Polícia

Polícia investiga incêndio em restaurante como estelionato; proprietário nega envolvimento

12 jul 2024 às 14:34
A delegacia de estelionados de Londrina deu sequência às investigações sobre o incêndio no restaurante de temática medieval Mellwic, ocorrido em 3 de janeiro, na zona sul do município. De acordo com o delegado Edgard Soriani, há indícios de golpe do seguro. Um dos proprietários do restaurante, Ricardo Willian de Jesus aponta que há fatos não veiculados e que a polícia está "supostamente sendo parcial".


O delegado ressalta que as investigações estão em estágio inicial, mas que um fato em específico levantou suspeitas sobre o suposto golpe: o alarme do estabelecimento foi desligado para o incendiário entrar. Soriani ainda informou que o veículo corsa de cor prata e sem placa, que foi gravado saindo do estabelecimento em alta velocidade, ainda não foi identificado.


Desde janeiro, o caso esteve sob o comando do delegado Bruno Trento, do 5° Distrito da Polícia Civil, que colheu depoimentos de testemunhas e ex-funcionários. Jesus afirma que não foi ouvido por Trento, "apenas por um escrivão".


Ações suspeitas


Um ex-funcionário, que pediu para não ser identificado, relatou à reportagem acontecimentos do dia a dia na Mellwic. Segundo ele, algumas atitudes de Jesus são passíveis de questionamento. O ex-funcionário afirma que viu uma impresora 3D, de alto valor, sendo retirada do local dias antes do incêndio acontecer.


Ele também confirma que todos os funcionários receberam folga um dia antes do incêndio, o que não era esperado. "Vi com estranheza, pois, se até no dia 25 de dezembro ele insistiu para abrir, por que fechar de repente no dia 2? No dia 3, acordei com a notícia do incêndio", conta.


O proprietário da Mellwic confirmou à reportagem que a impressora 3D foi retirada do local "porque o trabalho da impressora terminou no restaurante" e por "ocupar duas vagas no estacionamento". 


Ele ainda diz que o equipamento pertence a outra empresa, a qual ele também é dono. Quanto à data de retirada, ele discorda do ex-funcionário, limitando-se a dizer que foi "tempos antes".


Jesus também explica a folga dada aos funcionários no dia 2 de janeiro. "O gerente me mandou uma mensagem no dia 1° de janeiro, dizendo que ele e mais alguns não iriam trabalhar no dia 2. Eu discordei da fala dele", argumenta.


No mesmo dia da folga, o restaurante foi furtado. O proprietário, então, registrou um BO (Boletim de Ocorrência), denunciando a ausência de eletrônicos e insumos. Ao presenciar a situação, ele afirma ter passado mal.


"Cheguei à empresa por volta de 12h e não havia nenhum funcionário. Quando entrei, percebi que tinha algo de errado. A porta estava arrombada e diversos itens haviam sumido", relembra.


Jesus ainda acusa o seu ex-gerente de desrespeitar os comandos dados pelo advogado da empresa após o furto. Segundo ele, o advogado deu uma ordem expressa para o gerente não ir ao restaurante naquele dia, o que, segundo ele, não foi obedecido.


A reportagem procurou o ex-gerente, mas ele não repondeu aos contatos.


Questionamentos do proprietário


O proprietário da Mellwic questiona os métodos utilizados pelo delegado Trento nas investigações iniciais do incêndio. Ele diz não entender o porquê dos ex-funcionários não estarem sendo investigados. 


"Uma ex-funcionária, que saiu em 2023, foi prestar depoimento um dia após o incêndio sem ter sido intimada. Ou seja, foi de própria vontade. Após isso, essa ex-funcionária foi às redes sociais comemorar o incêndio", acusa.


A reportagem teve acesso ao print da tela da suposta comemoração. Na imagem é possível ler a seguinte frase: "Agora me deem licença. Voltarei à programação normal de início de ano: férias". Em seguida, outra frase: "Não. Não esperem de mim comentários públicos sobre um certo crime de incêndio".


A ex-funcionária foi procurada pela reportagem. Ela explana que não está sendo investigada "porque não há o que investigar", ressaltando que não tem nada a ver com o incêndio.


"Não tem porquê eu comemorar algo que impacta diretamente em mim, afinal tenho um processo trabalhista contra eles e meu desejo sempre foi que o negócio continuasse aberto para que eu pudesse receber aquilo que me foi prometido", explica.


Também foi apurada a informação sobre o processo trabalhista da ex-funcionária. A Justiça do Trabalho condenou a Mellwic a pagar parte do valor pedido pela reclamante, sendo a outra parte dispensada por falta de provas. 


O dono da Mellwic não teve acesso ao dinheiro do seguro até o momento. O delegado Bruno Trento foi procurado para esclarecer sobre a investigação, mas não atendeu aos contatos.


Direitos trabalhistas 


A polícia investiga diversas vertentes sobre o ocorrido. Um fato relevante que pode dar novos rumos às investigações é a suposta falta de pagamento de direitos trabalhistas aos funcionários da Mellwic. 


A reportagem apurou com ex-funcionários do local que a empresa não pagou o salário relativo a dezembro de 2023, mês anterior ao incêndio. Além disso, os ex-funcionários comprovaram não ter recebido depósitos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) relativos a outubro, novembro e dezembro.


Jesus, o proprietário, confirma que não pagou os salários de dezembro, já que a apólice de seguros prevê a cobertura de despesas fixas. "Passei a responsabilidade para a seguradora. Então, quem não pagou foi ela."


Quanto ao FGTS, Jesus questiona a veracidade das informações. Ele afirma que "os funcionários foram desligados por motivo de força maior, o que a legislação trabalhista prevê".


Golpe raro


O chefe da Polícia Científica de Londrina, Luciano Bucharles, reforça que, por muitos anos, diversos incêndios criminosos ligados a empresas com seguros de alto valor - denominados como supostos golpes do seguro - aconteceram no município.


"Quando chegamos aqui, no início da década de 1990, existiam muitos incêndios com apólices de seguros altos, especialmente de comércios, indústrias e lojas. A gente atendia muitos [casos] naquela época. Todos com seguro e em incêndios criminosos", relembra.


Bucharles ressalta que a intensa atuação da criminalística sobre os crimes ajudou a tornar rara a tentativa do golpe em Londrina. "Conforme nós fomos resolvendo os casos, os crimes foram diminuindo. E praticamente esse tipo de incêndio não foi verificado mais com frequência, especialmente nos últimos dez anos", conclui o perito.



O Incêndio criminoso


O incêndio ocorreu por volta das 10h do dia 3 de janeiro. Enquanto o fogo se alastrava pelo restaurante, uma testemunha denunciou que um veículo em alta velocidade deixou o local. A testemunha também presenciou os galões de álcool pegando fogo dentro do estabelecimento.


O Corpo de Bombeiros utilizou cerca de oito mil litros de água para conter as chamas, que se propagaram com facilidade devido à grande quantidade no local de materiais inflamáveis, sejam os que faziam parte da decoração do ambiente ou os posicionados de maneira criminosa, como os galões de álcool.


A Polícia Científica confirmou, em 24 de janeiro, que o incêndio foi intencional. Na época, o perito Bucharles atestou que a ação foi planejada para destruir a estrutura de maneira rápida e certeira. 


“O incendiário fez isso para acelerar o incêndio e intensificar o fogo. Ou seja, quando se faz isso, além de o fogo agir muito mais rápido, ele é muito mais forte. Isso indica que a pessoa queria uma destruição rápida e total do local."


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