A cada quatro horas uma pessoa negra é morta em ações policiais na Bahia, no Ceará, no Piauí, em Pernambuco, no Rio de Janeiro e em São Paulo. É o que mostra o estudo "Pele alvo: a cor da violência policial", elaborado pela Rede de Observatórios da Segurança e publicado nesta terça-feira (14).
Os estados são seis dos sete que são monitorados pela rede. O sétimo é o Maranhão, onde o governo não acompanha a cor das vítimas da violência, o que para a entidade é "uma outra forma de racismo institucional". As informações são da Agência Brasil.
O trabalho é resultado de dados referentes ao ano de 2020, que foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. Pela segunda vez, a Rede de Observatórios analisa os números das secretarias de segurança dos estados monitorados. A primeira foi no ano passado.
Conforme a pesquisa, mesmo "em um contexto de crise sanitária mundial, o racismo não dá trégua e, pelo contrário, mata ainda mais, tanto por vírus como por tiro". O estudo apontou que, entre as 2.653 mortes provocadas pela polícia, com informação racial nos seis estados da rede, 82,7% delas eram pessoas negras.
O Rio de Janeiro mais uma vez foi o estado com mais mortes de pessoas negras em ações policiais. No caso dos 1.092 mortos que tiveram a cor/raça informada, 939 registros eram de pessoas negras.
Apesar disso, a Bahia novamente apresentou a maior porcentagem de mortes de pessoas negras por agentes do estado, sendo a polícia mais letal do Nordeste.
Pernambuco teve um aumento de 53% de mortes provocadas por ação de agentes do estado, passando de 93% para 97% de pessoas negras entre as vítimas de um ano para o outro.
Nesta edição, a Rede de Observatórios de Segurança, pela primeira vez, apresenta também os números das capitais e constatou que 100% dos mortos pela polícia em Recife, em Fortaleza e em Salvador eram pessoas negras. Em Teresina foram 94% e, no Rio de Janeiro, 90% de negros mortos pelas polícias.
Para a rede, a proporção de negros mortos pela polícia frente à sua proporção na população "é a imagem mais contundente do racismo que estrutura a atividade policial. Em todos os estados, a presença de negros entre os mortos pela polícia é bem maior do que na composição populacional dos estados, mostrando que a morte pela ponta de um fuzil carregado por um policial atinge de maneira desproporcional os negros em relação aos não negros".
De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Santo Antônio de Jesus, na Bahia, é a cidade em que mais pessoas negras morrem em ações policiais no Brasil. Entre os que possuem o maior número de mortos, o estado ocupa a terceira posição (595 mortos).
O Rio de Janeiro aparece em primeiro lugar (939) e, em segundo, São Paulo (488), que é o estado mais populoso do Brasil. A pesquisa mostrou ainda que a polícia da Bahia, entre todos os estados da rede, é a que apresenta o maior percentual de pessoas negras mortas em ações policiais, com 98%, enquanto que na capital Salvador todas as vítimas da polícia são negras.
O estudo indicou que, no Ceará, negros tem sete vezes mais chances de serem mortos do que os não negros. Lá, no percentual da população em geral, 62,3% correspondem a negros, mas entre as vítimas de agentes estatais, pessoas negras atingiram 87,2%.
A rede destacou que a constatação ocorreu mesmo com o estado sendo "um dos que mais acumulam problemas com relação ao acompanhamento da cor das vítimas. São 106 vítimas incolores contra 39 com identificação racial". Na capital Fortaleza, 100% dos mortos pela polícia com identificação racial são negros.
No Maranhão, a rede chamou atenção para a dificuldade em obter resultados no estado por causa da falta de acompanhamento da cor das vítimas de policiais. No entanto, foi possível verificar que o número de pessoas vitimadas por policiais no Maranhão, no total, subiu de 72, em 2019, para 97, em 2020. "A variação entre um ano e outro foi de 35%".
Em Pernambuco, 113 pessoas foram vítimas de ações policiais no estado. Entre elas, 109 eram pessoas negras, três brancas, e em um caso não foi identificada a cor da pele. Em 2019, o total de pessoas mortas pela polícia no estado atingiu 74 casos, dos quais 93% eram negras.
No Piauí, o percentual de vítimas da violência letal da polícia, de pessoas negras, alcançou 91%. Com 94% de letalidade da população negra por atividade policial, a capital Teresina ficou em terceiro lugar entre as monitoradas.
Ainda que permaneça como o estado que mais registra mortes em ações e intervenções das polícias, o Rio de Janeiro anotou 1.245 mortes no ano de 2020, o que representa uma redução de 31% em relação a 2019.
No entanto, "o valor é o terceiro maior registro de toda a série histórica". As pessoas negras são 86% entre os mortos pela polícia. A capital também é a com o maior número total de mortes (415). No município, 90% dos mortos em ações policiais são negros.
Em 2020, São Paulo teve 814 mortos pela polícia. Do total de homicídios, 770 ocorrências tiveram registro de raça das vítimas e em 63,4% dos casos, eram negras.
Outra informação que a pesquisa revelou é que a proporção de pardos (5,4%) e de pretos (29,4%) entre os mortos é quase o dobro do percentual desse mesmo grupo na população paulista.
Já entre os brancos, que representam 64% da população de São Paulo, são 36% entre os mortos pela polícia. Na capital, o percentual de negros mortos pela polícia é de 69%, no entanto, em número de casos, o município (317) só perde para o do Rio de Janeiro (415).
Depois de fazer a produção de dados em cinco estados, a Rede de Observatórios, que é um projeto do CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania), com apoio da Fundação Ford, no segundo semestre deste ano, ampliou o estudo para o Maranhão e o Piauí.
Para isso, se juntaram ao trabalho, a Rede de Estudos Periféricos, da UFMA (Universidade Federal do Maranhão) e do IFMA (Instituto Federal do Maranhão); o Nupec/UFPI (Núcleo de Pesquisas sobre Crianças, Adolescentes e Jovens da Universidade Federal do Piauí) e a INNPD (Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas); além do Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares); do LEV/UFC (Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará) e ao NEV/USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo).