O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) viajou a São Paulo no fim de semana para assistir ao jogo do Palmeiras, no Allianz Parque. Depois de ver o time derrotado, ele foi à casa do ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten para comer esfiha, cachorro-quente e pizza com amigos.
Numa mesa redonda em que estavam dois de seus advogados, Paulo Cunha Bueno e Daniel Tesser, além de vereadores e políticos como o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), o ex-presidente conversou com a coluna sobre seu julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que recomeça nesta terça (27).
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Contido para seus padrões de espontaneidade, Bolsonaro admitiu a possibilidade de ficar inelegível e só falou de seus sentimentos sobre a situação depois de alguma insistência.
Disse que, mesmo fora da urna, pretende seguir na vida pública, falou sobre possíveis sucessores políticos e admitiu que pode passar um tempo fora do Brasil. Leia, abaixo, os principais trechos da conversa.
PERGUNTA - O senhor passou quatro anos intensos no poder.
JAIR BOLSONARO - [Ligado] No 220, desencapado.
P - Mas agora o senhor perdeu a eleição e provavelmente vai se tornar inelegível. Qual é o seu sentimento?
JB - A tendência, o que todo o mundo diz, é que eu vou me tornar inelegível.
P - Sim. Mas eu queria insistir: o senhor está triste? Ou animado para brigar?
JB - Eu não vou me desesperar. O que que eu posso fazer?
Mas qual é o seu sentimento? Eu sou imbrochável até que se prove o contrário. Vou continuar fazendo a minha parte.
P - O senhor acha que pode reverter a inelegibilidade no futuro?
JB - [silêncio por alguns segundos] Olha, eu conheço a composição das cortes superiores [que mudam com o tempo, e de acordo com os governos, que indicam seus integrantes]. Que é possível, é.
Agora, quando a gente fica sabendo que uma autoridade importante usando um pleonasmo abusivo aíbate no peito e fala: "Salvamos a democracia ano passado"... se salvou foi com interferência.
Desde janeiro de 2019 falaram que eu ia dar o golpe: "Vai dar o golpe, vai dar o golpe". "Olha, botou militar". Eu botei gente que era do meu círculo de amizade. Se eu fosse petista, ia botar ladrões lá.
P - O senhor obviamente vai seguir na vida pública.
JB - Olha só, eu fico até... Eu estava no CPAC [evento que reúne as maiores lideranças da direita do mundo] em março, lá nos EUA.
Eram mais de mil pessoas, o Trump estava. Quem ficou na frente inclusive pagou US$ 5.000. Eu não paguei porra nenhuma [risos].
Falei de improviso. Daí um macho lá gritou: "Eu te amo". Na terceira vez que ele gritou, eu falei: "Eu sou o ex mais amado do Brasil, sabe" [risos].
E está acontecendo a mesma coisa aqui no Brasil. Eu estive agora dois dias em Porto Alegre. É um negócio que eu fico até... sai lágrimas dos meus olhos [de ver] como o pessoal gosta de mim. Quem sou eu?
A minha esposa [Michelle Bolsonaro] agora está fazendo um trabalho fantástico. Ela estava lá em Ji-Paraná, em Rondônia [na semana passada, em evento do PL Mulher].
Ela aprendeu [a discursar em atos políticos]. Eu não conhecia esse lado dela. Na convenção do PL no ano passado [em que Michelle discursou], todo mundo se assustou. Ela não foi treinada, nada.
MICHELLE CANDIDATA
P - Ela pode ser candidata a presidente da República?
JB - Se ela quiser, ela pode sair candidata. Mas o que eu converso com a Michelle é que ela não tem experiência. Para ser prefeito de cidade pequena já não é fácil. Lidar com 594 parlamentares [entre deputados e senadores] não é fácil também. Eu acredito que ela não tem experiência para isso.
Mas é excelente cabo eleitoral.
Eu vi na imprensa que abriram um processo sobre despesa da dona Michelle [que eram pagas pelo coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro]. Me aponte, porra, uma despesa.
Ela comprou um vestido, comprou um sapato, uma merda qualquer? Aponte. Não tem.
Se você pegar meu extrato bancário, todo o saldo meu é maior do que as nossas despesas. Ele sacava o dinheiro da minha conta, e pagava.
P - E por que o senhor não fazia os pagamentos diretamente?
JB - É [pagamento para] manicure, é não sei o quê, umas frescuradas todas. Então era para não entrar meu nome lá e não ficar toda hora usando o meu cartão. Daqui a pouco eu tô pagando algo para um cara que tem problema. Se eu boto Pix para um cara que cuida de cachorro, por exemplo, mas está também na boca de fumo?
TARCÍSIO CANDIDATO
P - Outro possível candidato da direita, caso o senhor fique inelegível, é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
JB - Ele é um excelente gestor.
P - O senhor o apoiaria?
JB - Pode ser. Teria que conversar com ele.
P - Mas, se não for ele, quem seria?
JB - Não, isso, não. Por enquanto Eu tenho a bala de prata, mas não vou te dizer, para você não ficar perturbando, no bom sentido. Eu tenho a bala de prata, mas não vou revelar.
P - O sr. tem a bala de prata para
JB - Para [as eleições de] 2026. O que nós plantamos ao longo de quatro anos não foi blábláblá. Eu fui para o meio da massa, bafo na cara, arriscando levar um tiro, uma facada. A gente trouxe o pessoal para acreditar no seu país.
P - O que o senhor vai fazer imediatamente depois que o TSE der o veredicto? Vai viajar pelo Brasil? Pode viajar para fora do país?
JB - Eu não vou me desesperar. Com um julgamento justo, serei absolvido por unanimidade e seguirei elegível.
NOS EUA
P - O senhor fica no Brasil de qualquer forma?
JB - Eu tenho um convite para trabalhar nos Estados Unidos. Lá vivem, eu calculo, 1.4 milhões de brasileiros. Não sei o número exato.
P - Mas um convite para fazer o que?
JB - Fui convidado para ser garoto propaganda lá.
P - É sério? De que?
JB - De venda de imóveis. Ih, um montão de coisa. Quando cheguei lá [em janeiro], eu saía de casa e tirava umas 400 fotografias. Fui numa hamburgueria e encheu de gente. Eu enchi a pança e não paguei nada. [risos]. O meu cachê foi comer de graça.
P - Mas o senhor admite a hipótese de morar fora do Brasil?
JB - Pode ser. Mas eu não quero abandonar meu país. Tenho parentes aqui. Tenho uma filha aqui. Se eu for, vai a família toda embora. Mas mesmo assim. Eu fiquei três meses lá e não tem terra igual à nossa aqui. Esse clima aqui de, quando está no bolo, fala besteira, conta piada de tudo que posso imaginar. É bacana. Lá você não tem muito isso aí.
JULGAMENTO NO TSE
"O que a gente sabe sobre o julgamento é pela imprensa.
O [ministro] Alexandre [de Moraes] teria já enquadrado todo mundo para não pedir vista [quando um ministro requer mais tempo para analisar o processo, protelando a decisão].
O Michel Temer, quando era presidente da República, em 2017, foi julgado no TSE e foi mantido no cargo, com voto de minerva do ministro Gilmar Mendes. Que disse, na época, que a Justiça Eleitoral não existe para cassar o mandato de ninguém. Muito menos de presidentes.
Mas a jurisprudência de 2017 já não vale, [e o julgamento no TSE] é de acordo com a cara do freguês.
Eu botei gente [militares] que era do meu círculo de amizade. Se eu fosse petista, ia botar ladrões lá.
ex-presidente do Brasil"
REUNIÃO COM EMBAIXADORES
JB - Na reunião com embaixadores [em que colocou em dúvida a segurança das urnas eletrônicas e a imparcialidade de magistrados do TSE], eu não ataquei o sistema eleitoral. Eu mostrei como é o sistema eleitoral. Eu perguntei "alguém tem esse sistema no seu país"? Não tem. A Alemanha já adotou. E depois viu que não era confiável.
E querem me punir também pelo conjunto da obra.
Tem certos absurdos. Botaram na ação do TSE até o 8 de janeiro, que ainda está em investigação, inclusive em uma CPI.
Agora na Rússia teve um levante, do grupo Wagner. Foram dezenas de milhares de homens armados para um lado e para o outro, com tanques nas ruas.
No Brasil o golpe foi de senhorinhas com uma Bíblia debaixo do braço. De senhorzinhos com a bandeira do Brasil nas costas.
P - Houve coisas mais assustadoras do que isso, como pessoas derrubando ônibus de viaduto em Brasília e tentando explodir bombas em aeroportos, além de pedir intervenção militar nos quartéis e invadir e depredar as sedes dos poderes.
JB - Aquele é um imbecil [referindo-se ao gerente de posto de gasolina preso por ter colocado um artefato explosivo nas imediações do aeroporto da capital federal]. Ninguém apoia um negócio daqueles. Ninguém apoia entrar lá [nas sedes dos poderes] para depredar patrimônio público.
Aquela imagem do cara com a minha camisa quebrando um relógio no Palácio do Planalto [no 8 de janeiro], por exemplo: a informação que chegou para mim é que foi o núcleo lá do Lula que mandou divulgar aquela cena.
Depois apareceram imagens do general GDias [Gonçalves Dias, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, o GSI, de Lula] circulando ao lado de pessoas chutando portas [ele foi posteriormente demitido].
Está mais do que comprovado que o quebra-quebra foi do pessoal deles [apoiadores do atual governo].
O quebra-quebra não foi feito pelo pessoal que estava acampado [no QG do Exército em Brasília]. Uns cem ônibus chegaram na cidade naqueles dias, e alguns vieram com esse intuito de quebra-quebra.
Agora, a esquerda aproveitou, né? Posaram de democratas.
GOLPE, EU?
JB - Se fala em golpe no Brasil desde 1964. Não é de agora. Sempre alguém fala que tem que ter medida de força, tem que ter não sei o que lá. Mas, quando acabaram as eleições, eu mergulhei. Se alguém acreditou [que seria dado um golpe]... Porque qualquer medida de força, você tem que pensar no "after day" [em como ficaria a situação do país no dia seguinte]. A coisa mais fácil é tomar alguma coisa [o poder] estando no governo. Mas e o "after day"?
P - O jornal Financial Times publicou uma longa reportagem sobre uma campanha que autoridades do governo de Joe Biden, dos EUA, teriam feito, nos bastidores, em defesa da democracia no Brasil. Eles estariam preocupados com um golpe no país. Mandaram algum recado para o senhor?
JB - Não, para mim não. Eu nunca recebi recado. Mas não é de agora que eu falava em voto impresso. Desde 2010, eu tinha ações no parlamento sobre isso.
Quando me reuni com os embaixadores, falei que deveríamos manter um sistema [eleitoral] transparente. Porque a pior coisa que pode acontecer é acabar uma eleição e existir uma suspeita. Ninguém falava em fraude.
Tem essa matéria do Financial Times agora [em que autoridades do governo norte-americano de Joe Biden dizem]: "Olha, nós não tivemos nem de um lado, nem de outro [referindo-se às candidaturas de Bolsonaro e Lula]. Nós buscamos a transparência no Brasil, a democracia".
Agora, qual foi o comportamento do Tribunal Superior Eleitoral durante as eleições?
P - O senhor segue achando que ganhou as eleições?
JB - Não, eu não falo mais nada [sobre isso]. Página virada.
PANDEMIA
P - O senhor se arrepende de alguma atitude na pandemia?
JB - Eu falaria menos com vocês da imprensa
P - Mas o senhor não falava com a imprensa. Só falava ali no cercadinho. Falaria ainda menos?
JB - Menos, porque tudo é distorcido. Falaria menos para ter menos problema.
MEDO DE FALAR
Tem assuntos no Brasil que até vocês, jornalistas, se falarem, vão para a cadeia: urna, vacina e o PL da censura [referindo-se ao projeto de combate às fake news].
Tem muito deputado hoje com medo de ocupar a tribuna.
Até 2001, a Constituição dizia, no artigo 53, que deputados e senadores são invioláveis por suas palavras. Ainda dava confusão. Então o Congresso aprovou a inclusão do pronome "quaisquer" palavras. O que é quaisquer? É quaisquer! Você é gorda, feia, cabeluda, bonita, não sei o que mais.
Posso te falar tudo isso, e você pode me processar por calúnia, difamação. Mas cassar o meu mandato, não. Me prender, não.
Se o deputado quiser defender o fim da Lei Áurea, ele pode. Ninguém vai bater palmas para ele, "olha o maluco lá". Mas é um direito dele. Se ele quiser falar contra ou a favor da Rússia, ele pode. Se ele quiser falar "dá golpe ou não dá golpe", eu entendo que ele pode.
É a liberdade do cara. É melhor o maluco falando do que conspirando. Agora, esse pronome, "quaisquer", não vale mais.