O número de crianças brasileiras registradas somente pelas mães cresceu nos últimos sete anos. Os dados são da Arpen (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais), responsável pelos cartórios.
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Em 2016, primeiro ano com números consolidados, 139,7 mil dos 2,9 milhões de nascidos foram registrados sem o nome do pai, ou seja, 5%. Em 2023, foram 173,6 mil dos 2,6 milhões, totalizando 7%.
Nesse intervalo, também houve aumento dos reconhecimentos de paternidade. Eles foram de 14,7 mil em 2016 para 35,4 mil em 2023, uma variação de 141%.
Em casos nos quais todas as partes concordam, o reconhecimento pode ser feito diretamente em cartório. Se não, é necessária intervenção da Justiça.
Os destaques do levantamento são Maranhão e Paraná. No estado nordestino, houve a maior quantidade estadual de crianças registradas por mães solo em 2023: 10 mil. No sulista, o maior aumento percentual de pais aparecendo tardiamente de 2016 a 2023: 78.500%.
Gustavo Kloh, mestre em direito civil pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas), tem algumas teorias para o cenário apresentado. Sobre os reconhecimentos, ele diz serem, principalmente, fruto de um árduo trabalho de órgãos públicos de vários estados.
Em São Paulo, por exemplo, há o programa Encontre Seu Pai Aqui. O objetivo é efetuar investigações de paternidade com o Ministério Público e o Instituto de Medicina Social e de Criminologia, que realiza exames de DNA gratuitamente.
Se confirmado o laço sanguíneo, é feita averbação em registro civil e expedição da nova certidão de nascimento, de forma extrajudicial e gratuita. Segundo a Promotoria, a ação pode iniciar a construção de uma relação familiar saudável e facilitar o pagamento de pensão alimentícia.
"Hoje, mais de 80% dos casos julgados em varas de família pelo país são por falta de pagamento de pensão", afirma Kloh.
O professor ainda põe outro fator importante nesse contexto de reconhecimento de filhos: a paternidade socioafetiva, quando padrastos adotam seus enteados. De acordo com dados disponíveis pelo Datajud (Base Nacional do Poder Judiciário), de 2022 para 2023, o total de novos casos subiu de 4.320 para 5.256 –22% a mais. Neste ano, até abril, foram registradas 1.953 novas ações.
Já os dados sobre mães solo, analisa o especialista, fazem parte de um contexto histórico de machismo estrutural, mas podem ter sido influenciados por um fenômeno recente. "Muitas mulheres têm demonstrado vontade de criar seus filhos sozinhas", observa.
A mãe de Viviane Oliveira, 39, não teve essa opção. Quando engravidou, seu namorado a abandonou. Uma tentativa de aproximação até foi feita, quando a menina nasceu, "mas minha mãe conta que ele me olhou, disse 'essa não é minha filha' e foi embora". Por isso, ela nunca quis conhecer seu genitor.
Sozinha, a família passou muitas dificuldades. Viviane começou a trabalhar na adolescência, formou-se em jornalismo, comprou uma casa para a mãe. A falta de uma figura paterna, porém, era uma cicatriz difícil de curar.
Por isso, ela teve uma ideia: compartilhar sua história para encontrar alívio. Daí, em forma de página no Instagram, surgiu o projeto Filhos Sem Pais. Rapidamente, a iniciativa evoluiu para palestras, depois surgiu um podcast.
"Não existia ninguém nas redes mostrando a visão do filho abandonado, as pessoas tinham curiosidade para me escutar", diz a influenciadora, hoje mãe e muito mais aliviada. "Precisamos falar sobre esse problema e como ela afeta o curso de muitas vidas."
Como reconhecer paternidade biológica e socioafetiva
Nos casos em que iniciativa seja do próprio genitor, basta que ele compareça ao cartório com a cópia da certidão de nascimento do filho, sendo necessária a concordância da mãe ou do próprio filho, caso este seja maior de idade.
Caso o homem não queira reconhecer o filho, a mãe pode fazer a indicação do suposto pai no próprio cartório, que comunicará aos órgãos competentes para ser iniciado o processo de investigação compulsória de paternidade.
Desde 2017, também é possível realizar em cartório o reconhecimento de paternidade socioafetiva, caso haja a concordância da mãe e do pai biológico.
Cabe ao registrador civil, mediante a apresentação de documentos e entrevistas com os envolvidos, atestar a existência do vínculo afetivo mediante apuração objetiva por intermédio da verificação de elementos concretos.