Quase um quarto da população brasileira tem dificuldades para manter uma dieta saudável, com os nutrientes suficientes e balanceados, uma parcela que aumentou durante a pandemia de coronavírus. Além disso, 4% não consomem calorias em quantidade suficiente no país, mostram dois relatórios recentes publicados pela FAO (agência da ONU para agricultura e alimentação).
São quase 50 milhões de brasileiros que comem menos ou pior do que deveriam, num país que é um dos maiores exportadores de alimentos do mundo.
Maior economia da América Latina, o Brasil fica atrás do Chile, do Uruguai e da Costa Rica na porcentagem da população capaz de manter uma dieta adequada.
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O relatório Estado da Comida e da Agricultura em 2021 mostra que, em 2018 (dados mais recentes), 14% da população não tinha recursos para comprar uma dieta saudável –produtos frescos, não ultraprocessados, que preservem a quantidade necessária de nutrientes como vitaminas e proteínas, entre outros– e outros 10% estavam em risco de perder essa capacidade se sua renda se reduzisse em um terço.
Além disso, 2% não eram capazes de obter calorias suficientes e outros 2% deixariam de obtê-las com a mesma redução em seus rendimentos.
Na pandemia, porém, a perda de renda da população brasileira foi mais expressiva, de acordo com o relatório Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição em 2021: 60% dos que tiveram suas receitas afetadas perderam mais de metade do valor, e outros 31% viram a renda cair entre 25% e 50% do valor.
Segundo a FAO, isso indica que a porcentagem dos que deixaram de ter acesso a alimentos saudáveis ou às calorias necessárias é maior que a estimada anteriormente.
Em pesquisa Datafolha feita em maio deste ano, em média um a cada quatro brasileiros disse que a quantidade de comida na mesa para alimentar a família foi menor do que o suficiente nos últimos meses.
A agência da ONU considera que uma pessoa é incapaz de adquirir uma dieta saudável quando o custo desses alimentos supera 63% de sua renda, uma porcentagem baseada na média de dinheiro gasto com comida nos países mais pobres do mundo.
O alto custo da comida saudável e os altos níveis persistentes de desigualdade de renda, de acordo com a ONU, colocaram as dietas saudáveis fora do alcance de cerca de 3 bilhões de pessoas no mundo em 2019.
A FAO afirma que seus últimos quatro levantamentos anuais sobre segurança alimentar e nutrição no mundo revelam "uma realidade humilhante", muito distante da meta de acabar com a desnutrição até 2030, assumida em 2015.
No último ano, por causa da Covid, a porcentagem global de pessoas afetadas no mundo por fome e desnutrição cresceu de 8,4% para 9,9%: de 720 milhões a 811 milhões de pessoas comeram menos que o necessário. Só na América Latina e Caribe, esse número cresceu 14 milhões em 2020.
De forma geral, os principais entraves são conflitos, variabilidade climática, extremos climáticos e desacelerações econômicas, "especialmente onde a desigualdade é alta", e a pandemia de Covid "tornou o caminho para a meta ainda mais íngreme".
No caso do Brasil, o principal fator apontado para as lacunas de nutrição e segurança alimentar são os impactos do clima, de acordo com a FAO. A prevalência da subnutrição no país entre 2018 e 2020 ficou abaixo de 2,5%, mas a porcentagem da população cuja insegurança alimentar é considerada moderada ou grave –definido como a falta de garantia para comprar comida ou a possibilidade de diminuir ou piorar a alimentação por falta de dinheiro– saltou de 18,3% no triênio de 2014 a 2016 para 23,5% entre 2018 e 2019.
"A menos que ações ousadas sejam tomadas, especialmente contra insegurança alimentar, desnutrição e desigualdades, a fome não será erradicada até 2030", afirma a agência, que prevê mais de 600 milhões de pessoas nessa contingência no final da década.