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Japão tem falta de leitos, e milhares se isolam em casa

Juliana Sayuri - Folhapress
21 fev 2021 às 13:43

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No dia 1º de fevereiro, Mayumi, 50, sentiu-se mal e teve febre de 38°C. Ela ligou para o centro de saúde da cidade de Toyohashi, a 283 km de Tóquio, para relatar os sintomas e verificar a possibilidade de realizar o teste para Covid-19. Do outro lado da linha, a atendente perguntou se ela havia tido contato com alguém infectado. "Não que eu saiba", respondeu.


Logo depois, ela foi ao centro de saúde, conforme orientação que recebeu, mas a realização do exame não foi autorizada. "Disseram que, diante do aumento de casos, eles não estavam fazendo nem PCR [exame para detectar coronavírus] nem teste de influenza. Disseram para procurar uma clínica particular se quisesse ser testada."

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Diante da disparada de casos e da sobrecarga do sistema médico no Japão, que desde o fim de novembro atravessa a terceira onda de infecções, pessoas com sintomas de Covid-19 estão enfrentando encruzilhadas como esta: escolher entre pagar para descobrir se estão infectadas e realizar quarentena por conta própria ou seguir a vida, sob o risco de expor outros ao vírus.

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Mayumi preferiu saber. Dirigiu até uma clínica e foi atendida dentro do carro, onde mediram seus níveis de oxigênio e temperatura e colheram seu sangue. Ao todo, graças ao seguro, ela desembolsou cerca de 3.000 ienes (R$ 150).

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Mário, 45, por outro lado, preferiu não saber. "Tive todos os sintomas, inclusive a perda do paladar", diz. Entretanto, ele decidiu se isolar e esperar a recuperação em sua casa, na Tóquio. "Está uma caça às bruxas, inclusive entre brasileiros", relata ele, radicado há quase 20 anos no Japão.


O caso da estudante vietnamita Kim, 20, foi mais grave. Ela se sentiu muito mal na manhã de 23 de dezembro, com dor de cabeça e no corpo todo. No dia seguinte, véspera de Natal, piorou: teve tontura, dor de garganta terrível e uma febre na casa dos 38,3°C. No dia 26, quando perdeu o paladar e o olfato, decidiu procurar ajuda. Primeiro, foi a uma clínica particular, onde o teste custava 40 mil ienes (R$ 2.000).

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Depois, decidiu ligar para um centro de saúde para relatar os sintomas e pedir o teste. O sistema estava tão sobrecarregado que ela só conseguiu ser atendida por telefone na manhã do dia 27. No centro de saúde, ela passou por raio-X, teste de influenza e PCR -ao todo, pagou 8.000 ienes (R$ 410). O resultado positivo para Covid-19 veio após 15 minutos de espera.


Ela foi medicada e orientada a voltar para casa e esperar por uma ligação da central para saber se deveria ficar em casa ou dar entrada em um hospital ou hotel, onde alguns pacientes com casos leves de Covid-19 estão sendo acomodados para evitar espalhar o vírus. Como Kim divide a casa, hotel era a alternativa mais provável. À noite, ligaram e indicaram que, no dia 29, ela deveria se dirigir ao hotel em Ikebukuro para um isolamento de quatro dias.

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Kim se recuperou e voltou para casa no dia 2 de janeiro, mas a marca ficou. "Minha colega de apartamento ficou brava quando voltei do hotel. 'Por que você está em casa? Você não devia ter voltado', ela me disse e brigamos."


Mayumi, Mário e Kim são nomes fictícios. Isso porque, além da falta de leitos e das limitações para testes, há um estigma com relação a pessoas com suspeita, sintomas e diagnóstico de Covid-19 no Japão.

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No arquipélago, 67% temem mais o estigma social do coronavírus do que os riscos para a saúde, indicou uma enquete do jornal Asahi Shimbun, realizada entre novembro e dezembro de 2020 e divulgada em janeiro de 2021.


No início do ano, uma jovem, na casa dos 30 anos, foi encontrada morta em seu apartamento, em Tóquio. Ela teve diagnóstico do vírus, mas estava assintomática e, por isso, tratava-se em casa. "Sinto muito por causar transtorno a outras pessoas", dizia o bilhete que ela deixou.

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Tratar-se em casa se tornou uma indicação de praxe a pacientes assintomáticos ou com sintomas leves, o que também traz riscos. Em dezembro, morreram 56 pessoas em tratamento domiciliar, de acordo com a Agência Nacional de Polícia. Em janeiro, foram 132. Até 10 de fevereiro, foram 7, todos idosos.


Neste mês, o governo japonês instituiu um tipo de "ministro da solidão" para dar assistência a pessoas isoladas em casa, principalmente idosos, 28,7% da população -a maior do mundo em proporção. Em alta, o suicídio é uma das principais preocupações da pasta, coordenada por Tetsushi Sakamoto.

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Entre estigma, silêncio e solidão, há uma série de singularidades no enfrentamento à Covid-19 no Japão. Desde dezembro foram registrados diversos casos de pessoas que morreram em casa à espera de leitos e até de exames.


Testes PCR são indicados para quem passa por uma triagem nos centros de saúde de cada cidade, como o registro de sintomas e contato com infectados ou focos onde ocorreram contágios confirmados. Desde o início da pandemia, o país foi alvo de críticas por não testar massivamente a população. Até o fim de 2020, a alternativa para assintomáticos ou pessoas possivelmente expostas eram exames caros em clínicas particulares, na casa de 25 a 40 mil ienes (R$ 1.270 a R$ 2.000).


Devido à alta demanda, instituições particulares passaram a oferecer opções de exames com custo reduzido. Uma delas oferece um kit para teste de saliva a 1.980 ienes, cujo resultado pode ser entregue por email (expresso) por 9.900 ienes, com certificado em japonês e inglês, totalizando 11.880 ienes (R$ 607).


Detalhe: diagnósticos confirmados em clínicas particulares não necessariamente são incluídos nos números oficiais de casos no país.


Diferentemente de outras ondas atravessadas pelo arquipélago, desta vez estão sendo registrados muito mais casos e mais graves, o que sobrecarrega o sistema médico-hospitalar, público e particular.


Segundo a agência japonesa Kyodo, até 25 de janeiro, 15 mil pessoas estavam à espera de leitos para Covid-19. O Japão possui 12,98 leitos para cada 1.000 habitantes, a maior média per capita entre os países desenvolvidos, de acordo com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mas a maioria é para doenças leves -são apenas 5 leitos de UTI por 100 mil habitantes.


Organizações nipônicas vêm alertando para o risco de colapso do sistema nacional de saúde há tempos.


No Japão, todos os residentes devem contribuir mediante impostos com um seguro público, como Kokumin kenko hoken (seguro de saúde) ou Shakai hoken (seguro social), que cobre 70% das despesas médico-hospitalares. Os 30% restantes são pagos pelo paciente às instituições médicas. Ou seja, o modelo é público, mas não inteiramente gratuito como o SUS, no Brasil, já que a maioria das instituições é particular (70%).

No entanto, de acordo com dados o Ministério da Saúde, dos 3.008 hospitais particulares na ativa, 30% conseguem atender pacientes com Covid-19. Para Kentaro Iwata, diretor da Divisão de Doenças Infecciosas da Universidade de Kobe, o sistema nacional de saúde é muito bom por contemplar atendimento a todos. "Mas também tem falhas -e a ineficiência é uma delas. Muitos leitos hospitalares são usados para cuidados de doenças subagudos e crônicas, então é impossível usá-los para Covid", diz Iwata.


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