O entregador Jailson Pereira, 38, roda com bicicletas de carga há 15 anos fazendo entregas para lojas do Brás (região central de SP).
Recentemente, ele tem notado um aumento de pessoas fazendo este mesmo tipo de serviço, alguns deles com bikes de modelos diferentes das que costumam rodar por ali.
Se já era comum cruzar com um ciclista fazendo o trabalho que antes cabia a motociclistas, agora começa a virar rotina o uso de bicicletas cargueiras para substituir o serviço de vans.
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Elétricas ou totalmente dependentes da tração humana, com duas ou três rodas, algumas delas têm capacidade de armazenar quase 200 quilos.
O comércio local já costumava utilizar modelos simples para entregas de produtos como galões de água e botijões de gás. Com as novas necessidades trazidas pelo boom de compras online na pandemia, também surgiram nas ruas brasileiras exemplares parecidos com os usados em países da Europa.
Essas versões têm sido compradas por gigantes do ecommerce para entregas na chamada última milha, isto é, para fazer o trajeto final entre hubs regionais e a casa do comprador.
O uso do modal na chamada ciclologística já despertou a atenção da Prefeitura de São Paulo, que estuda adaptações da estrutura viária local. Hoje, ela é muito desigual na cidade.
"Operadoras e embarcadoras logísticas cresceram muito na pandemia, entenderam que não têm como viabilizar o crescimento das entregas se não for através da bicicleta", diz o diretor-executivo Daniel Guth, da Aliança Bike (associação focada no fortalecimento do mercado de bicicletas).
"Quando você tem densidade de entregas em um raio de 5 quilômetros, a bicicleta é o veículo mais eficiente para fazer isso", diz.
Uma pesquisa com 23 gigantes da logística e ecommerce no país, desenvolvido pela Aliança Bike e Labmob-UFRJ por iniciativa do Promob-E (projeto relacionado a desenvolvimento sustentável), constatou que 39% dessas empresas usam a bicicleta para entregas na última milha. Outra parcela de 21% planeja aderir ao modal.
O estudo não inclui os apps de entrega de refeições, que hoje predominam no mercado de entregas por bicicleta. Entre as empresas entrevistadas, mais focadas em vendas online, os artigos mais transportados são cosméticos, eletrônicos, alimentação, vestuário e medicamentos.
Segundo a pesquisa, as empresas utilizam desde bicicletas convencionais (24%) e cargueiras (22%), passando por elétricas e triciclos.
Correios, Mercado Livre, Dafiti e Americanas são algumas das empresas que utilizam o modal.
A Americanas comprou 170 unidades para entregas em um raio de até 5 km e diz que pretende expandir. A companhia utiliza bikes elétricas com capacidade para até 180 quilos, do modelo Long John, em que a carga fica entre o guidão e as rodas, bastante comuns nas ruas da Dinamarca e Holanda.
Segundo a empresa, as entregas estão expansão para novos territórios da cidade de São Paulo. "Em becos e vielas, muitas vezes carro não passa. É extremamente ágil para trabalhar com bicicletas nesses casos", diz André Biselli, gerente de operações da Americanas S.A.
Ele também aponta vantagens em relação aos veículos comuns.
"Bicicleta é altamente eficiente em centros urbanos, principalmente em locais colapsados", diz. "Hoje, você pensa numa região como a da avenida Paulista. Onde você para o veículo para fazer entrega? Quando é uma bicicleta, para do lado, prende no poste, ganha em eficiência."
Biselli lembra que o uso das bicicletas já era bastante comum no século passado para entregas de produtos como pão e leite. As cargueiras eram usadas desde o século 19, mas foram perdendo espaço para os carros.
Em bairros como Brás, na região central de São Paulo, elas nunca deixaram de circular em grande quantidade. Usuários relatam, porém, dificuldades devido à falta de infraestrutura.
"Rodo o dia todo e é bem difícil, porque a bicicleta é larga e não passa entre os carros. Se tivesse uma ciclovia seria muito mais fácil", diz Jailson, que trabalha em três lojas da região. Mesmo assim, a experiência lhe garante o equilíbrio para carregar vários rolos grandes de plástico bolha na traseira e dianteira da bicicleta.
A vida dos entregadores é mais fácil no Bom Retiro, bairro no centro de SP, que é bem servido de ciclovias.
Atualmente, a capital paulista tem 684 km de ciclovias, mas nem todas estão preparadas para todos os tipos de bikes cargueiras, como triciclos, por exemplo.
A Prefeitura de São Paulo avalia mudanças: "O novo desenho pretendido para a melhor resiliência climática de São Paulo implica a adequação do viário à chamada logística de última milha -integrada por cargo-bikes e triciclos".
Para Paula Santos, gerente de mobilidade ativa do Wri Brasil, o aumento do uso desse tipo de bicicleta induz as cidades a apresentar uma infraestrutura melhor.
Santos afirma que um ponto positivo no uso das bikes cargueiras é contribuir para amenizar a saturação dos meio-fios, congestionados no contexto do boom de apps de carona e entregas online, com veículos constantemente estacionando nessa área da via para desembarque e descarga.
"Certamente haverá um impacto no futuro com a entrada da bicicleta como veículo de operação deste sistema. Além de estar alinhado ao que se quer para a mobilidade, ter zero emissão, não causa congestionamento", diz.
O uso de bicicletas para entregar refeições também cresce, com maior presença de modelos elétricos. Dados de compartilhamento de bicicletas elétricas da Tembici, por meio do projeto Ifood Pedal, revelaram que as viagens feitas por entregadores cresceram 91% no segundo trimestre deste ano.
Outro modelo que tem sido bastante utilizado pela categoria são bicicletas com motores de mobilete, as bikeletes. Tecnicamente, são ciclomotores que deveriam circular junto com carros, mas, na prática, são bastante comuns nas ciclovias.
O entregador Bruno Alves, 23, resolveu comprar uma bicicleta adaptada com motor depois de passar muito sufoco nas subidas da cidade. Agora, ele afirma que consegue fazer o dobro de entregas.
O investimento em combustível é relativamente baixo. "O tanque tem 1,8 litro e eu rodo oito horas com ele", diz.
No entanto, o modelo exige manutenção constante, com necessidade de reparos uma vez por semana. Alves aprendeu a ajustar a própria bike, mas nas bicicletarias já há mecânicos especialistas nesse tipo de modelo.
A proliferação deste e de outros veículos (como diversos tipos de motonetas) chama a atenção para a necessidade de as prefeituras pensarem alternativas para evitar conflitos das bicicletas normais e elétricas com veículos mais potentes. Uma possibilidade seria a adoção de faixas da direita mais amigáveis, com velocidades menores, onde os donos desses veículos se sintam seguros.