Com capacidade de 28.232 vagas, as unidades prisionais do Paraná concentram uma população carcerária de 37.246 detentos, segundo dados atualizados na última quinta-feira (28) pelo Deppen (Departamento de Polícia Penal). O excedente superior a nove mil presos agrava os problemas no sistema penal e expõe os encarcerados a condições precárias que violam os direitos humanos e a própria Lei de Execução Penal, que dispõe sobre as condições para o cumprimento das sentenças, incluindo os direitos garantidos às pessoas privadas de liberdade, como assistência à saúde e alimentação adequada.
Entregue há dois anos, a PEL 3 (Penitenciária Estadual de Londrina), tinha como principal objetivo reduzir a superlotação nas prisões da região. Mas, passado este tempo, o excesso de presos continua no mesmo patamar. São 6.905 pessoas encarceradas para um total de 4.750 vagas.
Vez ou outra, a precariedade do sistema penal e a vulnerabilidade dos detentos são alvos de denúncia de entidades de promoção dos direitos humanos que funcionam como porta-vozes de quem dispõe de poucos meios para se fazer ouvir. Mas recentemente, um dos detentos que vivem nas unidades prisionais da região de Londrina decidiu quebrar as barreiras que impõe o silêncio entre a população encarcerada e falou mais alto. Ele redigiu uma carta endereçada ao diretor-geral da Polícia Penal do Paraná, Reginaldo Peixoto. Uma cópia dessa carta chegou até a reportagem da FOLHA.
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O detento enumerou uma série de violações de direitos enfrentada pela comunidade carcerária da PEL 3, onde ele cumpre pena. A lista é longa e mais do que uma denúncia, é um pedido de socorro.
A principal queixa expressa na carta refere-se à dificuldade de assistência médica. Segundo o detento, eles estão “há vários meses sem atendimento e também com falta de medicamentos”. O acesso à saúde, disse ele, só é liberado “em casos extremos”. Ele também reclama da alimentação que, desde o ano passado, estaria apresentando problemas. O arroz e o feijão são servidos crus e sem o devido cuidado no preparo. No feijão e na salada, já foram encontrados pedaços de plástico, de madeira e até caramujos.
A lista de problemas segue e inclui criadouros do mosquito Aedes aegypti que estariam sendo mantidos em vasos sanitários instalados a céu aberto no pátio de sol da unidade prisional. O detento relatou que os próprios presos já se ofereceram para fazer a limpeza do local, mas não tiveram autorização da direção do presídio que se comprometeu a remover os focos de dengue, mas não o fez.
Estão na lista ainda a falta de itens de higiene pessoal que estariam sendo distribuídos em quantidade insuficiente para atender a todos os presidiários. A cota de creme dental, sabonete e papel higiênico, que já era pouca, nos últimos meses diminuiu e como nem todos os detentos recebem o kit, mesmo com o compartilhamento entre eles os suprimentos não chegam a todos. As celas, com capacidade para abrigar quatro detentos, estariam com dez pessoas em cada uma, mas o cálculo dos produtos de higiene estaria sendo feito como se não houvesse superlotação. O corte, afirmou o preso, teria iniciado a partir deste ano e a reivindicação é que as quantidades sejam revistas pelo sistema prisional.
Por fim, o detento reclama do corte de água. Diariamente, das 22 às 5 horas, o abastecimento é suspenso. “Não conseguimos entender o porquê disso. Chegamos a passar mal de tanto calor”, disse ele, mencionando ainda a dificuldade de manter a higiene na cela no período noturno, obrigando os presos a conviverem com o mau cheiro.
Afronta à lei e aos direitos humanos
Além de contrariarem o que preconizam os direitos humanos, os problemas relatados pelo detento da PEL 3 violam também a Lei de Execução Penal que, no artigo 41, dispõe sobre os direitos dos presos, que incluem alimentação suficiente, assistência material e à saúde.
Orgãos e entidades que atuam na assistência a essa população e a seus familiares afirmam que situações como a relatada pelo detento não são um caso isolado, mas uma condição comum a todos os presídios. E há um consenso entre eles de que nos últimos anos o desrespeito à população carcerária vem se agravando no Estado.
Membro do Movimento Nacional dos Direitos Humanos no Paraná, Carlos Enrique Santana lembra que é dever do condenado pagar pelo crime cometido, porém “em condições humanas de sobrevivência”, com acesso à saúde, higiene e alimentação de qualidade. “Você está tirando a liberdade e não o direito à vida, que é inalienável. Não se brinca com a vida humana.”
Santana ressaltou que a partir do momento em que uma pessoa é privada de sua liberdade e vai para uma unidade prisional pública, o Estado torna-se responsável pela sua vida. “Todo o mal que acontecer a esse cidadão, o gestor público é obrigado a responder, inclusive juridicamente. O Estado, a sociedade, são responsáveis pelo cidadão encarcerado. Se o preso está sujo, se a alimentação é de má qualidade, tem de responsabilizar alguém e o responsável é o Estado.”
“Conheço a realidade do sistema. Eu era servidora pública, trabalhava no sistema penal, isso tudo não é novidade”, disse a coordenadora da Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Londrina e da Regional Sul 2 da questão da mulher presa, Cristina da Silva Souza Coelho. Ela avalia que houve um “endurecimento” do sistema penal no Paraná nos últimos anos. “Hoje, existe uma preocupação com a questão da segurança e dentro dessa perspectiva, que é louvável, se deixou de lado a outra vertente que é pensar no tratamento das pessoas que estão lá.”
Priorizar os investimentos em repressão em detrimento da ressocialização e reintegração, comentou Coelho, aumentou a invisibilidade dessa população. “São recorrentes as denúncias de alimentos sem condições de consumo, mas a voz dos presos não é ouvida. Nem a deles nem a de seus familiares. Embora a lei diga que a prisão só priva o cidadão do direito de ir e vir, eles têm muitos outros direitos negados, como o de atendimento de saúde digno, respeitoso, em um espaço físico que lhe garanta dignidade. A estrutura dos presídios é torturante.”
Coelho diz que mesmo nas unidades onde há uma direção preocupada em oferecer condições menos degradantes aos detentos, esse interesse esbarra na falta de autonomia. Com o seu trabalho na pastoral, ela atua em favor da justiça restaurativa e se coloca em uma posição de escuta e acolhimento, especialmente das famílias dos encarcerados. Quando possível, cuida de encaminhar as queixas e denúncias aos órgãos e autoridades competentes.
Para Santana, o problema não é o enrijecimento da gestão do sistema penal, mas a corrupção instalada nos órgãos responsáveis pelos cuidados com os detentos, aliada à falta de profissionais com visão mais humanizada para a questão. “Não houve um endurecimento. O sistema faliu mesmo”, disse. “É preciso colocar gestores do serviço público com mais dignidade e seriedade. Se não tiver uma gestão dos recursos com qualidade e sem corrupção, vai ter sempre um Estado podre como o nosso”, afirmou ele, que também aponta a falta de fiscalização de órgãos como o Ministério Público, a Defensoria Pública e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
A OAB-Londrina informou que quando recebe denúncias dessa ordem, encaminha para estudo e elaboração de parecer para a Comissão de Direitos Humanos da Subseção. "Apresentada análise pela comissão, são˜deliberadas pela diretoria as eventuais providências ali indicadas", diz a nota. A reportagem não conseguiu contato com os demais citados.
Deppen diz que está tudo bem
Procurado pela reportagem, o Deppen negou, por meio de sua assessoria de imprensa, a ocorrência dos problemas relatados na carta redigida pelo detento. Disse que há atendimento ambulatorial dentro da unidade penal e que o fornecimento de medicamentos segue normalmente. Quando há necessidade de encaminhamento para uma especialidade, esse atendimento é feito pelo SUS.
Em relação à alimentação, o fornecimento é terceirizado e antes de ser servida aos presos, a comida é avaliada por uma comissão capacitada.
Sobre os criadouros de dengue que estariam sendo mantidos dentro da unidade prisional, o Deppen disse estar atento às medidas de prevenção contra a dengue e que a limpeza do pátio de sol é feita diariamente após o uso por presos que trabalham na faxina em troca da remissão de pena.
E a respeito do envio das sacolas, todos os detentos recebem individualmente, a cada 15 dias, de seu familiar, os itens pré-estabelecidos conforme portaria interna da Polícia Penal, padronizada em todo o Estado. A instituição também fornece alguns itens aos presos.
A única queixa confirmada pelo Deppen foi o corte no abastecimento de água entre as 23 horas e as 5 horas. Segundo o órgão, a medida é adotada para garantir a pressão da água fornecida durante o dia e evitar o desperdício. “Além disso, nesse período da madrugada, não é necessária a realização de limpeza nas celas, pois, teoricamente, as PPLs (pessoas privadas de liberdade) devem estar dormindo".
O Deppen não respondeu se o diretor-geral da Polícia Penal do Paraná, Reginaldo Peixoto, recebeu a carta.
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