Da Agência Brasil - O trânsito é resultante das aglomerações humanas, e os veículos surgiram para facilitar o deslocamento, a comunicação e a interação entre os indivíduos e os grupos. Mas, o convívio das pessoas nas vias públicas envolve uma série de fatores que, se não forem levados em consideração, acabam por tornar violento o tráfego de veículos, com alto índice de acidentes.
David Duarte Lima, presidente do Instituto Brasileiro de Segurança de Trânsito (IBST) e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), informa que o balanço do Departamento de Trânsito (Detran) do Distrito Federal (DF) do mês de maio de 2001 mostrou uma queda no índice da violência nas vias de Brasília. "No entanto, o fato de recuar o número de mortes não significa que morra pouca gente. Brasília ainda está entre as três primeiras colocações no ranking da violência no trânsito", avalia.
A mortalidade do trânsito na Capital do país representa cerca de 8% de todo o obituário local, ou seja, 8% de todas as mortes estão ligadas de alguma maneira ao trânsito. Lima lembra que se tomarmos o país como um todo, verificamos que em Brasília cerca de 4% de toda a mortalidade se deve ao trânsito. Se observarmos o México, o percentual é de 2,7%; nos Estados Unidos é cerca de 1,7% e na Alemanha, 1,5%.
Sobre o Brasil, a comparação esclarecedora é com os Estados Unidos. A frota nacional de veículos é da ordem de 30 milhões. A norte-americana é sete vezes maior e circula mais. O número de mortes no trânsito por ano é o mesmo nos dois países. "Isso significa que a nossa frota é sete vezes mais letal que a norte-americana", explica Duarte.
Segundo uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre os impactos sociais e econômicos dos acidentes de trânsito nas aglomerações urbanas, em 2000 foram registradas no país 20.049 mortes devido a acidentes com veículos deversos que causaram ferimentos em 358.762 pessoas.
Mesmo com medidas rígidas para diminuir esses números, como obrigatoriedade do cinto de segurança, controle eletrônico da velocidade nas vias urbanas, assim como a entrada em vigor de uma versão mais rigorosa do Código de Trânsito Brasileiro nos anos 90, as estatísticas oficiais mostram um expressivo número de mortes em acidentes de trânsito.
As estatísticas, as campanhas e o endurecimento da legislação parece não arrefecer o ímpeto de desafio dos condutores. Em julho último o Departamento de Trânsito de São Paulo (Detran/SP)
divulgou uma lista com o nome de 5.938 motoristas infratores, só da Capital, que tiveram a carteira de habilitação suspensa por ultrapassarem os vinte pontos.
Em 2001, os acidentes de trânsito geraram custos da ordem de R$ 3,6 bilhões, a preços de abril de 2003, para as aglomerações urbanas de São Paulo, Belém, Recife e Porto Alegre. Considerando o total da área urbana, estes custos chegam a R$ 5,3 bilhões. Os diversos impactos gerados vão desde os custos de atendimento médico-hospitalar, que em abril último foi de R$ 476.020 mil, a custos previdenciários, de atendimento policial e o impacto familiar, que foi de R$ 2.105 mil.
A reversão desse quadro tem que ser um compromisso, opina o professor de Engenharia de Tráfego da UnB, Paulo César Márquez, para quem há várias causas para o elevado número de acidentes em Brasília. Para ele, dois fatores são determinantes em qualquer ação que as autoridades venham a colocar em prática.
O primeiro deles é o crescimento da frota de veículos que "não é acompanhado por investimentos em sinalizações e conservação das pistas", e o segundo "e o mais importante, é a falta de investimentos públicos em campanhas educativas para a conscientização dos usuários de trânsito", resume.
Duarte acredita que para que a situação melhore em Brasília é necessário que três aspectos sejam levados em consideração e "isso não requer grandes investimentos". O primeiro deles é a questão da engenharia de tráfego. A construção de viadutos, a fluidez de maneira em geral, tem que ser submetida à segurança no trânsito. O segundo é a educação.
"As pessoas em Brasília, tanto jovens motoristas, quanto crianças e os idosos, têm pouca informação sobre o que é segurança, sobre como devemos nos proteger, nos comportar; quais são as atitudes de risco, e as que são salutares ou de preservação de vida", enfatiza. O último tópico está ligado ao sistema de fiscalização, pois é grande o número de motoristas que não respeitam as normas, dirigem de
forma agressiva, têm atitudes anti-sociais nas vias, colocando em risco a integridade física das pessoas.
A psicóloga Ludmila Fernandes, também da UnB, concorda com Duarte e acrescenta que a educação no trânsito tem que começar na escola. E, para aqueles que já são habilitados e não tiveram essa formação, deve-se insistir em mais campanhas, blitz educativas, para que as pessoas se conscientizem da necessidade de mudar a postura e entender que os paradigmas de comportamento na malha urbana se alteraram. "O código de trânsito nacional já preconiza há muito tempo que o ensino tem que ser obrigatório nas escolas", lembra.
"Nós temos um código de trânsito excelente, mas que não é levado a sério. Quando instalaram os pardais em Brasília, foram colocadas placas avisando sobre a presença deles. Então venho correndo e chegando perto do pardal freio e depois continuo a correr. Que tipo de relação à gente tem com a lei, a lei penal, a lei de trânsito? É uma relação que eu tenho com a minha lei interna. A "minha" lei, que aprendi na relação familiar e social, e que passa pelo carro, mas passa basicamente pelo respeito que eu possa ter pelo outro", comenta a psicóloga Sandra Baccara, de Brasília. No ano passado, das 977.953 multas aplicadas em Brasília, 716.928, ou 73,31% do total, foram por excesso de velocidade.
Na opinião da socióloga Alessandra Olivato, da USP, não há como acabar com o desrespeito ao direito do outro no trânsito e com as atitudes agressivas sem se construir uma consciência de cidadania entre as pessoas. Isso é, a consciência de direitos e deveres. Além de todas as auto-escolas do país reformularem os cursos de direção, incluindo noções de direção defensiva, palestras sobre direitos, etc, "a grande maioria de nós tem uma formação que não pegou essas novas alterações e, por isso, temos uma formação péssima enquanto condutores, puramente técnica e sem nenhum sentido de pertencimento ao espaço e à cidade", diz Alessandra.
Sandra Baccara acrescenta que além das campanhas educativas, a punição tem que existir. "Se você observar os países da Europa, Estados Unidos, Canadá, enfim, os países mais avançados, as pessoas não transgridem porque elas serão punidas. No Brasil, se você comete uma transgressão em outro estado, dificilmente essa multa chegará até você. As pessoas tem a sensação de impunidade, para que eu vou cumprir uma lei se tenho certeza que posso burlá-la. Aqui em Brasília é muito difícil alguém perder a carteira por excesso de pontos. Você não tem o respaldo da autoridade, que exige o cumprimento da lei", alega.
Hoje, vivemos um momento político, social e econômico que vem trazendo um grande envolvimento emocional e de educação das pessoas, onde o respeito pelo outro não está aparecendo. Para Sandra não se está educando as crianças e os jovens a reconhecer a existência do outro. "Como vou respeitar, sem reconhecer a existência do outro? Aí, as pessoas dizem, tem o respeito por si próprio, se eu provocar um acidente posso morrer", complementa.
"A lei tem que se fazer valer. Não adianta fazermos uma grande análise psicológica porque é proibido beber e dirigir, as pessoas dirigem bêbadas, essas coisas não são responsabilizadas. Temos que ter campanhas de educação, voltar a ter aquelas campanhas educativas que haviam em Brasília, que nos garantiu por um tempo sermos campeões em educação no trânsito e perdemos esse lugar por falta de fiscalização e punição. Isso depende da boa vontade de cada um e dos governantes. Uma população educada, transgride menos, aí tem menos multa e irá gerar menos dinheiro. Infelizmente, o sistema sobrevive do dinheiro das multas. Interessa ao sistema ganhar menos?", resume.
Marcelo Granja, diretor da Divisão de Educação no Trânsito (Diveduc), do Detran do DF, afirma que toda ação realizada no trânsito deve ser precedida de campanhas educativas. "Com os drásticos acidentes nas vias de Brasília resolvemos intensificar as campanhas educativas pela paz no trânsito. Ao investir na formação da criança, acreditamos num futuro de pedestres e motoristas mais responsáveis. Por isso instituímos o Núcleo de Teatro", conta. O núcleo tem por objetivo trabalhar cenicamente os conteúdos programáticos sobre a educação de trânsito, onde a criança aprende se divertindo. As montagens cênicas alertam sobre as regras básicas de trânsito, como um fenômeno social, ressaltando os valores da cidadania.
Ele avalia que a iniciativa já rende alguns devidendos, pois "podemos reparar que os condutores do Distrito Federal estão mudando gradativamente, ou seja, já há uma consciência das pessoas em relação a seu comportamento no trânsito. Muito se deve as crianças que estão sendo ensinadas nas escolas, pois estas absorvem rapidamente o procedimento de segurança e ajudam a fiscalizar e controlar os pais", diz Granja.
A peça teatral idealizada pelo Diveduc percorre, desde 1992, tanto escolas públicas quanto as particulares. Granja informa que não há empecilho para as instituições interessadas, basta entrar em contato pelos telefones (61) 224.8647 e 244.3603. Além do teatro, o Detran oferece, gratuitamente, cursos para as empresas.