Política

Entenda as suspeitas na compra de vacinas, o relato de propina e a crise sob Bolsonaro

30 jun 2021 às 14:42

Ao longo da CPI da Covid, a pressão e insatisfação com o governo de Jair Bolsonaro se intensificou frente a inúmeras evidências que surgiam da falta de interesse e omissão do governo em adquirir e negociar vacinas. O discurso do governo para justificar a demora se baseou principalmente no preço das vacinas ou no fato de determinada vacina não ter aprovação da Anvisa.


Se tais justificativas já eram questionadas, por exemplo, diante da ampla disseminação de cloroquina, apesar da inexistência de eficácia do medicamento contra Covid-19, esse discurso vem caindo por terra, nas duas últimas semanas, com uma sequência de revelações que, até o momento, já envolvem suspeitas sobre a negociação de pelo menos três vacinas diferentes.


Um dos principais sinais de alerta é que, diferentemente das ofertas da Pfizer, em que a compra seria realizada diretamente com a empresa produtora, em todos os três casos, há intermediadores na compra, o que poderia facilitar esquemas de corrupção. Além disso, duas dessas vacinas não tinham aprovação da Anvisa e possuíam valores superiores aos das outras vacinas adquiridas.


Quais os três casos de suspeitas de corrupção e irregularidades em compras de vacinas? O caso mais recente, revelado pela Folha de S.Paulo nesta terça (29), envolve a acusação, por parte de um representante de uma vendedora de vacinas de que o então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, pediu a propina de US$ 1 por dose de vacina vendida. A exoneração de Dias do cargo foi comunicada na mesma noite. A empresa Davati buscou a pasta para negociar 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca.


Já o caso da vacina Covaxin envolveu diretamente o presidente Bolsonaro que, de acordo com depoimento dado na CPI pelos irmãos Miranda, teria sido alertado em março sobre suspeitas de irregularidades no contrato.


Além disso, o Ministério assinou o contrato mesmo sem aprovação da Anvisa e com valor superior a outras vacinas adquiridas, US$ 15 por dose) -a Pfizer ofereceu sua vacina por US$ 10 a dose. Desde que o caso veio a público em 18 de junho, o governo mudou a versão diversas vezes. Nesta terça (29), o Ministério da Saúde decidiu suspender o contrato.


A terceira suspeita, que também está no alvo da CPI, envolve a negociação da vacina Convidecia com o Ministério da Saúde, que foi intermediada por uma empresa de Maringá. A carta de intenção de compra assinada pelo Ministério em junho apontava um custo de US$ 17 cada uma.


Na segunda-feira (28) a Folha de S.Paulo revelou que o advogado do deputado Ricardo Barros atuou como representante legal da vacina Convidecia no Brasil. Líder do governo no Congresso, Ricardo Barros é citado nos outros dois casos de suspeitas.


PROPINA DE US$ 1 A DOSE


O representante de uma vendedora de vacinas afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo que recebeu pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde. Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que se apresenta como representante da empresa Davati Medical Supply, disse que o diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, cobrou a propina em um jantar no restaurante Vasto, no Brasília Shopping, região central da capital federal, no dia 25 de fevereiro.


Na mesma noite em que a denúncia foi revelada, o Ministério da Saúde comunicou a exoneração de Dias, que foi publicada no Diário Oficial de quarta-feira (30).


Roberto Dias foi indicado ao cargo pelo líder do governo de Jair Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Sua nomeação ocorreu em 8 de janeiro de 2019, na gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM).


A empresa Davati buscou a pasta para negociar 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca com uma proposta feita de US$ 3,5 por cada (depois disso passou a US$ 15,5).


Emails obtidos pela Folha mostram que o Ministério da Saúde do governo de Jair Bolsonaro negociou oficialmente venda de vacinas com representantes da Davati Medical Supply. As mensagens da negociação foram trocadas entre Roberto Ferreira Dias, diretor de Logística do ministério, Herman Cardenas, que aparece como CEO da empresa, e Cristiano Alberto Carvalho, que se apresenta como procurador dela.


COVAXIN


A suspeita sobre a compra de vacinas veio à tona em torno da compra da vacina indiana Covaxin, quando a Folha revelou no último dia 18 o teor do depoimento sigiloso do servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal, que relatou pressão "atípica" para liberar a importação da Covaxin.


Desde então, o caso virou prioridade da CPI no Senado. A comissão suspeita do contrato para a aquisição da imunização, por ter sido fechado em tempo recorde, em um momento em que o imunizante ainda não tinha tido todos os dados divulgados, e prever o maior valor por dose, em torno de R$ 80 (ou US$ 15 a dose).


Meses antes, o ministério já tinha negado propostas de vacinas mais baratas do que a Covaxin e já aprovadas em outros países, como a Pfizer (que custava US$ 10).


A crise chegou ao Palácio do Planalto após o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), irmão do servidor da Saúde, relatar que o presidente havia sido alertado por eles em março sobre as irregularidades. Bolsonaro teria respondido, segundo o parlamentar, que iria acionar a Polícia Federal para que abrisse uma investigação.


A CPI da Covid, no entanto, averiguou e constatou que não houve solicitações nesse sentido para a PF. Desde a revelação do caso, o governo mudou sua versão mais de uma vez. A última versão é de Bolsonaro teria comunicado as suspeitas ao então ministro Eduardo Pazuello e que ele teria repassado ao então secretário-executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco, que não teria encontrado irregularidades.


Entretanto, praticamente três meses depois da data em que os irmãos Miranda teriam alertado o presidente sobre possíveis irregularidades, o Ministério da Saúde decidiu suspender o contrato com a Precisa Medicamentos para obter 20 milhões de doses da Covaxin.


Além disso, ao se manifestar sobre o assunto, Bolsonaro primeiro disse que a Polícia Federal iria abrir inquérito para apurar as suspeitas e depois afirmou que não tem "como saber o que acontece nos ministérios".


CANSINO


Um terceiro alvo de suspeita envolve a negociação do Ministério da Saúde envolvendo a vacina chinesa Convidecia. A empresa Belcher Farmacêutica, com sede em Maringá (PR), atuou como representante no país do laboratório CanSino Biologics no Brasil, responsável pelo imunizante.


Em 4 de junho, o Ministério da Saúde assinou uma carta de intenção de compra da vacina da CanSino. A negociação envolvia 60 milhões de doses a um custo de US$ 17 cada uma.


Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que a empresa CanSino não é mais representada pela farmacêutica Belcher e que o acordo não foi fechado.


"A pasta recebeu comunicado da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no último dia 17/6. Dessa forma, as negociações que estavam em andamento foram canceladas", disse, em nota.


Na segunda-feira (28) a Folha revelou que o advogado do deputado Ricardo Barros atuou como representante legal da vacina chinesa Convidecia no Brasil, participando inclusive de reunião com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).


Sócio do genro de Barros até março deste ano, o advogado Flávio Pansieri participou de reunião com a Anvisa no último dia 30 de abril. Segundo o site da agência, a pauta da reunião referia-se às "atualizações sobre a desenvolvimento da vacina do IVB [Instituto Vital Brazil] & Belcher & CanSinoBio a ser submetida a uso emergencial para a Anvisa".


No último domingo (27), Barros divulgou nota por ter sido citado pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) em depoimento à CPI da Covid como parlamentar que atuou em favor da aquisição de vacinas superfaturadas. Para se defender, o líder do governo apresentou a íntegra da defesa preliminar enviada à Justiça Federal. O documento é assinado por Pansieri.


Além de atuar na defesa de Barros, Pansieri acompanhou o líder do governo durante encontro com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto no dia 24 de fevereiro, durante a posse do deputado do centrão João Roma (Republicanos-BA) como ministro da Cidadania.


CRONOLOGIA DO CASO COVAXIN APÓS A REVELAÇÃO PELA FOLHA


Reportagem aponta pressão atípica (18.jun)


Em depoimento mantido em sigilo pelo MPF (Ministério Público Federal) e obtido pela Folha, Luís Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, afirmou ter sofrido pressão de forma atípica para tentar garantir a importação da vacina indiana Covaxin


'É bem mais grave' (22.jun)


Irmão do servidor do Ministério da Saúde, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) disse à Folha que o caso é "bem mais grave" do que a pressão para fechar o contrato


Menção a Bolsonaro (23.jun)


Luis Miranda afirmou ter alertado o presidente sobre os indícios de irregularidade. "No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele"


CPI aprova depoimentos (23.jun)


Os senadores da comissão aprovaram requerimento de convite para que o servidor Luís Ricardo Miranda preste depoimento. A oitiva será nesta sexta-feira (25) e o deputado Luis Miranda também será ouvido.


Os parlamentares também aprovaram requerimento de convocação (modelo no qual a presença é obrigatória) do tenente-coronel Alex Lial Marinho, que seria um dos autores da pressão em benefício da Covaxin. A CPI também decidiu pela quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático de Lial Marinho


Denúncia grave (23.jun)

Presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM) afirmou que as denúncias de pressão e a possibilidade de que o presidente Jair Bolsonaro tenha tido conhecimento da situação talvez seja a denúncia mais grave recebida até aqui pela comissão


Bolsonaro manda PF investigar servidor e deputado (23.jun)


O presidente mandou a Polícia Federal investigar o deputado Luis Miranda e o irmão dele, Luis Ricardo Fernandes Miranda. O ministro da Secretaria-Geral, Onyx Lorenzoni, e Elcio Franco, assessor especial da Casa Civil e ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, foram escalados para fazer a defesa do presidente. Elcio é um dos 14 investigados pela CPI


Empresa diz que preço para Brasil segue tabela (23.jun)


A Precisa Medicamentos, representante no Brasil do laboratório indiano Bharat Biotech, afirmou que o preço de US$ 15 por dose da vacina oferecido ao governo segue tabela mundial e é o mesmo praticado com outros 13 países


Governistas dizem que Bolsonaro repassou suspeitas a Pazuello (24.jun)


Senadores governistas da CPI afirmaram que o presidente pediu que Pazuello verificasse as denúncias envolvendo a compra da Covaxin assim que teve contato com os indícios


'Acusação é arma que sobra' (24.jun)


Bolsonaro fustigou integrantes da CPI, repetiu que não há suspeitas de corrupção em seu governo e afirmou que a acusação sobre a vacina é a arma que sobra aos seus opositores. "Me acusam de quase tudo, até de comprar uma vacina que não chegou no Brasil. A acusação é a arma que sobra", disse o presidente na cidade de Pau de Ferros, no Rio Grande do Norte


'Foi o Ricardo Barros que o presidente falou' (25.jun)


Em depoimento à CPI da Covid, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que é irmão do servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, afirmou ter alertado Bolsonaro. "A senhora também sabe que foi o Ricardo Barros que o presidente falou", disse o parlamentar à senadora Simone Tebet (MDB-MS). Segundo ele, Bolsonaro afirmou: "Vocês sabem quem é, né? Sabem que ali é foda. Se eu mexo nisso aí, você já viu a merda que vai dar, né? Isso é fulano. Vocês sabem que é fulano"


Governo suspende contrato com a Covaxin (29.jun)

Praticamente três meses depois da data em que os irmãos Miranda teriam alertado o presidente sobre possíveis irregularidades, o Ministério da Saúde decidiu suspender o contrato com a Precisa Medicamentos para obter 20 milhões de doses da Covaxin. Segundo membros da pasta, a decisão foi pela suspensão até que haja novo parecer sobre o caso. A pasta, porém, já avalia a possibilidade de cancelar o contrato.


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