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Com falta de recursos para o financiamento imobiliário, a Caixa Econômica Federal tem deixado interessados na casa própria à espera da assinatura de contratos, mesmo com o processo para a concessão do empréstimo já avançado.
Um correspondente bancário da zona leste de São Paulo, que prefere não se identificar, afirma que tem contratos prontos há até 50 dias na fila de espera. "São 30 contratos aprovados aguardando recursos. Está tudo assinado, mas a Caixa diz que não tem dinheiro e não dá qualquer previsão de quando terá", afirma.
Além disso, a partir de 1º de novembro banco vai aplicar novas regras para emprestar dinheiro a quem pretende comprar imóveis de até R$ 1,5 milhão, encarecendo a operação. Para os últimos meses de 2024 resta disponível apenas 15% do orçamento anual da instituição para esse tipo de financiamento com recursos da poupança.
O banco tenta fechar uma complicada equação: demanda por imóveis em alta, alto volume de saques da caderneta de poupança -de onde vem os recursos para o crédito- e Selic em dois dígitos e retomando ritmo de escalada.
Desde o ano passado, a preocupação com a falta de verba para financiamento é constante em declarações da diretoria do banco público, que teme que não haja dinheiro para emprestar a partir do ano que vem. Mas, nas agências, o problema já é vivenciado por compradores, vendedores e outros integrantes da cadeia do setor.
Um outro correspondente bancário da Caixa contou à reportagem que, normalmente, assinava de 25 a 30 contratos por semana, e na primeira semana de outubro assinou apenas cinco, com cerca de uma centena aguardando verbas.
O professor Dryco Medeiros, 40, de Maceió (AL) também está aguardando a Caixa liberar recursos para concluir a venda do seu apartamento e poder se mudar. A compradora, segundo ele, já tinha carta de crédito da Caixa e a vistoria do imóvel chegou a ser feita e aprovada pelo banco. Mas, na hora de assinar o financiamento no início de setembro, a venda travou.
"Disseram que estavam sem recursos e teriam de novo entre 20 e 30 de novembro. Só que não liberaram e, agora, dizem que não têm previsão", afirma Medeiros.
Ele está aguardando a venda para poder fechar a compra da casa onde pretende morar. "Estou vivendo em caixas, sem saber quando isso irá acabar. Até cheguei a colocar meu apartamento a venda de novo, mas todos os interessados irão financiar pela Caixa, então não adianta."
A esteticista Camila Lampert, 40 anos, de São Leopoldo (RS), assinou seu financiamento com a Caixa na semana passada, após mais de um mês aguardando. Ela deu pouco mais de 20% do valor do imóvel de entrada na nova casa e financiou R$ 270 mil com o banco.
"Eles só diziam 'não tem reserva'. Mais uma semana e eu não conseguiria financiar nem vender, porque a entrada ficaria maior", conta.
"Minha cidade teve um boom imobiliário após a tragédia das chuvas. Eu coloquei minha casa à venda para comprar outra, mas nem eu nem o comprador conseguimos logo o dinheiro com a Caixa. E ele pediu só R$ 150 mil. Não é um valor alto", diz Camila.
A partir de novembro, a cota máxima de financiamento cairá de 80% para 70% para amortização pela tabela SAC (Sistema de Amortização Constante) e de 70% para 50% com o sistema Price.
Outra regra nova é que os clientes poderão ter apenas um financiamento imobiliário ativo com o banco.
A falta de recursos, porém, está afetando também quem vai comprar pelo MCMV (Minha Casa, Minha Vida), segundo relatos ouvidos pela reportagem. Um deles é o de Roberto Gross Nunes,
57, de Gravataí (RS). Proprietário de uma imobiliária na região metropolitana de Porto Alegre, ele afirma que, desde agosto, tem clientes que entraram com processo de financiamento e, mesmo com todo o trâmite interno da Caixa concluído, estão aguardando a emissão do contrato para assinar.
"A maioria são pelo MCMV, que possuem o subsídio na compra ou usaram FGTS [fundo de garantia]. Para se ter uma ideia, num processo normal, feito a entrevista [na agência da Caixa], o cliente assina em dois ou três dias", conta Nunes.
Sobre os clientes que aguardam financiamento pelo SBPE, o corretor afirma que muitos negócios não serão concluídos por causa do aperto no crédito.
A carteira de crédito habitacional da Caixa ultrapassou R$ 800 bilhões, com mais de 7 milhões de contratos ativos. O banco é o maior financiador da casa própria no país, com 68% do mercado.
O banco recebeu orçamento de R$ 75 bilhões para contratações com recursos da Poupança (SBPE) neste ano. Até setembro, as contratações já consumiram R$ 63,5 bilhões. Em entrevista à Folha, o vice-presidente de Finanças e Controladoria da Caixa, Marcos Brasiliano Rosa, disse que há um superaquecimento da demanda por esse modelo de financiamento, resultante do aumento da liquidez das famílias brasileiras.
Só em 2024, até setembro, a instituição concedeu R$ 175 bilhões de crédito imobiliário -um aumento de 28,6% em relação ao mesmo período de 2023. Segundo a Caixa, foram 627 mil financiamentos de imóveis para cerca de 2,5 milhões de brasileiros até o momento.
Em nota, o banco diz que "considerando a demanda observada e o orçamento para crédito habitacional aprovado para o ano de 2024, com o crescimento da nossa carteira, prevemos que a mesma irá superar o limite máximo projetado para o período".
O banco afirma ainda que "estuda constantemente medidas que visam ampliar o atendimento da demanda excedente de financiamentos habitacionais, inclusive participando de discussões junto ao mercado e governo".