A última sexta-feira (14) deveria ter sido mais um dia normal de trabalho para fiscais que atuam no combate a festas clandestinas em Franca (a 400 km de São Paulo). Mas não foi.
Ao chegarem a um bar aberto de forma irregular na noite daquele dia, os fiscais foram recebidos por xingamentos de uma pessoa exaltada que tinha uma arma de fogo nas mãos.
Enquanto os casos de internações e mortes provocadas pela Covid-19 crescem, cada vez mais baladas clandestinas frequentadas por jovens principalmente com idades entre 18 e 30 anos e em chácaras têm sido descobertas e interrompidas no interior e no litoral de São Paulo.
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Em geral realizadas em chácaras ou em bairros periféricos, as festas têm em comum aglomerações de mais de 200 pessoas e a inexistência de máscaras ou de medidas para o distanciamento exigido em meio à pandemia.
Somente na última semana foram registrados casos do tipo em cidades como Campinas, Jundiaí e Guarujá.
No caso de Franca, por sorte dos fiscais a arma foi guardada, mas os xingamentos recebidos já fazem parte do cotidiano deles, que só no último final de semana interditaram oito bares e restaurantes e uma festa clandestina.
"Agressão verbal é rotina, sempre acontece. Nossas denúncias têm sido de festas com 200, 300 pessoas, normalmente público jovem, adolescente entre 18 e 30 anos", disse Mariela Toscano, responsável pelas Vigilâncias Sanitária e Ambiental da Secretaria da Saúde de Franca.
Enquanto os jovens fazem festas, a rede pública de saúde enfrenta colapso. Os 59 leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em Franca estão em uso, assim como 60 das 62 vagas em enfermarias.
A Covid-19 já matou 558 pessoas na cidade, num universo de 27.330 casos confirmados. O prefeito Alexandre Ferreira (MDB) anunciou, nesta terça (18), novas restrições, que incluem o fechamento do comércio e dos shoppings e a proibição de atendimento presencial em restaurantes e bares.
Por serem festas normalmente em chácaras, órgãos de fiscalização dependem de denúncias, diferentemente da área urbana, vistoriada com mais facilidade. Mesmo assim, no domingo (16) uma festa com 200 pessoas numa área de lazer foi visitada pela Patrulha Covid, nome dado ao grupo criado pelo prefeito para ampliar as fiscalizações.
"A sensação que temos é que agora está pior em relação ao desrespeito. Em 2020 não estavam tão revoltadas assim, possivelmente porque achavam que a pandemia iria durar um mês ou dois. Chegamos a mais de um ano e tem sido mais difícil. Os negacionistas parecem que estão se tornando ainda mais, principalmente o público jovem. Não temos entendido o motivo de o jovem, que deveria ser mais esclarecido, por ter acesso às informações, ter essa resistência."
Em Pirassununga, as fiscalizações interromperam 13 festas nos nos últimos três meses -entre março do ano passado e fevereiro haviam sido 10, segundo a Secretaria da Segurança Pública.
Dos 7.190 casos confirmados de Covid na cidade, 4.443 são de pessoas com idades entre 20 e 49 anos.
Em Guarujá, a diretoria de força-tarefa que fiscaliza aglomerações e festas clandestinas multou o organizador do "baile do fundão", na Vila Zilda, no último sábado (15).
O evento foi convocado por meio de redes sociais e chegou a ter início, mas foi paralisado pela equipe após o recebimento da denúncia.
As pessoas foram dispersadas, e um comércio local também foi fechado. Uma multa de R$ 22 mil foi aplicada por propagação de som abusivo e por promover evento em discordância a um decreto municipal.
A fiscalização também tem tido trabalho em Barretos, onde 82 festas familiares foram encerradas nos três últimos finais de semana. Além disso, houve interdição de um estabelecimento, e 3 eventos clandestinos foram autuados.
Entre os 49 internados na UTI do Hospital Nossa Senhora nesta quarta (19), incluindo pacientes da região, havia 17 com menos de 50 anos. Dos 10 pacientes no AME, 4 também estão abaixo dessa faixa etária.
Em Suzano, 157 jovens estavam numa festa clandestina de música eletrônica regada a drogas e com aglomeração na madrugada de domingo. A festa rolava solta numa chácara no Jardim da Saúde quando policiais, guardas municipais e agentes da Vigilância Sanitária e do Procon chegaram e encontraram 140 comprimidos de ecstasy, 107 porções de cocaína, 37 frascos de lança-perfume e 23 unidades de LSD. A polícia disse que 78 participantes não usavam máscaras.
Para conta do problema, a Prefeitura de Campinas iniciou na segunda-feira (17) a aplicação de multas a donos de imóveis onde ocorrem festas clandestinas com finalidade comercial, além de organizadores e frequentadores.
Quem ceder o imóvel será multado em R$ 18,9 mil, mesmo valor aplicado ao organizador. Cada frequentador pagará multa de R$ 1,1 mil.
"A lei estabelece como festa clandestina qualquer evento de entretenimento não autorizado pela prefeitura onde haja cobrança pela participação ou comercialização de bebidas e alimentos", diz a administração.
Sábado, 200 pessoas sem máscaras foram flagradas pela Guarda Municipal em num bar no Parque Itajaí.
Em Jundiaí, na madrugada de domingo, uma festa que cobrava ingresso e tinha shows com mais de 200 pessoas foi interrompida pela fiscalização, na região da avenida Jundiaí. No mesmo dia, à noite, uma aglomeração com 100 pessoas foi dispersada no bairro Malota.
Duas festas clandestinas também foram interrompidas no final de semana em São José dos Campos, numa chácara na Vila São Bento e no Bairrinho.
Em Araraquara, festas clandestinas e até mesmo jogos de futebol com aglomerações têm sido alvo da fiscalização da prefeitura.
Apenas nos últimos três finais de semana, foram fiscalizadas cerca de 150 residências, áreas de lazer, chácaras, bares, restaurantes e campos de futebol na cidade.
Uma área próxima ao residencial Monte Carlos abrigaria uma festa clandestina que estava sendo convocada por redes sociais e foi barrada pela Guarda Municipal e Polícia Militar. No mesmo local, uma festa já havia sido interrompida uma semana antes.
A cidade teve de adotar lockdown em fevereiro por conta da explosão de casos e mortes provocadas pelo coronavírus, sobretudo em jovens. Seis em cada dez casos da doença nos últimos meses atingiram pessoas de 20 a 49 anos.
A prefeitura criou uma gratificação que pode chegar a R$ 1.216 por mês para incentivar fiscais a combaterem a pandemia.
Há uma tabela de pontuação para cada tipo de irregularidade: fiscalização vale 1, aglomeração rende 1,5 ponto e surpreender pessoa sem máscara nas ruas vale 2 pontos. Se chegar a 1.216 no mês, ele terá R$ 1.216 a mais no salário.
"O objetivo é estimular o fiscal a fiscalizar as festas clandestinas, locais em que há maior concentração de pessoas, pois são ambientes mais favoráveis à proliferação da doença", disse o secretário de Segurança Pública, João Alberto Nogueira Júnior.