Em nota oficial enviada à imprensa nesta quarta-feira, o Ministério da Saúde repudiou o que considerou "atitude irresponsável do Vaticano e da ala conservadora da Igreja Católica", que lançaram dúvidas sobre a eficácia da camisinha na prevenção à aids.
Leia a íntegra da nota oficial:
"O Ministério da Saúde, através do Programa Nacional de DST e Aids, vem a público repudiar a atitude irresponsável do Vaticano e da ala conservadora da Igreja Católica, que mais uma vez, e sem nenhum respaldo científico, lançam dúvidas sobre a eficácia do preservativo como barreira à transmissão do HIV.
Na mesma semana em que a Unaids – órgão da ONU para as políticas de controle da aids no mundo – divulga dados alarmantes sobre o crescimento da epidemia entre os jovens, informando que a cada 14 segundos um adolescente contrai o HIV, a Igreja presta um "desserviço" ao mundo afirmando que os poros do preservativo são maiores do que o vírus da aids.
Essa argumentação da Igreja, em defesa da abstinência sexual como forma mais eficaz de se evitar a aids, foi derrubada pela primeira vez em 1992, pelo National Institute of Health dos Estados Unidos. O instituto fez testes específicos para examinar a porosidade do látex usado na fabricação do preservativo, que foi ampliado duas mil vezes e observado com um microscópio eletrônico. Nenhum poro foi encontrado.
Outro estudo examinou as 40 marcas de preservativos comercializadas em todo o mundo, ampliando-as 30 mil vezes, mesma proporção que possibilita a visão do HIV. E nenhum poro foi encontrado. Portanto, o risco de o HIV passar por poros do preservativo é praticamente zero. Não existe barreira mais segura.
Estudo mais recente feito pela Universidade de Wiscosin (EUA) demonstra que o uso correto e sistemático do preservativo em todas as relações sexuais apresenta uma efetividade acima de 95% na prevenção à transmissão do vírus. O estudo concluiu que, mesmo usado de forma inconstante, o preservativo oferece 10 mil vezes mais proteção contra o vírus da aids do que a não utilização do mesmo.
O estudo mais convincente sobre a efetividade do preservativo na prevenção da aids foi feito pela cientista Isabelle de Vincenzi, do Centro de Estudos Europeu de Transmissão Heterossexual, em sete países europeus. O trabalho foi realizado com 124 casais em que um dos parceiros estava infectado pelo HIV e o outro não. Em 15 mil relações sexuais, tanto vaginais quanto anais, não houve nenhum caso de transmissão do HIV do homem para a mulher.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o uso do preservativo como "a única prática efetiva na defesa contra a aids sexualmente transmitida". Esse posicionamento foi ratificado em um documento oficial publicado na Internet em junho de 2000, onde a OMS reafirmou que o preservativo masculino é o único método que, comprovadamente, reduz o risco de todas as infecções sexualmente transmissíveis , inclusive o HIV.
Deixar de usar o preservativo porque ele supostamente não oferece uma segurança total seria o mesmo que defender a extinção de vacinas, porque elas também não imunizam 100% contra determinadas doenças. No entanto, sem elas a humanidade inteira já teria sido extinta. E é o que vai acontecer com a África, por exemplo, se políticas de prevenção e de tratamento não forem postas em prática imediatamente, para conter a transmissão do vírus da aids, que já atinge, em alguns países, mais de 50% da população.
O papel da Igreja é agir no campo moral e religioso, mas não no científico. Ela não pode por em risco os avanços obtidos na luta contra a aids, que não é uma tragédia ainda maior pelo estímulo ao uso consistente do preservativo nos países que executam políticas de saúde pública voltadas para a prevenção, e não somente para o tratamento. É o caso do Brasil, que vem conseguindo grandes sucessos no controle da epidemia e cujo modelo adotado é exemplo para o mundo.
Temos que lembrar que a vacina contra a aids ainda está longe de ser descoberta. Não dá para propor abstinência sexual ao mundo enquanto isso não acontece. É preciso encarar sem nenhum preconceito ou juízo de valor a realidade do comportamento sexual das pessoas. Do contrário, qualquer instituição que fale contra o uso do preservativo como forma eficaz de prevenção deve assumir a responsabilidade de estar pondo em risco a sobrevivência da humanidade."