O crescimento rápido nem sempre é benéfico para o bom funcionamento de um negócio. Mesmo com um faturamento maior, o empreendedor pode lucrar menos se não se preparar para que a alta nas vendas seja sustentável.
O consultor de vendas do Sebrae de São Paulo, Felipe Chiconato, explica que já viu casos do crescimento repentino e sem planejamento de uma empresa levar ao seu fim: "A pessoa mais que dobrou o faturamento de um mês para o outro, e aí foi antecipando recebíveis e endividando o empreendimento, achando que continuaria crescendo."
Para ele, além da preparação, que passa por ter um plano de negócio e uma boa gestão, falta a muitos donos de pequenas empresas, especialmente aqueles que empreendem por necessidade, enxergar seu negócio como uma empresa de verdade. "Tem gente que fatura mais de R$ 70 mil por mês e fala pra mim 'aquele meu negocinho'", conta.
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Foi a necessidade que fez o casal Jully Fagundes, 28, e Bruno Silva, 24, empreender no ano passado. Com a pandemia, Bruno perdeu o emprego de chef de cozinha num restaurante do Itaim Bibi (zona oeste de São Paulo), e Jenny, manicure, viu o número de clientes minguar.
Eles abriram, então, no mesmo imóvel onde moravam, no Grajaú, zona sul de São Paulo, a hamburgueria Bru's Burger. Só que o plano deu muito mais certo do que o esperado e os dois se viram desesperados para conseguir administrar a lanchonete.
O sucesso repentino fez com que eles não conseguissem mais tocar o empreendimento sozinhos. "Ficou inviável, e a gente não podia pagar outras pessoas. O jeito foi apelar para os irmãos do Bruno, minha mãe etc. Eles nos ajudaram bastante", relembra Jenny.
Além disso, como eram empreendedores iniciantes, cometeram erros de gestão, como explica Jully: "no começo, não sabíamos precificar bem, o que fazia com que, mesmo vendendo muito mais do que o esperado, não lucrássemos tanto", relembra ela. O problema não foi resolvido: casal ainda estuda como aumentar preços sem assustar seus clientes.
Mas Jully e Bruno procuraram ajuda para profissionalizar o negócio e agora têm uma ideia de onde querem chegar e do que precisam fazer para crescer de forma sustentável.
"Hoje a gente se vê como empresa, não como um sonho que podia ou não dar certo. Estamos organizando a parte administrativa. Ainda estamos um pouco perdidos porque tudo aconteceu rápido, mas temos uma meta. Sabemos como queremos estar em um ano", diz a empresária.
A Bru's Burger tem nove funcionários e vende cerca de 900 lanches por semana. O faturamento gira em torno de R$ 50 mil por mês.
Outra empresa que cresceu sem aumentar o lucro foi a ABM Gesso, que tem duas lojas na zona sul de São Paulo.
A companhia foi fundada em 2011 por Simonia Mário Moreira, 47, e seu marido, Antonio Macedo, 54. Em 2013, o negócio começou a crescer e eles abriram outra loja, mas isso não significou um incremento nos rendimentos.
"OK, eu reinvestia muito no negócio, mas eu pensava: 'A empresa cresce 30%, 40%, e eu não tenho dinheiro? Cadê meu dinheiro?".
Simonia e o marido, que não tinham experiência anterior em gestão –ela ex-funcionária de cartório e ele gesseiro– descobriram então alguns gargalos da companhia.
"Talvez eu tenha me perdido um pouco no sentido de contratar mais gente que o necessário conforme o negócio crescia", afirma Simonia.
Após ajuda do Sebrae, ela viu que precisava de menos vendedores e ajudantes. Tinha 12 funcionários e manteve 8 na reestruturação.
Além disso, também aprendeu a organizar o estoque. "Eu comprava muito. Agora tenho um controle desse gasto", diz.
Com as mudanças, os resultados começaram a aparecer em 2016. "Foi quando deu lucro de fato, quando tive o retorno." O crescimento sustentável permitiu a compra de, entre outras coisas, um novo caminhão para a empresa.
Entre 2019 e 2020, a ABM também expandiu a lista dos produtos vendidos e não trabalha mais só com gesso. É agora uma loja de construção civil completa, que manteve a quantidade de vendas inclusive durante a pandemia.
A companhia segue com oito funcionários e fatura cerca de R$ 320 mil mensalmente.
Além dos gastos com pessoal e do cuidado com o estoque, o professor e coordenador da pós-graduação do Insper, David Kallás, chama a atenção para outro fator que pode tornar o sucesso, ou suposto sucesso, prejudicial: a empolgação com um crescimento não orgânico.
"É preciso descobrir por que o negócio cresceu tanto e de onde veio o aumento da demanda. O empresário tem de saber se isso se deve a alguma eventualidade ou se o crescimento é orgânico. Para fazer grandes investimentos, tem de ter a perspectiva de sustentar o patamar alto."
Como exemplo de eventualidade, ele relembra modismos dos últimos anos, como as paleterias. A moda se foi e levou junto muitas empresas.
Fernando Paixão, 36, dono da Best Mármores, busca exatamente crescer de forma consolidada. A empresa, que fica em Interlagos (zona sul de São Paulo) e começou pequena, em 2012, dobrou de tamanho no último ano. Hoje fatura cerca de R$ 500 mil por mês e tem 15 funcionários.
"Isso tem a ver com uma mudança no perfil da loja. Investi em maquinário, treinamento de funcionários e até fiz um showroom, o que é incomum nesse setor. Assim, consegui inclusive mudar meu público alvo, que antes eram as classes C, D e E e hoje são B, C e D."
Fernando mantém os pés no chão apesar dos bons resultados. "Não vou crescer 100% em 2022. Se eu quisesse isso, teria de triplicar a produção. Consumiria muito dinheiro. Não vou dar passo maior que a perna", afirma ele, que almeja crescer, numa previsão conservadora, cerca de 30%.
"É preciso descobrir por que o negócio cresceu tanto e de onde veio o aumento da demanda. O empresário tem de saber se isso se deve a alguma eventualidade ou se o crescimento é orgânico. Para fazer grandes investimentos, tem de ter a perspectiva de sustentar o patamar alto.