Há algum tempo, a curitibana Pryscila Vieira recebeu uma carta no prédio em que morava destinada à ''cartunista Pryscila''. O porteiro do edifício ficou desconfiado e, ao entregar o documento, questionou: ''Mas a 'senhora' consegue mesmo ler as mãos?'' Cartunistas e cartomantes são profissões bem diferentes, mas o mistério que cerca as duas pode até ser parecido, já que há pouco tempo, o trabalho dos desenhistas não era tão reconhecido.
Uma leva de profissionais talentosos, a profiferação dos salões de humor e uma mãozinha da maior emissora do País, que há sete anos exibe vinhetas animadas de cartunistas de todo o Brasil, deu um empurrãozinho para a profissão ficar ainda mais conhecida. E foi nessa onda que a cartunista Pryscila Vieira também ganhou projeção.
Formada em design gráfico pela PUC-PR, ela exibe o ''clássico'' currículo de quem já gostava de desenhar desde a infância e ganhou fama na escola por causa do talento. ''Essa é uma história comum'', brinca, lembrando que aos 12 anos desenhava fanzines que eram disputadíssimos na escola. ''Eu vendia para comprar a revista Chiclete com Banana'', conta, ressaltando a sua predileção pelos desenhos do Angeli e o humor da revista que fez sucesso nos anos 80.
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Mas do gosto pelo desenho até escolher o traço como profissão, foi preciso gastar muito lápis. Filha de comerciantes ligados ao ramo de móveis, Pryscila não tinha na família nenhuma ligação que justificasse sua escolha pelo mundo das artes. ''Meus pais queriam que eu fizesse arquitetura, já que eu gostava de desenhar''. Não fez. E o humor ganhou o traço e a ironia de uma das poucas mulheres que se arriscam nesse meio quase restrito ao mundo masculino. ''É preciso ter jogo de cintura para lidar com os cartunistas. O humor é machista'', analisa Pryscila.
Ela mesmo criou uma personagem que já rendeu protestos das feministas de plantão, principalmente pelo teor dúbio das piadas. ''Amely - uma mulher de verdade'', é uma das principais tiradas de Pryscila. A personagem, uma boneca inflável, que tem um defeito de fabricação - pensa e fala -, já lhe rendeu convites para expor em diversos partes do mundo e alguns prêmios também. Atualmente, as tiras da Amely são publicadas no Jornal Internacional Metro, que circula em 21 países da Europa, Américas e da Ásia, totalizando mais de 22 milhões de leitores diários em todo o mundo.
Mas bem antes de criar Amely, Pryscila já colocava nas suas charges a ironia característica dos humoristas. Foi com essa particularidade, comum aos mais talentosos chargistas e cartunista, que ela ganhou o Salão de Humor de Piracicaba por três vezes consecutivas, a partir de 2000. Foi ali também que ganhou um fã de peso, o cartunista Ziraldo, um dos nomes obrigatórios quando o assunto é charge no Brasil. Ele era jurado do Salão, e, quando pediram indicações de novos cartunistas, Ziraldo lembrou logo de Pryscila. Foi ele quem indicou a moça, por exemplo, para fazer as vinhetas da Globo. ''É uma ótima vitrine. Quando alguém me pergunta o que faço e eu não consigo me fazer entender, logo vou falando: sabe as vinhetas da Globo?'', diverte-se Pryscila.
Ela também chegou a organizar um concurso de humor em Cascavel. ''Foi quando conheci os cartunistas brasileiros'', lembra. Pryscila chegou a ser contratada por um jornal curitibano, mas a experiência na redação, como ilustradora, foi interrompida pela vontade de se dedicar a projetos pessoais (a Amely incluída) e também aos trabalhos publicitários, que até hoje consomem a maior parte do tempo da cartunista.
A Amely surgiu entre esses trabalhos, aliás, e tem até data de nascimento: 25 de dezembro de 2005. ''Não gosto de Natal e, como sempre, estava sozinha nesse dia, escrevendo no meu blog. Comecei a pesquisar idéias para uma personagem e percebi que uma boneca inflável iria render bem''. Rendeu tanto que logo instituições da Grécia e Colômbia estavam convidando a cartunista para expor as tiras de Amely. Muitas histórias da personagem, confessa Pryscila, são inspiradas em fatos reais, vividos por ela e pelas amigas (e amigos). ''Apesar de ser uma boneca inflável, ela é humana'', brinca. Quanto às incansáveis discussões sobre o pseudomachismo da personagem, ela analisa: ''Não adianta querer direitos iguais, é falta de ambição querer ter direitos iguais aos do homem''.
Brincadeira à parte, Pryscila tem um projeto de aproveitar as tiras já publicadas (e outras inéditas) para ilustrar um livro sobre os Direitos Universais da Mulher. Enquanto isso, segue com as publicações diárias da polêmica e divertida personagem, que podem ser conferidas no blog de Pryscila (www.pryscila-freeakomics.blogspot.com), no jornal ou nas revistas de circulação nacional em que ela costuma colaborar. O conteúdo não chega a prever o futuro, como acreditava o porteiro amigo da cartunista, mas é uma retrato muito bem humorado do presente.