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"Cidade e Rio" de Roberto Mendes

31 dez 1969 às 21:33

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O samba de recôncavo de Roberto Mendes - Divulgação/Daniel Dórea
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O rio que convida a cidade para um passeio. Raízes que pulsam no dedilhar de cordas ecoadas pela história do Recôncavo Baiano. A confluência entre as heranças e a modernidade poética em cada paragem. À frente do percurso, o compositor, instrumentista e cantor Roberto Mendes lança seu nono disco de carreira – agora, pela Biscoito Fino – que também revela a bordo nomes como Guinga, Lenine, Alcione, Pedro Luís e Marco Pereira.

Aos 55 anos, este artista de Santo Amaro da Purificação que tanto convive com poetas – sem se imaginar um deles, embora sua sensibilidade e destreza com as palavras estejam à altura – é também um pesquisador e mantenedor da Chula, o samba de viola tradicional na região.

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Em doze faixas, Mendes apresenta a exuberância da cadência do rio ao lado de Capinan, Caetano Veloso, Nelson Elias e Herculano Neto. "Os poetas são privilegiados, pois quem os escolhe é Deus e a própria poesia", afirma o santo-amarense. Entre tantos poetas que povoam meus momentos de deleite, Roberto Mendes tornou-se mais uma nobre referência. Saiba mais nos principais trechos da entrevista que o artista concedeu com exclusividade à Musiqueira.

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Comente um pouco a respeito da seleção do repertório do CD.

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Falar de Santo Amaro é uma coisa comum, eu sou santo-amarense plantado, e juntando Santo Amaro com Bethânia forma-se o binômio de sustentação da minha criação. Então, na realidade, tudo que eu compus na minha vida foi pela possibilidade de um dia a Maria Bethânia vir a gravar. Existe uma coisa da paixão que a razão não explica, mas que está desenvolvida na criação – paixão por Santo Amaro e por Bethânia. Este disco é dedicado a ela. Se você olhar, é uma seqüência do "Pirata", foi pensado para isso. Como eu sou provinciano e ela universal, é como os dois lados da margem do rio.


Como foram transpostos os arranjos de samba do recôncavo para o violão?

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Eu faço isso há 35 anos. É meio complicado porque é uma técnica toda renascentista, é um violão tocado com percussão ferida, e essa viola que vem da Ilha da Madeira. Se você observar bem na canção de Caetano, a introdução lembra muito Filosofia Pura que Bethânia gravou em 1986 – o que nada mais é do que a primeira chula gravada no Brasil com esta informação.


E quanto ao movimento dos grupos deste gênero no Brasil? Eles vêm sendo preservados, na sua opinião?
A cultura brasileira não se perde. A cultura é regra de comportamento. A culinária e o canto é que definem um povo; o que se come e o se canta. Quando eu traduzo isso para o canto, ele fica meio adocicado, fica mais rapadura, mais cana. Porque eu convivo com esta dor. Eu não sofro o impacto de ver a minha cidade destruída; eu convivo com este caos produzido pelo poder público do Brasil real. Na realidade o meu trabalho é uma maneira de levar a minha cultura traduzida em arte para um universo maior. No fundo, é mais fácil levar a minha arte para o Rio de Janeiro, São Paulo e Londrina pela novidade, do que tentar seduzir o meu vizinho. Porque ele não percebe a beleza. Eu sempre ouvi dizer que a gente não deve arrumar a nossa casa pra receber visita, mas devemos deixá-la arrumada porque moramos nela. Esta é uma grande luta que alguns provincianos têm: seduzir o seu vizinho.

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Fale um pouco a respeito da sua parceria com o Capinan, que vem se consolidando no decorrer da sua carreira.
Ele é um ídolo que se tornou parceiro. É um ídolo da minha geração que povoou todo este processo de criação nosso. Capinan é, na certa, o grande condutor deste pensamento nosso agora. E por minha sorte virou meu parceiro. É o grande pai do conceito que nós empregamos hoje na obra. Ele é generoso em permitir isso.


O que você tem a dizer a respeito de gêneros musicais que acabam se fundindo, como jazz com eletrônica, samba com rap, etc.?
Quando você substitui a cultura pela arte, você está alimentando a parte pelo todo, porque a arte é a exceção e não a regra de comportamento. Você pode datar a arte, mas não pode datar a cultura. Com respeito a estas misturas, acho tudo muito moderno. Por exemplo, Lenine, é um cara que preserva o sotaque nordestino dele, ele consegue colocar tudo moderno e continuar sendo pernambucano. No meu caso, com 55 anos de idade, de volta para o silêncio, de volta pra casa, já nem tenho a mesma força pra subir ladeira, eu vejo que a modernidade no meu disco está pela novidade criada pelo meu filho que produziu o disco. Além da interferência do Pedro Luiz. A "meninada" tem algumas coisas que eu jamais pensaria. Você vê que é um encontro pela contramão: eles subindo e eu descendo. Somos filhos da mesma matriz.


Como você se situa dentro de sua própria arte? Mais instrumentista, mais compositor ou mais cantor?
Eu me sinto um refém da poesia. Eu faço música porque não fui poeta. Se eu o fosse, não faria música não. Mas, foi a única maneira que eu consegui de seduzir os poetas. A minha função é harmonizar a melodia que a poesia me traz. Olha, o poeta é o único ser que eu invejo ser – mas não no mau sentido. O único músico que eu trato como poeta na canção é o Guinga. Ele é uma pessoa com quem a música tem uma intimidade profunda, que escolheu ele para amar a vida inteira. Ele é o maior porta-voz de música que eu conheço no Brasil. Ele sempre está à disposição do belo, que não levanta a bola do caos pra nada.


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