A ideia de um filme sobre a banda Sepultura sempre veio impregnada de riscos. E o pior deles: não ter o depoimento dos irmãos fundadores do grupo, Max e Igor Cavalera. Ainda assim, sem saber onde iria parar, o cineasta Otávio Juliano embarcou. Ficou ao todo sete anos, ao lado do grupo em turnês pelos Estados Unidos, Europa e Ásia, e na batalha pela difícil captação de recursos, até entregar para as salas de cinema o resultado de Sepultura Endurance. O documentário faz a abertura, nesta terça-feira, 13, do festival In-Edit Brasil. Para quarta-feira (14),a produção anuncia um Sepultura Day, com a exibição do longa em 34 cidades, incluindo a apresentação de duas músicas novas do grupo ao final. Na quinta (15), a fita chega ao circuito nacional.
O resultado tem duas leituras de conceito: sim, os irmãos fundadores fazem falta. Max e Igor são criadores da solidez tribal, no primeiro momento mais primitiva, depois mais técnica, que vai fazer o mundo do metal olhar para o Brasil com respeito inédito.
Com eles vivem histórias que outros, por mais que se esforcem, não conseguiriam contar. Ao mesmo tempo, fica a questão: mesmo sem os irmãos, o Sepultura ainda existe.
Seria justo ninguém poder contar sua história porque seus integrantes fundadores não querem falar sobre ela? Sepultura Endurance virou, assim, um curioso caso de biografia semiautorizada. Os atuais integrantes, o guitarrista Andreas Kisser, o baixista Paulo Jr, o vocalista Derrick Green e o baterista Eloy Casagrande, souberam o tempo todo das filmagens e aprovam o resultado. Os irmãos Cavalera não participaram dos depoimentos nem permitiram o uso de imagens ou das canções do grupo.
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A saída para tê-los no filme não deixa de ser mais um risco. Suas aparições são curtas, mas estão lá. Otávio explica: "Usei o limite de imagens que poderia usar (sem autorização). E coloquei músicas antigas executadas pela formação atual da banda". Os irmãos, ao menos por enquanto, não reclamaram. "Eu me sinto meio censurado, estranho. Fiquei o tempo todo pedindo, sendo cordial. Não há nada contra eles no filme. Acho que eles também perdem por não participar." Os dois irmãos não se pronunciam sobre o documentário.
Havia então que se encontrar um equilíbrio para que a importância dos irmãos Cavalera não fosse reduzida por possíveis sentimentos revanchistas. Isso não acontece. Os depoimentos ressaltam a história da banda e de como ela vai ganhando musculatura de som e exposição. As imagens captadas no estilo na estrada dos anos 1970 dão pelo menos um ótimo resultado. Quando a banda está em excursão, dentro de um ônibus, o então baterista Jean Dolabella começa uma conversa com Kisser que vai revelar a angústia limite de um músico à beira de jogar a toalha. Sem que eles saibam, Otávio liga as câmeras e começa a registrar. Jean, cabisbaixo, fala de como se sente devastado pela falta da família. Ele pensa em sair. "Também não adianta estar no Brasil se a cabeça está aqui. Assim, você vai derreter e morrer. Isso aconteceu com o Igor, ele começou a derreter", argumenta Kisser. A crise de Jean não era jogo de cena. Alguns meses depois da conversa, ele estava fora do Sepultura.
Depois do abalo sísmico provocado pela saída de Max, em 1996, o grupo junta os pedaços e começa a se recompor com um novo vocalista. "Eu pensei que ali seria o fim", diz o baixista Paulo, lembrando do curto tempo em que seguiram sem um novo vocal. Até que encontram no norte-americano de Ohio, Derrick Green, seu substituto mais, segundo vozes da época, improvável. A Green, os amigos diziam: "Você está tentando ser branco!". A Kisser, o mesmo, ao contrário: "Mas ele é negro!". "Eu não sabia nem o que responder a essas pessoas", Green diz no filme. "A gravadora não queria o Derrick, não gostavam dele", lembra Kisser. Lemmy Kilmister, do Motörhead, morto em 2015, definiu tudo a seu estilo quando ouviu a nova voz da banda. "Esse é o cara. F... a gravadora."
Andreas Kisser tomou a palavra em uma coletiva de imprensa realizada na semana passada, em São Paulo, logo depois da exibição do documentário. "O roteiro foi se formando aos poucos. Nossa intenção era de filmar o presente da banda. Respeitamos o passado, mas vivemos o presente de forma intensa." Ao falar da ausência dos ex-integrantes, disse com certo grau de tensão. "A escolha de sair do grupo foi deles (irmãos Cavalera) e a escolha de não participar do documentário também. A gente respeita essa escolha." Otávio Juliano, segundo ele, havia trabalhado com independência. "A maneira de contar essa história foi dele."
Otávio diz que teve liberdade. "Ele só viram o filme uma vez, na produtora. A banda não teve a menor interferência." Conta que trabalhou com a ideia de ter a participação dos irmãos até 2015. "Deixei a história rolando, se desenvolver, e segurei para ir filmar em Belo Horizonte (cidade do grupo) até o último momento." Foi em BH que o diretor percebeu que já tinha uma história para contar. "Eu havia pensado em fazer o filme a partir da entrada de Derrick. Mas, ali, senti que a trajetória do grupo estava nas minhas mãos, que poderia contá-la." Ao refazer os primeiros caminhos, ele colheu depoimentos importantes, ouviu versões pouco contadas e percebeu que nenhuma história tem dono.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.