociais, a propriedade intelectual frente à inteligência artificial, o direito ao esquecimento.


Esses temas vinham sendo discutidos em uma comissão especial de liberdade de expressão da OAB, da qual eu fiz parte. Vimos a necessidade de a escola se aprofundar nesta seara, ainda não atendida pelas escolas de direito tradicionais. É mais do que direito digital, é o direito de uma sociedade conectada.


Quais serão os diferenciais do curso de direito da ESPM?


DP - Ele tem três grandes blocos: o principal, que concentra grande parte da carga horária, é o direito clássico, que envolve criminal, civil, contencioso, trabalhista, constitucional. Depois tem o bloco com o DNA da ESPM: marketing, negócios, tecnologia e o pacote de LifeLab [disciplinas complementares comportamentais, como liderança]. O terceiro bloco é o digital: temas como sociedade conectada, redes sociais, proteção de dados e propriedade intelectual.


O curso tem a maior carga horária entre os cursos de direito no Brasil, cerca de 5,3 mil horas. No geral, os cursos giram em torno de 4,4 mil horas.


A mensalidade também é uma das mais altas, em torno de R$ 6.000. Por ser muito dirigido, vamos começar com um número pequeno de vagas, menos de 200 por ano.


Os cursos costumam ter um escritório de práticas jurídicas a partir do quinto semestre. Nós queremos começar já no primeiro semestre. A ESPM tem muito a cultura de mão na massa, de aprender fazendo, nosso lema é "ensina quem faz". Será um escritório para atender a comunidade carente, com um grande escritório de advocacia por trás, apadrinhando o trabalho.


Vivemos no mundo do pós-verdade, das fake news, de certa dependência das redes sociais, inclusive para os negócios. Qual o papel da propaganda neste contexto?


DP - O papel mais básico da publicidade é o de movimentar a economia, gerando consumo, preferências, incentivando a competição. Se eu anuncio um produto melhor ou mais barato que o do meu concorrente por meio da publicidade, forço o meu rival a se mexer também. Isso não mudou.


A mudança dramática que a propaganda enfrenta –neste caso, a indústria da comunicação como um todo, incluindo o jornalismo– é ter perdido o monopólio da comunicação.


A gente tinha a voz definitiva. Eu era publicitário, eu falava e os consumidores ouviam. Você, jornalista, escrevia reportagens que os leitores liam. Na TV, a gente fazia vídeos, os telespectadores assistiam. No rádio, os seus ouvintes te ouviam. Agora o consumidor de produtos e informações passa a falar de volta, a escrever de volta, a filmar de volta, a gravar de volta. Isso provoca uma revolução inédita, de uma amplitude inimaginável, é uma quebra de monopólio.


Um leitor que consome sua mídia também é mídia. Para ele, a sua mídia não tem mais a importância que tinha antes, é outra mídia.


Como isso transforma a indústria da comunicação?


DP - Em uma indústria organizada da comunicação, um jornal que publicasse uma notícia falsa estava com os dias contados.


Quem veiculasse uma publicidade enganosa seria dizimado pelo mercado, se o Conar [Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária] não acabasse com a peça antes. Se alguém fizesse um comercial de má qualidade, prejudicava a página da Folha de S.Paulo, o comercial da Rede Globo, e seria penalizado.


Hoje você tem a publicidade feita por qualquer um, de qualquer jeito, em qualquer mídia. A mídia social tem um padrão de qualidade que é mínimo, inaceitável em outros setores. Você está assistindo a um vídeo na internet e, de repente, entra um comercial indesejado, intrusivo, agressivo, mal-educado.


O pessoal da publicidade nunca aceitaria isso, obviamente. Mas, na mídia social hoje, tudo pode. Por enquanto, pode. Acredito que isso vai mudar, a partir do amadurecimento do meio.


Outro dia perdi o sono. Não quis incomodar minha mulher, fiquei lendo um jornal americano no celular. De repente, do nada, entra um comercial no meio, com um cara gritando. Minha mulher quase morreu de susto. Fiquei pensando: imagina a publicidade tradicional fazer isso? Nunca!


Tem algum ponto positivo nas novas mídias usadas hoje?


DP - A questão é: positivo para quem? Para a agência de publicidade, era bom do jeito que era antes, a comunicação era de via única. Mas a gente só deve olhar para trás para aprender o futuro. Porque nada volta, nem nunca voltará. O mundo, a humanidade só andam para frente. Pode escorregar, cair, pegar o lado errado. Mas voltar, não volta.


Hoje existe um nível de envolvimento, de participação das pessoas, que não existia antes. As pessoas debatem, discordam na rede social, elas têm opinião própria. Ninguém precisa ficar esperando o editorial do jornal no dia seguinte para ter opinião.


Eu sou seu amigo, você é minha amiga, nós discutimos e montamos uma opinião diferente. Isso é muito legal –você vê o debate vivo nos comentários das notícias na internet, as curtidas. Claro que, infelizmente, o momento é de um debate político ideologizado, que destrói esse processo. Isso é muito negativo.


Quais os desafios da propaganda neste novo mundo?


DP - A função básica da publicidade é vender tênis para quem quer comprar tênis, por exemplo. É algo importante, mas um tanto óbvio. Mas a publicidade tem algo mais legal, mais sutil, que é vender cruzeiro para quem nunca pensou em fazer cruzeiro. É quando o consumidor vê um anúncio e pensa: 'Caramba, que legal fazer um cruzeiro! Vou ver como funciona'.


Esta é a beleza da publicidade: te levar para outro mundo, para outro desejo, outro estágio. Não vou simplesmente anunciar ração de cachorro para quem tem cachorro. Mas vou anunciar a ideia de ter cachorro para quem não tem cachorro. Isso não tem algoritmo que faça.


Qual a sua mensagem para estudantes de propaganda e marketing?


DP - Quando criei as campanhas que criei, o cenário era muito simples. Hoje o cenário é de uma complexidade inimaginável para a minha geração. Você tem milhões de mídias, tem logística virando ferramenta de marketing. Imagine só? Você tem os produtos A e B. Os dois custam a mesma coisa. Você tem certa preferência pelo A. Mas, para conseguir o A, você tem que rodar cinco quilômetros e enfrentar meia hora de trânsito. O B será entregue daqui a pouco. O que você prefere?


Digo para os estudantes que, neste cenário, eu estaria totalmente perdido. Mas eles não, eles vão criar este cenário. Da mesma maneira que eu, quando entrei em publicidade, no início dos anos 1970. Eu era redator em uma época em que ainda havia uma dependência muito grande do texto nas peças publicitárias. Mas a TV estava crescendo, enquanto muitos redatores não dominavam a linguagem da televisão. Eles tinham um texto espetacular, maravilhoso, mas as pessoas já não estavam a fim de pegar uma revista e ler uma lauda e meia. Eu, um garoto em início de carreira, tirei de letra a linguagem da televisão.


Agora é a mesma coisa. Tudo anda para frente. Hoje para ser publicitário você tem que saber matemática, estatística, entender algoritmo, interpretar dados. Essa molecada dá um baile em toda a minha geração.


A genialidade deixou de existir ou mudou de patamar? Agora, em vez de transformar uma lauda e meia em um slogan, é preciso adaptar a comunicação aos caminhos do algoritmo?


DP - A genialidade tinha um espaço mais óbvio de aplicação. Mas ela nunca deixou de existir, nem vai. Tivemos alguns publicitários com um nível de genialidade incrível. O Claudio Carillo, por exemplo [sócio de Dalton Pastore na agência Carillo Pastore Euro RSCG]. O cliente ainda estava passando o briefing [informações para direcionar a campanha] e ele já dizia: 'Ah, vamos falar assim'. E eu: 'Para, Claudio, não fala! O cliente vai ficar achando que é muito fácil, você dá o slogan em 10 minutos. Ele não vai querer pagar!' (risos).


A diferença é que o consumo disso tudo ficou muito mais rápido e, ao mesmo tempo, menos duradouro. A gente fazia uma campanha que durava anos. Algumas duraram décadas –o "Faz um 21", da Embratel, durou dez anos, o "Lugar de gente feliz", do Pão de Açúcar, ou ainda a campanha "Tio Sukita", do refrigerante da Ambev, para dar exemplos da minha agência.


Hoje em dia é tudo muito mais rápido e efêmero. Inclusive os chamados influenciadores. É um super influenciador hoje, e daqui a dois meses não é ninguém.


RAIO-X


Dalton Pastore, 70, é presidente da ESPM desde janeiro de 2017. Foi membro do conselho deliberativo da instituição por oito anos. Atuou na Ogilvy por 15 anos, chegando à presidência da agência americana no Brasil. Foi diretor geral de publicidade da editora Abril e da editora Primavera, também do Grupo Abril, na Argentina. Em 1995, fundou a Carillo Pastore Euro RSCG, uma das maiores agências de publicidade do país.

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