O julgamento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que livrou o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) da cassação levantou discussões a respeito da necessidade de regulamentação do período da pré-campanha eleitoral e de quais gastos podem ser feitos nessa fase.
Na terça-feira (21), o tribunal rejeitou por 7 a 0 ação que acusava Moro de abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação em 2022.
As acusações contra Moro tratavam, principalmente, de temas relacionados aos gastos no período que antecedeu a campanha oficial ao Senado.
O PL e o PT argumentaram que os valores foram desproporcionais porque ele almejava inicialmente a Presidência da República, gerando desequilíbrio entre os concorrentes.
A conclusão do julgamento foi célere por pressão do Senado sobre o TSE e pela intenção do presidente da corte, Alexandre de Moraes, de fazer um aceno ao Legislativo.
Mas também gerou preocupações no Judiciário de que o tribunal acabasse passando o recado a políticos de todo o país, em ano de eleição municipal, de que os julgamentos sobre gastos de pré-campanha serão afrouxados com essa decisão.
A própria ministra Cármen Lúcia, que assumirá a presidência do TSE em junho e comandará o tribunal nas eleições municipais, deu recados ao votar sobre o assunto.
Ela disse que analisava apenas sobre o caso concreto de Moro, e que não foram apresentadas provas suficientes para que houvesse caracterização de conduta irregular.
"Este período de pré-campanha traz uma série de dificuldades, o que se mostra até na nossa jurisprudência", disse a ministra. "Nesta fase não se tem, rigorosamente, de maneira exaustiva e fechada, o que pode e o que não pode [fazer]", afirmou. "[Mas] É preciso alertar que este período [de pré-campanha] não é algo tolerável para qualquer tipo de comportamento."
Ao votar, no fim do julgamento, Moraes também cobrou regulamentação do tema.
"Há necessidade de uma alteração no sistema eleitoral brasileiro em relação à pré-campanha", disse, acrescentando que essa divisão em relação à campanha não existe em países como França, Inglaterra e Estados Unidos.
"Aqui nós temos essa figura da pré-campanha que gera alguns problemas. Por exemplo, alguém que é ligado a associações comerciais e é um pré-candidato a deputado federal", exemplificou.
"Ele, durante dois ou três anos faz palestra em todas as associações comerciais e a associação comercial convida, paga o hotel e o transporte, e isso não é considerado pré-campanha. Quem é ligado a universidade é convidado pelas universidades. Há necessidade de uma regulamentação melhor", afirmou.
O próprio Moro disse, num evento de comemoração organizado pela oposição do Senado após a decisão do TSE, que é necessário acabar com a "incerteza jurídica" sobre pré-campanhas.
Ele sugeriu que essa discussão seja feita no âmbito do novo Código Eleitoral, que já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e teve o texto modificado pelo Senado. O relatório sobre o tema deve ser votado na Comissão de Constituição e Justiça no dia 5 de junho, e pode ser levado ao plenário no mesmo dia.
"No meu caso, a tentativa de cassação não era porque a gente tinha excedido gasto de campanha, não foi por caixa dois, mas foi questionamento em cima da pré-campanha, que no fundo está mal regulada", disse Moro.
"Por ter um certo vazio de regras, muitas vezes o intérprete quer criar regras, e aí vão criando regras meio absurdas e querem aplicar retroativamente."
A partir da minirreforma eleitoral de 2015, as vedações às pré-campanhas, que eram mais rígidas, foram flexibilizadas. A regra principal é a de que não se pode pedir voto explícito ao eleitor.
A partir de entendimentos da Justiça Eleitoral, outro tipos de restrições foram sendo formadas, como a vedação a pedidos implícitos de voto (como dizer "em outubro conto com vocês"), além do uso de outdoors para exaltar qualidades pessoais dos candidatos. Também não é permitido gasto excessivo que tire a isonomia do pleito.
Especialistas consultados pela Folha ressaltam a importância dessas regras, apesar da falta de regulamentação sobre esse período.
"Na pré-campanha é permitido anunciar a intenção de concorrer nas eleições, projetos políticos, ideias e posicionamentos sobre assuntos de interesse do debate público, inclusive pela internet, e participar de eventos partidários", diz Amanda Cunha, coordenadora da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).
Também é possível "impulsionar conteúdos online e usar anúncios pagos, desde que identificado o CNPJ do partido ou CPF do pré-candidato e moderação de gastos -que nas decisões eleitorais gira em torno de 10% [do total de despesas na campanha], mas isso não está na lei, nem nas resoluções".
O advogado eleitoral Walber Agra, também membro da Abradep, diz que não considera a prestação de contas na pré-campanha "um terreno sem leis, uma anomia".
Ele aponta que resolução do TSE mostra que os gastos da pré-campanha não são "um indiferente eleitoral", mas que devem observar "os impedimentos da campanha" (por exemplo, contribuição de pessoa jurídica) e "devem ser moderados, proporcionais e transparentes".
"Dessa forma, os gastos não podem ser exorbitantes, devem ser escriturados, públicos e não configurar qualquer tipo de ilícito eleitoral", afirma.
A principal discussão a respeito de necessidade de regulamentar a pré-campanha é a possibilidade de estabelecer um teto sobre os gastos que podem ser feitos.
Isso é defendido por parte de acadêmicos e observadores do processo eleitoral, já que a métrica de 10% não está prevista em norma.
"Isso clama por uma regulamentação mais detalhada do Congresso", diz o advogado Fernando Neisser, doutor pela USP e professor de direito eleitoral da FGV-SP.
Para ele, não há necessidade de que haja sistemas de prestação de contas como acontece durante a campanha, mas que se crie um limite para as despesas.
"Um parâmetro de gastos é uma solução mais inteligente e menos burocrática. Uma prestação de contas da pré-campanha vai criar centenas de processos para a Justiça Eleitoral. Há muito mais pré-candidatos do que candidatos."