A realização de eleições em Honduras, sem que o presidente deposto, Manuel Zelaya, tenha sido restituído ao cargo, colocará o governo brasileiro diante de uma discussão delicada: como levar adiante a promessa de não reconhecer o novo presidente, especialmente se os hondurenhos comparecerem em massa às urnas.
A posição pública do Palácio do Planalto é de que o reconhecimento da eleição, neste domingo, significa "legitimar o golpe", que em junho forçou a saída de Zelaya do poder e do país.
A promessa do governo brasileiro, se colocada em prática, poderá resultar no congelamento das relações diplomáticas entre os dois países. Entre as consequências práticas, estão o fechamento da embaixada e a suspensão de acordos.
Segundo um diplomata brasileiro, existem ainda implicações políticas. "Estaremos isolando um país pequeno e que pode ter, neste domingo, uma eleição democrática, com um comparecimento significativo. O Brasil tem uma discussão difícil pela frente", disse ele à BBC Brasil.
De acordo com a mesma fonte, oficialmente o governo não tem um "Plano B" para Honduras. "Não antecipamos cenários. As avaliações têm sido feitas com base em fatos concretos. E ainda há muito o que acontecer nos próximos dias", afirmou.
Congresso
Além das eleições, neste domingo os negociadores estarão atentos à decisão do Congresso Nacional de Honduras sobre a restituição ou não de Zelaya ao poder.
Na quinta-feira, a Suprema Corte de Justiça deu seu parecer sobre a questão, aconselhando os parlamentares a rechaçar a restituição do mandatário eleito.
Com a recomendação da Corte, reduziu-se ainda mais a possibilidade do retorno de Zelaya ao poder. Na avaliação do governo brasileiro, uma saída seria o presidente eleito convencer sua bancada no Congresso a aprovar a restituição de Zelaya.
"Ainda que o eleito seja Pepe Lobo (oposição a Zelaya), ele também tem interesse em ver seu governo legitimado pela comunidade internacional", diz uma fonte do Palácio do Planalto.
Apesar de a possibilidade existir, ela é "pequena", segundo essa mesma fonte. No governo brasileiro, a realização da eleição sem Zelaya é tida como "fato consumado".
Alguns países, entre eles os Estados Unidos, já declararam que vão reconhecer o novo presidente de Honduras desde que o pleito ocorra com transparência e liberdade de expressão.
Recado
A principal preocupação do governo brasileiro é com o recado que será dado aos países da região.
"Nossa preocupação é que introduzam a tese do golpe preventivo na América Latina", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na avaliação do Itamaraty, a região tem um histórico de instabilidade política e que é preciso "combater qualquer estímulo nesse sentido".
O assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, diz que o novo regime não deve ser aceito e que a "tendência é Honduras ser expulsa da OEA".
No dia 4 de dezembro, os 24 países-membros da OEA se reúnem para avaliar as eleições em Honduras e, possivelmente, o futuro do país na organização.
Tratamento
Questionado pela BBC Brasil, o Itamaraty disse que não comentaria, neste momento, que tratamento será dado a Honduras caso o Brasil não reconheça o novo presidente.
Uma fonte diplomática, que acompanha de perto o assunto no Ministério, diz que essa discussão "ainda não aconteceu". "Até o dia 27 de janeiro, o presidente é o Zelaya. Mas após essa data, não sei com quem falaremos em Honduras ou mesmo se falaremos com alguém", diz.
O especialista em Relações Internacionais e professor aposentado da Universidade de Brasília Amado Luiz Cervo diz que a postura brasileira, se mantida, levará a uma situação "no mínimo, curiosa".
"A tradição brasileira é a de reconhecer mesmo as eleições mais polêmicas", diz. "Temos um exemplo recente, que foi a eleição de Mahmoud Ahmadinejad, no Irã", acrescenta.
Para ele, o Brasil está adotando uma postura "radical" no caso de Honduras, ao condenar uma eleição que "ainda nem aconteceu e que pode resultar no congelamento das relações diplomáticas com aquele país".
"O Brasil tem relações com regimes questionáveis, como o da Coreia do Norte e do Zimbábue. Será no mínimo curioso não termos com Honduras", diz o especialista.