Seja com tules transparentes, que criam uma fina névoa sobre o corpo, ou com tramas de tricô e crochê abertos, de tecido natural pesado, revelar formas e pele --ou ao menos aludir à revelação-- é denominador comum na moda hoje. Não à toa reina a tendência que recebeu o nome de "naked dress", junção das palavras vestido e pelado.
O modelo --uma versão feita de trama prateada de pedrarias da Bottega Veneta-- foi a aposta de Dua Lipa na promoção do filme "Barbie", em julho, antes da greve dos atores em Hollywood. A cantora deixou os seios e a barriga chateadíssima à mostra, e usou uma calcinha clara, também totalmente visível.
Rihanna, outra adepta da tendência, usou sem medo as transparências durante a gravidez de seu segundo bebê, inclusive em versões coladas ao corpo, evidenciando o barrigão.
A análise de Sofia Martellini, previsora de tendências na WGSN, é que a moda nunca esteve tão sensual como hoje e que essa é a linha que define as roupas da década de 2020. "Não só tecidos transparentes, mas temos roupa muito colada no corpo, muito recorte, peças que marcam muito o corpo", diz ela.
É o caso das saias curtíssimas desfiladas pela Miu Miu em outubro de 2021, por exemplo, que foram comparadas a cintos em redes sociais de tão curtas, ou dos shorts curtíssimos da mesma grife, apostas desde as coleções de inverno, e das calcinhas casadas com camadas de tule e usadas sem cerimônia.
Na última leva de semanas de moda, a transparência apareceu em grande parte das coleções, transformando shorts em calças com joelhos a mostra e saias mini em longas.
Mas os tecidos translúcidos são velhos conhecidos da moda. De acordo com João Braga, professor de história de moda da FAAP, a Fundação Armando Alvares Penteado, a cambraia de linho e de algodão, tecido que já dribla a opacidade, existe desde o Egito antigo. "Na Grécia, a ideia de ver a silhueta do corpo por baixo do tecido era padrão estético", conta.
O padrão grego, inclusive, virou febre no século 19 e as mulheres tentavam imitar a transparência e o efeito colado no corpo das esculturas molhando os tecidos. "Lógico que isso gerou uma série de problemas de pneumonia", diz Braga. A moda sempre fez suas vítimas.
O naked dress de hoje não é associado a uma coleção de uma grife específica. Mas a previsora de tendências Martellini diz que celebridades brincam com a tendência em tapetes vermelhos desde antes da pandemia.
Rihanna mesmo ficou célebre por usar um vestido em trama fina de 216.000 cristais Swarovski que deixava seus seios e calcinha totalmente aparentes. Ela compôs o look, usado para uma premiação em 2014, com luvas e um adereço de cabeça também da trama de cristais e um xale de pele.
Kim Kardashian reciclou, no Met Gala de 2022, um dos vestidos naked mais célebres da história: o longo nude cravejado de cristais que Marilyn Monroe usou para cantar parabéns ao então presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, em 1962.
Beyoncé usou o look mais de uma vez em tapetes vermelhos. No after do Oscar organizado por ela e seu marido Jay-Z neste ano, ela usou um vestido feito de trama brilhante, o dela, em bronze, com adesivos em X tampando seus mamilos.
Antes da virada do milênio, o estilo também ganhava força nos corpos de Cher, Kate Moss e Sarah Jessica Parker, que viveu um episódio inteiro de "Sex and the City" como uma Carrie Bradshaw em crise com o look.
A crise da personagem em 1998 ainda diz muito. No episódio "Secret Sex", Carrie usa um minivestido no tom de sua pele para uma sessão de fotos promocionais para sua coluna sobre sexo. Ao final, ela ganha o vestidinho e usa ele para o primeiro encontro oficial com o Mr.Big, seu par romântico na trama. A preocupação é que o vestido ultra sensual tenha afastado as chances de ser levada a sério pelo paquera.
Eram os anos 1990. Hoje,segundo Braga, esse tipo de vestido "aparece com um aspecto de valorização do corpo, mas não de um único padrão de beleza". Ele acrescenta que a transparência tem um papel crucial no erotismo e na sedução --"ela esconde e revela ao mesmo tempo".
Para Braga, existe, ainda, uma associação --polêmica, segundo ela-- da sensualidade feminina com empoderamento. "Existe uma reivindicação do corpo feminino por muitas mulheres e o vestido transparente é uma dessas peças que coloca o corpo à mostra e traz sensualidade." Nos Estados Unidos, críticos de moda associam o fortalecimento da tendência ao movimento MeToo.
No Brasil, segundo Braga, já existe uma predisposição do público a esse tipo de roupa. "A brasileira gosta de mais erotismo nas roupas."
Para Isabel Carli, estilista da marca de lingerie I Like It, que já vestiu personalidades como Luisa Sonza, Urias e Anitta, o fato de a transparência --e até as roupas de baixo-- serem cada vez mais usadas no dia a dia dá recados sobre o papel da mulher na sociedade.
"Já não é mais algo tão chocante, mas já foi proibido. É uma grande conquista para nós, mulheres", diz ela.
André Philipe, o stylist por trás dos looks transparentes de Anitta, concorda. "É uma afirmação do corpo, de expressão e de liberdade", diz. Martellini avalia que o período pós pandêmico ainda ressoa nesse cenário e continuam em voga aquelas roupas que eram descartadas durante o isolamento social: alfaiataria, roupa de festa e itens sensuais.
Braga não descarta, ainda, a importância do aquecimento global na ascensão da pele à mostra, ao que Philipe faz coro. O stylist acredita que o avanço das tecnologias têxteis também tem seu papel.
Segundo Monayna Pinheiro, professora da FAAP e consultora de moda e sustentabilidade, o poliéster, hoje, consegue fazer o papel de todas as fibras. Mas as naturais, como a seda, e as técnicas manuais, como crochê e macramê, dão caráter de inovação no mercado.
A aplicação dos naked dresses no cotidiano, porém, é mais limitada. Para Martellini, é uma moda que tende a aparecer de forma mais comedida no varejo, com vestidos de forro mais curto e camada transparente mais longa. "Não vai ser uma tendência massificada para o dia a dia", diz ela.
Mesmo em uma versão moderada, o impacto se faz sentir. Philipe enxerga que as lojas adotaram alguma variante do look. "Virou tipo um pretinho básico. Não é tão difícil de achar e geralmente a loja tem uma versão", diz ele.