Um protocolo com objetivo de orientar as polícias para atuação em casos de homotransfobia será lançado nesta quinta-feira (3). As diretrizes vão desde a abordagem até o registro de ocorrências e o acolhimento das vítimas. No país, só o Distrito Federal tem um regulamento do tipo.
O documento foi elaborado pela Clínica de Políticas de Diversidade da FGV (Fundação Getulio Vargas) Direito de São Paulo, em parceria com a Renosp-LGBT (policiais LGBTs), a ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos) e a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).
Desde junho de 2019, homofobia e transfobia são enquadrados como crimes de racismo. O STF (Supremo Tribunal Federal) considerou que houve omissão legislativa a respeito do tema e determinou que os crimes fossem equiparados até que seja promulgada uma lei específica para criminalização desta conduta pelo Congresso Nacional.
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Além disso, a Corte determinou que, em casos de homicídio doloso, a identificação de LGBTfobia deve ser considerada circunstância qualificadora do crime, por configurar motivo torpe.
O comportamento LGBTfóbico é aquele que hostiliza, rejeita, discrimina, age com ódio ou violência contra gays, lésbicas, bisexuais, travestis e transexuais.
É enumerando essa série de terminologias que o protocolo começa. Já que, se elas forem entendidas, podem evitar que os agentes violentem ainda mais as vítimas. Um exemplo é a diferença entre sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual (veja a lista completa abaixo).
O protocolo prevê, que, em uma situação de abordagem, caso haja o uso de vestimentas e acessórios femininos, o policial precisa se referir a travestis e mulheres transsexuais com termos femininos.
Comentários ofensivos quanto ao nome, uso de palavras pejorativas e piadas que possam constranger não são permitidos.
Travestis e transexuais, mesmo sem o nome alterado no registro civil, possuem o direito de serem chamados pelos seus nomes sociais. Em relação à pessoa transgênero, o mais adequado é evitar perguntas a respeito da realização ou não de cirurgias de mudança de sexo.
Em travestis e mulheres transexuais, a busca pessoal deve ser feita por uma profissional de segurança mulher. Em homens transexuais, o abordado deve ser consultado sobre a forma de revista mais adequada. A revista de pertences também deve ser realizada de forma discreta.
Ainda segundo o protocolo, quando uma pessoa LGBTQIA+ for à delegacia fazer uma denúncia, o policial deve mostrar interesse na ocorrência e incentiva-la a proceder com o registro.
O agente não deve repetir o nome de registro da pessoa em voz alta caso seja diferente de seu nome social –é recomendado que a delegacia utilize um modelo padrão com campo específico de registro referente à identidade de gênero, orientação sexual, nome social, motivação LGBTfóbica, faixa etária, raça/cor e outros.
É fundamental promover um atendimento humanizado, considerando a palavra da vítima, em um ambiente que assegure a privacidade do depoimento, e sem julgamentos.
A partir da análise de cada caso, o policial poderá encaminhar a vítima para ser acolhida por outros serviços como centros de referência, assistência social e saúde.
Já quando a pessoa LGBTQIA+ for levada à delegacia como suspeita por um crime, a revista íntima jamais pode ser vexatória ou abusiva, deve priorizar o scanner corporal ou ser feita por policial do mesmo gênero, observado o gênero autodeclarado em detrimento do biológico.
Em caso de ocorrências com pessoas transgênero, ela deve ser detida provisoriamente na delegacia apenas em cela individual. Caso não haja, o recolhimento deve ser providenciado pela Divisão de Controle e Custódia de Presos.
Para Anderson Cavichioli, delegado de Polícia Civil e presidente da Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBTI+, a desconfiança das pessoas desse grupo em relação à atividade policial é histórica e explica os elevados índices de subnotificação das violências que as acometem.
"As polícias, como a concretização do uso monopolizado da força pelo Estado, sempre foram usadas para a perseguição dessa parcela da população", escreveu ele, que vê pouca efetividade na aplicação da decisão do STF, mais de um ano depois do julgamento.
Em 2020, pela primeira vez, o Atlas da Violência compilou números sobre a população LGBTQI+, que costumam ser escassos. Vários estados sequer produzem dados do tipo.
Segundo o Disque 100, o sistema de denúncias do governo federal, em 2018 foram feitas 1.685 queixas de violência contra essa população. Também foram registradas 138 denúncias de homicídio e 49 de tentativa de homicídio pelo telefone.
Nos dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), os pesquisadores viram uma tendência de redução dos homicídios deste grupo na transição de 2017 para 2018 –seguindo a tendência de queda dos homicídios no país.
Por outro lado, houve aumento de 19,8% nos casos de violência contra os LGBTQI+ no mesmo período. Cresceu em 10,9% a violência física, em 7,4% a psicológica e em 76,8% outros tipos de violência, como a sexual. Houve queda de 7,6% nos registros de tortura.
"Temos que ver esse número como a ponta do iceberg. Os dados são só uma parte, o que a gente consegue olhar", disse à época Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que elabora o estudo junto com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
ENTENDA AS TERMINOLOGIAS
Sexo Biológico: características biológicas ao nascer. A pessoa pode nascer macho, fêmea ou intersexual (quando apresenta traços dos dois outros sexos)
Identidade de Gênero: experiência individual e interna de cada pessoa que pode ou não corresponder ao sexo biológico do nascimento
- cisgênera: quando sua identidade corresponde ao papel social (gênero) atribuído ao sexo biológico com o qual nasceu
- transgênero: quando não se identifica, independentemente do grau, com o gênero atribuído ao seu sexo biológico
- é possível a pessoa se enquadrar com gênero fluído ou agênero (que não se identificam com nenhum)
Orientação sexual: atração física, sexual e afetiva por indivíduos que podem ser de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero
População LGBTQIA+: lésbicas, gays, bissexuais, transgênero, transexuais e travestis, queer, intersexuais, assexuais ou outras identidades de gênero ou orientação sexual não compreendidas pelas letras da sigla
Transexual: pessoa cuja identidade de gênero se difere do sexo biológico com o qual nasceu. Intervenções médicas ou cirúrgicas não são pré-requisito para que essa pessoa seja tratada de acordo com sua identidade de gênero autodeclarada
Travesti: é uma identidade de gênero autônoma, fora do binarismo de gêneros (masculino e feminino). Devem ser tratadas como pertencentes ao gênero feminino
Nome Social: designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida