Após dez meses de investigação do esquema de cobrança de propina operado por auditores fiscais na Receita Estadual de Londrina, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) confirma o que muitos já suspeitavam ou o que alguns sabiam por experiência própria: a organização criminosa entranhada no órgão estadual de fiscalização de recolhimento de impostos age há muitos anos achacando empresários para obter vantagens indevidas.
"Nós temos declaração no sentido de que em 1995 já se estabelecia um modo de operação muito semelhante ao que se apresenta hoje", afirmou o promotor Renato de Lima Castro. Trata-se, segundo denúncia formulada pelo Ministério Público que acusa 62 pessoas (incluindo 15 auditores) de formação criminosa, corrupção e outros crimes, do "grupo criminoso mais antigo da região de Londrina".
Os empresários achacados naquela época, disse o promotor, relataram em depoimentos recentes que o modus operandi dos auditores se assemelha muito à forma de agir atual: arbitrariedade dos fiscais na fiscalização, como apreensão de documentos e equipamentos, e a menção de um suposto "racha" nas propinas: metade ficaria com os operadores do esquema em Londrina e metade iria para Curitiba. Os tais "cabeças" do esquema ainda não foram identificados.
Para o promotor, o esquema se perpetuou em razão de pelo menos dois fatores. Um deles é que o próprio empresário que seria vítima de extorsão passa ser autor do crime de corrupção ativa. Ou seja, em vez de denunciar os auditores, passa a colaborar com o esquema. "A pessoa se beneficia do pagamento de propina porque se permite ou reduzir o montante devido (de imposto) ou por não ter que enfrentar a ira do fiscal no sentido de que vultosas quantias de multas serão fixadas caso não pague o tributo", avaliou. "Isso cria um ambiente propício para os servidores que estão propensos à prática de crimes, ou seja, basta que haja uma oportunidade."
Outro fator que deu estabilidade à organização criminosa, comentou Castro, foi "a falta de punição e de condenação rápida dos envolvidos" ou mesmo a falta de apuração dos delitos. Também é preciso salientar que, ao longo dos anos, os próprios ocupantes dos cargos mais altos da Receita de Londrina – agora denunciados como integrantes da quadrilha – galgavam posições, em vez de enfrentar processos disciplinares. Há inclusive uma situação já revelada pelas investigações em que o então delegado-chefe da regional de Londrina, Márcio Albuquerque de Lima, apontado como líder da organização criminosa, arquivou denúncia que apontava claramente casos de corrupção. Ironicamente, pouco tempo depois, foi promovido a inspetor-geral de Fiscalização da Receita do Paraná.
Recorrente
Castro lembrou que ao longo dos últimos anos o Gaeco investigou e moveu ações judiciais contra auditores fiscais da Receita de Londrina, embora se tratasse de casos isolados. "Situações esparsas ao longo dos anos foram investigadas e motivaram até ações penais, mas nunca tínhamos chegado a esta sistematização, ao grupo organizado", explicou.
Somente com escutas telefônicas, quebras de sigilo e as últimas medidas judiciais autorizando prisões e busca e apreensão de documentos, em março, foi possível delinear o esquema criminoso na Receita. Além de vários meses de investigação, o promotor destacou que promotores e policiais tiveram "sorte" ao se deparar com importantes documentos do grupo de auditores, como planilhas revelando supostamente quais foram as empresas objetos de cobrança de propina. Chamados a prestar depoimentos, vários empresários confirmaram o pagamento, tornando-se colaboradores da investigação com direito a possível redução de penas. "A apreensão de documentos foi um fator fundamental assim como a colaboração dos empresários", afirmou. "Inúmeros fatores devem ser considerados numa investigação, porque é muito dinâmica. Então, tem sim o fator sorte também."
Mesmo com 62 pessoas denunciadas, os promotores suspeitam que o esquema seja muito maior – poderia envolver mais 43 fiscais além de uma centena de empresas. Ontem mesmo, Castro tomou o depoimento de um empresário que pretendia colaborar com as investigações. Além disso, a intenção é averiguar denúncias em outras cidades que são abarcadas pela Delegacia da Receita de Londrina, como Arapongas, onde há suspeita de achaque aos empresários do polo moveleiro.
Questionado se as investigações em Londrina revelaram indícios de esquemas semelhantes em outras delegacias da Receita, o promotor disse que "algumas regionais têm investigação em andamento" e espera que outras comecem a apurar fatos semelhantes. "Quero crer que esta investigação do Gaeco de Londrina motive outros órgãos do MP e da polícia a realizar idênticos trabalhos nas suas comarcas respectivas."