De um lado, mais praias boas e uma cidade que pela primeira vez em quatro anos não teve nenhum ponto poluído para mergulhar. De outro, seis municípios que não tiveram sequer uma praia considerada própria para balneabilidade no ano inteiro.
O litoral de São Paulo vive essa situação antagônica entre o norte, que viu suas praias melhorarem, e a Baixada Santista, que, no geral, segue em estado crítico.
O levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo sobre a balneabilidade nos quase 180 pontos monitorados semanalmente pela Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) mostrou que Ilhabela reduziu de 11 para 6 o total de praias ruins e péssimas: enquanto em 2019 não havia nenhuma praia própria o ano inteiro, neste ano foram 3.
A comparação é feita com 2019 porque o monitoramento ficou suspenso em boa parte do ano passado devido à pandemia.
A melhora também foi verificada em São Sebastião, que dobrou o total de praias boas (de 9 para 18) e, pela primeira vez desde 2017, não registrou nenhum local péssimo –quando é considerada imprópria em mais da metade das medições.
Enquanto isso, Santos, São Vicente, Praia Grande, Peruíbe, Mongaguá e Itanhaém não tiveram uma praia sequer adequada para balneabilidade no ano inteiro.
Presidente da Cetesb, Patrícia Iglecias argumenta que a balneabilidade melhorou neste ano devido a investimentos que têm sido feitos em saneamento e que, no caso da Baixada Santista, o crítico cenário se deve também às chuvas registradas nos últimos meses.
"A melhora em si tem a ver com o aumento do saneamento, que refletiu na balneabilidade no ano. Mais praias boas, diminuição no total de praias péssimas. Tivemos crescimento populacional, até acima da média nos municípios litorâneos, mas tem tido investimento em saneamento básico", afirma.
Para ela, um exemplo é Ilhabela, que tinha até alguns anos atrás dificuldades de saneamento.
Em Santos, porém, 86% das praias monitoradas foram classificadas como péssimas (Ponta da Praia, Embaré, Boqueirão, Gonzaga e José Menino, esta com dois pontos de medição) no levantamento deste ano. Nenhum ponto foi avaliado como bom ou sequer regular.
"A região [da Baixada], a partir de setembro em especial, teve chuvas muito intensas, que prejudicaram a balneabilidade", diz Iglecias. A qualidade, segundo a presidente, é muito pontual e uma praia ruim hoje não necessariamente estará assim na temporada de verão.
No último dia 14, a praia José Menino recebia pouco mais de 20 pessoas, num dia nublado e com bandeira vermelha colocada pela Cetesb para sinalizar que a água estava imprópria. "Não entro no mar. Quando está amarelo, eu até me arrisco. Quando está vermelho, eu nem entro, mas os turistas entram", contou a administradora Sandra Regis, 59.
Mesmo considerada imprópria, a praia é muito usada por surfistas, caso do autônomo Luiz Claudio Vieira, 48, que disse considerar o ponto o melhor local de Santos para a prática. "Nunca tive problema, nem alergia. Quando chove, às vezes vem sujeira dos canais", lembrou.
A recomendação da Cetesb é que o banhista evite entrar no mar até 24 horas depois de uma chuva forte, porque os resíduos serão carreados das ruas para a praia, afetando a qualidade da água.
"A gente sabe que a pessoa vai tomar banho, usar moto aquática, e há chances de engolir um pouco de água. Doenças estomacais de verão acontecem muito em função disso. Também é recomendável evitar levar cães para a praia", diz a presidente da companhia.
Secretário do Desenvolvimento Urbano de Santos, Glaucus Farinello afirma que a principal fonte poluidora das praias da cidade são as ocupações irregulares e que tem sido feito um esforço grande para buscar reverter esse processo histórico de degradação.
"Uma solução, sozinha, não surtirá o efeito esperado, já que as águas se comunicam e é preciso uma solução que envolva a região: Guarujá, Santos, São Vicente e Cubatão. As cidades têm moradias precárias despejando lixo no estuário e, por consequência, isso afeta não só a balneabilidade das praias, mas também a questão do lixo."
Segundo ele, é preciso discutir com a sociedade "um novo olhar" sobre o problema, envolvendo a remoção de moradias construídas sobre palafitas e também o assentamento dessas famílias.
"O mangue ali já não existe, foi aterrado, suprimido. É inviável recuperar 100% do mangue, a proposta é fazer compensação. Num curtíssimo prazo, para 2022, queremos estabelecer uma área piloto para cercamento ou remoção e, depois, desencadear um projeto contínuo e gradual, replicando nas cidades vizinhas, já que a maior parte dos problemas em praias é oriundo desses locais."
Além da proposta envolvendo essas moradias, a Prefeitura de Santos tem adotado ações ambientais com o objetivo de impactar positivamente na balneabilidade, como o programa de identificação das fontes de resíduos marinhos e o treinamento de 302 ambulantes que atuam na orla.
Nos 12 canais de drenagem, foram instaladas barreiras flutuantes em setembro do ano passado, com a proposta de reter resíduos descartados indevidamente nas vias públicas.
Presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos lembra que Santos é uma cidade muito boa de saneamento –primeira colocada no ranking–, mas é prejudicada pelos canais.
"Quando chove, a sujeira da rua é arrastada para a praia. O cocô de cachorro, por exemplo, tem muito mais coliformes que o humano. Tem um volume muito grande de chuva nessa região, que vem lavando a cidade, acaba no córrego, depois no canal e na praia. A coleta e o tratamento são bons, mas a drenagem, que é outro componente do saneamento, acaba descompensando. Santos é um caso bem particular, principalmente em épocas de chuva", explica.
Já o professor de oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) David Zee, especializado em gestão costeira, afirma que o porto é um problema sério.
"Além da contaminação orgânica de esgoto, tem o óleo que piora as condições. Cidades portuárias têm isso também, é sintomático. Se uma secretaria de Meio Ambiente não faz monitoramento da água na natureza, vai fazer dos principais polos de poluição, que são indústrias e portos?", questiona.