Embora não seja uma situação recente, a violência política ganhou novos contornos com o crescimento das redes sociais e o maior acesso à internet, o que possibilita também ataques virtuais.
A prática, que consiste em restringir, limitar ou impedir a participação política, pode ser direcionada a qualquer pessoa ou grupo social, mas tem afetado as mulheres com mais ênfase e vem sendo mais um dos desafios para o aumento da presença feminina na política.
Leia mais:
PF fará reconstituição das explosões na praça dos Três Poderes e Câmara dos Deputados
PEC 6x1 ainda não foi debatida no núcleo do governo, afirma ministro
PEC que propõe fim da escala de trabalho 6x1 alcança número necessário de assinaturas, diz Hilton
Falta de Ozempic em farmácias leva pacientes à busca por alternativas
Neste ano, teremos a primeira eleição após a sanção da lei de combate à violência política contra as mulheres. Entre as ações previstas no texto, estão a criminalização de abusos e a determinação de que o enfrentamento a esse tipo de violência faça parte dos estatutos partidários.
Mas o que é a violência política e por que atinge mais as mulheres?
O homicídio por motivos políticos é um caso de violência direta e mais explícita.
Contudo, a violência política também se manifesta de maneira difusa, na forma de silenciamentos, subfinanciamento nas campanhas eleitorais, boicote na participação partidária ou em comissões parlamentares, deslegitimação de opiniões, assédio moral e sexual e ataques preconceituosos na internet.
Embora o objetivo da violência política no abstrato seja impedir a participação de determinado indivíduo ou grupo, este tipo de prática é influenciado pelo machismo existente nos diversos aspectos da sociedade.
Exercer menos cargos de poder do que homens e conseguir menor participação política são alguns dos fatores que acabam deixando as mulheres mais expostas a esse tipo de violência.
"Mulheres e homens que sofrem violência política não passam por este fenômeno sem que as hierarquias de gênero sejam consideradas", afirma Danusa Marques, professora e diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.
"É importante ressaltar que as camadas de desvantagens sociais afetam de forma combinada a chance de uma pessoa ou grupo ser vítima de violência política. Por isso, falamos de violência política de gênero, de violência política racial, de violência política LGBTIfóbica", diz.
Segundo ela, o objetivo da violência política contra as mulheres é exatamente impedir a participação feminina. "Por isso, é operada para minar todos os aspectos que possam contribuir para o engajamento político das mulheres."
Isso ocorre para que elas "sejam obrigadas a desistir de ocupar posições de poder".
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Justiça de Saia, entre outubro e novembro de 2021, mostra que mais da metade das entrevistadas (51%) –eleitoras, candidatas ou mulheres no exercício do mandato– já foi vítima de comentários ou manifestações preconceituosas ou discriminatórias. O levantamento compilou 1.194 respostas para o mapeamento.
Um outro levantamento, este realizado pelo Instituto Marielle Franco, divulgado no fim de 2020, identificou que 8 em cada 10 mulheres negras que concorreram às eleições daquele ano sofreram violência virtual, como o recebimento de mensagens machistas e racistas e invasões durante lives das quais participaram. Foram ouvidas 142 mulheres negras de 16 partidos e de 93 municípios de todo o país.
"As redes sociais não inauguram o problema da violência política, mas tudo o que é terrível tem se tornado pior. Elas são catalisadoras de violência política por causa da arquitetura atual da internet", avalia Danusa Marques.
Segundo ela, a forma como foram desenvolvidas essas redes sociais promoveu formas muito intensas de propagação de discursos de ódio, ataques e ameaças baseadas nas hierarquias de gênero.
Flávia Rios, professora da UFF (Universidade Federal Fluminense), pondera que, embora as redes sociais facilitem a violência política, elas também ajudam a jogar luz em casos antes invisibilizados.
"As redes sociais se tornaram uma importante ferramenta para a denúncia de agressões e violações de direitos de grupos minoritários", diz a pesquisadora, em resposta enviada à reportagem em parceria com Huri Paz, pesquisador do Afro-Cebrap.
Flávia afirma que os recentes avanços em igualdade de representação nos espaços da política no Brasil de grupos que antes não conseguiam acessar os locais de poder geraram grande resistência. Isso porque, segundo ela, parte de algumas correntes políticas não tolera a autonomia dessas pessoas.
"Essas representações políticas se tornaram ameaças ao poder tradicional", argumenta.
"Elas ameaçam o patriarcado, hierarquias de gênero e as estruturas coloniais persistentes na sociedade. Em minoria na representação política do Brasil, as mulheres têm sido o alvo fácil e preferido destes ataques."
Embora seja comum casos de assédio, falta de financiamento e ataques virtuais contra mulheres, Flávia diz que a violência letal é maior entre os homens na política, como mostra o estudo "Assassinatos de Políticos no Rio de Janeiro (1988-2020)", realizado por ela e por Paz.
"Identificamos que, entre as mulheres, as que mais sofreram violência letal nas décadas analisadas foram as mulheres negras. O que é algo alarmante porque essas são minorias na política institucional", afirma.
Neste sentido, a lei 14.192, sancionada em agosto de 2021, que entra em funcionamento pela primeira vez na eleição deste ano e busca proteger as mulheres contra a violência política, pode ser vista como um avanço, na avaliação de Flávia Rios.
"É interessante que a lei possua um agravante para atos cometidos com desprezo à raça, cor ou etnia. Entretanto, falta a menção a mulheres trans, por exemplo, que têm sido constantemente atacadas por sua condição de gênero e sexualidade e que, através desta lei, continuam sem proteção."
Ela cita ser importante também que exista mais proteção por parte dos partidos e pede a criação de condições para que a presença das mulheres seja rotineira na esfera do poder.
Danusa Marques vai na mesma linha e considera que a lei que pune violência política contra mulher é positiva, mas apenas um primeiro passo.
"Ela é importante, mas precisamos também de um conjunto integrado de políticas para o combate à violência política de gênero."
De acordo com a professora da UNB, o combate à violência política contra as mulheres deve passar por incentivos a boas práticas, além de um sistema que monitore e permita a punição em caso de violações.
"É preciso promover o debate, a visibilização do problema, pensar coletivamente formas de evitar a violência política dentro dos partidos, nas instituições do Estado, nas instituições sociais, na mídia. Em resumo, precisamos de espaços coletivos de monitoramento e práticas de incentivo à igualdade política."