A história vivenciada pelos londrinenses na legislatura passada da Câmara Municipal de Londrina está se repetindo: seis dos atuais 19 vereadores estão sendo investigados por atos irregulares e até crimes relacionados ao exercício do cargo.
No último mandato, nove vereadores foram denunciados pelo Ministério Público, sob a acusação principal de que formaram um esquema para extorquir empresários que precisavam de aprovações ou alterações de leis municipais. Praticamente todos os vereadores implicados no escândalo não se reelegeram, renovando a Câmara em 50%.
Diante das denúncias e das críticas da população, os atuais vereadores fizeram campanha em 2008 prometendo uma legislatura ética e combativa. Mas o que se vê é bem diferente disso. "Houve uma renovação numérica e não uma renovação qualitativa na Câmara de Londrina", disse o professor de sociologia Marco Rossi.
Para o professor, esse fenômeno da corrupção disseminada se repete porque o processo eleitoral não mudou. "O fisiologismo na política, o processo eleitoral comprometido, a estrutura interna da Câmara continuam os mesmos. Esses mecanismos facilitam a corrupção", avaliou. "Então, esses fatos chateiam, entristecem, mas não surpreendem".
Questionado sobre o número de políticos de Londrina envolvidos em condutos irregulares, o professor disse acreditar que "a cidade está extremamente mal representada politicamente". "Há muito tempo ninguém se destaca por condutas honestas, por boa ações e por liderança", comentou. "O nível da formação política dos políticos londrinenses está muito baixo".
Este baixo nível, de acordo com o sociólogo, torna os representantes mais suscetíveis à corrupção e as benesses – muitas vezes ilegais – trazidas pelo poder. "Mesmo os políticos vindos dos movimentos populares estão mais interessados em buscar salário, ascensão social, uma profissão e mesmo dinheiro", interpretou. "Busca-se mais o interesse privado do que o interesse comum, que deveria ser a finalidade da política".
Processo eleitoral
Para o doutor em filosofia Elve Miguel Cenci, que leciona na Universidade Estadual de Londrina, a reincidência dos problemas na Câmara Municipal se deve principalmente às práticas eleitorais, que continuaram as mesmas, apesar da renovação dos eleitos.
Um dos pontos sublinhados pelo professor é a quantia volumosa que a maioria dos candidatos investe para se elegera. "Um salário de 5 mil reais pode ser um bom salário para o cidadão, mas não o é para alguém que gastou tanto para se eleger. De algum lugar este vereador vai buscar recuperar seu 'investimento'", ponderou Elve Cenci.
Ele lembrou que a história eleitoral demonstra que durante a campanha "vale tudo" e a compra de votos é disseminada. No entanto, o professor destacou que os candidatos não são os únicos culpados no aliciamento dos eleitores. "Muitos eleitores têm visto o processo eleitoral como uma oportunidade de levar vantagem; se não ganham dinheiro com o trabalho de cabo eleitoral, o fazem com a garantia de que terão um cargo de assessor". Mas, muitos, não tem qualquer condição técnica para ocupar esses cargo; outros não têm mesmo vontade de ir ao trabalho.
A tolerância dos partidos com a corrupção e a quase certeza da impunidade também são fatores que permitem aos políticos a "elasticidade moral" e falta de cumprimento do dever legal. "Os políticos não têm cumprido nem o princípio da legalidade e, muito menos, o princípio da moralidade".
Pontos positivos
Em que pese a gravidade dos escândalos, eles têm pontos positivos, na avaliação de Elve Cenci, sendo o primeiro deles a eficácia da atuação do Ministério Público em Londrina. "É um instituição apolítica e que tem credibilidade. Mesmo tendo tantos casos de corrupção na cidade, vemos que Londrina serve de exemplo para outros municípios, porque os políticos são investigados".
Outro ponto de destaque é que as investigações têm – ou terão – um caráter pedagógico para a classe política, já que a maior parte dos envolvidos diretamente nos escândalos da legislatura passada não se elegeram. "Os atuais vereadores deveriam saber que o preço político a ser pago é alto; talvez os próximos (vereadores) aprendam isso".
Os casos
Estão sob a mira de investigação ou de ações os vereadores Paulo Arildo Domingues (PSDB), Rodrigo Gouvêa (PRP), Joel Garcia (PDT), Jacks Dias (PT), Tito Valle (PMDB) e Sandra Graça (PP).
Paulo Arildo
Acusado de "racha de salário" com assessores, ele responde por ato de improbidade administrativa. O vereador já foi afastado do cargo, mas obteve decisão judicial para retornar à Câmara.
Rodrigo Gouvêa
Responde duas ações civis e duas criminais e já esteve preso preventivamente porque estaria coagindo testemunhas. Ele é acusado de contratar assessores fantasmas, praticando peculato (desvio de dinheiro público) e de ter cobrado propina de empresário para aprovar projeto de lei.
A Câmara abriu uma Comissão Processante – que pode culminar com a cassação do mandato – para apurar esta segunda denúncia. Recentemente o Ministério Público instaurou procedimento para apurar uso do dinheiro da Câmara para enviar correspondências pessoais a cidadãos de Londrina.
Joel Garcia
É acusado de contratar assessora fantasma e ter utilizado o cargo para exigir do Executivo contratação de ex-cabo eleitoral no Procon. Responde ações civis e penais e esteve preso por 54 dias, porque estaria atrapalhando a instrução penal. Também já esteve afastado do cargo por decisão judicial.
Jacks Dias
Está sob investigação do MP, sob suspeita de ter recebido propina de empresa quando era secretário de Gestão Pública do ex-prefeito Nedson Micheleti (PT).
Tito Valle
Também está sob investigação da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público. Ele teria obrigado assessor a "rachar" o salário.
Sandra Graça
Está respondendo ação civil pública por improbidade administrativa já que teria contratado "assessor fantasma". Ele inclusive teria permanecido mais de três anos no Japão, tratando de assuntos pessoais, porém, recebendo dinheiro da Câmara Municipal de Londrina.