Máxima do governo Lula, a frase "nunca antes na história deste País" se encaixa perfeitamente não só nos números crescentes da TV paga no Brasil, mas também no aumento da participação da classe C num negócio antes restrito a camadas mais abastadas.
Nova queridinha do mercado, que vê nesse nicho um potencial consumidor, a classe C é hoje metade da população brasileira e finalmente vem sendo paparicada pela TV por assinatura, que por isso tem repensado seu conteúdo, com canais dublados, reprises da TV aberta e pacotes de serviços para lá de atrativos.
Criado em maio do ano passado, o Canal Viva, da Globosat, é prova do afã em atrair esses novos clientes. Feito de reprises da Globo e focado em mulheres casadas e com filhos, com mais de 35 anos, de todas as classes, o canal caiu no gosto da classe C, que já representa 20% de sua audiência. E é sua faixa nobre, às 21 horas, que abarca os programas de maior sucesso, todos humorísticos: Sexo Frágil (com 55% de audiência da classe C), Comédia da Vida Privada (53%) e Sai de Baixo (50%).
Tratados como nova tendência, os números que constatam o consumo desse público na TV por assinatura ainda são divergentes. Segundo dados da Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), se em 2008 a classe C representava 17% da base de assinantes (80% era A/B e 3%, D), em 2010 esse número passou para 21% (com 76% de A/B e 3% de classe D).
A presença da classe média na TV paga, porém, pode ser maior. De acordo com pergunta espontânea em pesquisa do Data Popular, instituto especializado no mercado popular brasileiro, a classe C - famílias com renda de 3 a 10 salários mínimos - já faz a maior fatia da TV por assinatura, abocanhando 43% do total (ante 24% da classe A, 26% da classe B e 7% da classe D).
Na participação de audiência dos canais segmentados, o número também é expressivo: em 2010, foram 25% da classe C, ante 15,8% em 2007, segundo dados do Ibope.
"A chegada da classe C na TV paga é coisa pelo que lutávamos há tempos", afirma o presidente da ABTA, Alexandre Annenberg. "Mas ela não podia consumir por causa do preço; e não podíamos baratear, porque, além da alta carga tributária, não tínhamos escala (base de assinantes) suficiente."
Salve a banda larga
Depois de ganhar mais poder de consumo, ali por 2005/2006, a classe C passou a olhar com mais desejo para a TV paga. Vem dessa época o lançamento da banda larga de alta velocidade no País e a chegada das operadoras de TV ao ramo de telefonia fixa.
"Passamos então a oferecer combos com os três serviços: TV a cabo, banda larga e telefone, o que atraiu um público ávido por economia", explica o diretor de Produtos e Serviços da Net, Márcio Carvalho.
Hoje, com renda mais estável, esse público ainda tem suas preferências pouco exploradas, mas já denuncia que, mais do que economia, persegue conteúdo e qualidade de imagem - entre o 1.º e o 3.º trimestre de 2010, houve crescimento de 47% nas vendas de televisão digital a esse público, segundo dados da Telefônica.
Babá eletrônica
Preferência de todas as classes, os infantis lideram o ranking de audiência da TV paga: Discovery Kids em primeiro lugar, Sportv em segundo, Disney Chanel em terceiro, e Cartoon Network em quarto.
Dublados
Canais de filmes e séries dublados, como o TNT, sempre estiveram no topo do ranking da TV paga. Com a entrada massiva da classe C nesse mercado, outros aderiram à onda, como Telecine Pipoca e Fun, HBO 2, Space e Megapix. Dos que preferem a dublagem, 58% são da classe C; 26% D e E; e 16% A e B, segundo dados do Data Popular.
Esportes
A categoria ainda se destaca nas classes A e B. Porém, a classe C tem demonstrado interesse no assunto. No Sportv, por exemplo, canal que tem 76% de seu público classe A/B, de 2009 a 2010 houve um crescimento de 19% da classe C.
Educação
A nova classe média tem interesse em programas educativos. Os infantis entram nessa contagem, assim como documentários. Discovery Channel está entre os líderes de preferência em toda TV paga.
Jornalismo
Ainda não caiu totalmente no gosto da classe C, mas esse interesse tem aumentado. A Globo News, por exemplo, tem 15% de audiência desse nicho.
Combos
Grande incentivadora da entrada da classe C na TV paga, a venda de banda larga de alta velocidade, a partir de 2005, associada à telefonia fixa, a partir de 2006, permitiu que as operadoras formulassem combos mais econômicos e atrativos.
Classe média busca familiaridade
O conceito de que TV por assinatura é pagar por canais segmentados, feitos sob medida para todos os gostos, tem sido subvertido. De acordo com Lica Bueno, diretora nacional de Mídia da agência publicitária F/Nazca, a classe C ainda consome TV paga como consome na TV aberta. "A classe média tem interesses massificados e não segmentados", afirma. "Ela gosta de familiaridade com personagens infantis que via na TV aberta, de novelas e programas dublados que já está acostumada a ver." De fato. Canal segmentado, o Discovery Home&Health, focado em decoração e bem-estar, abarca apenas 5% da classe
É esse o norte que alguns canais passaram a percorrer. Gerente de Marketing da Rede Telecine, Sovero Pereira mostra o avanço da rede em conteúdo dublado - preferência de 76% dos assinantes da classe C, e de 49% da classe A/B, segundo o Data Popular. "No nosso caso, a demanda é comum a todas as classes, mas, obviamente, com o aumento da penetração da classe C no universo da TV paga, o interesse aumentou", diz. "Os ótimos resultados de audiência de canais como o Telecine Pipoca e o Megapix comprovam isso. No ano passado, lançamos mais um canal de filmes dublados, o Telecine Fun, e a tendência é a de crescimento dessas produções."
Alberto Niccoli Junior, vice-presidente sênior e gerente geral da Sony Pictures Television no Brasil, acrescenta: "Nossas ações visam oferecer uma comunicação rápida e direta de acordo com o perfil desse público, como programação dublada."
Descomplicar o conteúdo também é meta de canais informativos. Em outubro passado, Carlos Henrique Schroeder, diretor-geral de jornalismo e esportes da Globo, admitiu que a presença da classe C teve peso na reforma visual da Globonews.
A estreia de novas vinhetas nos canais Telecine, em novembro, também botou a classe C na balança. À época, o diretor da Rede Telecine, João Mesquita, disse ao Estado que o Telecine Cult, embora tenha os filmes mais elitistas dos seis canais, não cobiça títulos muito herméticos.
Em contrapartida, programas educativos são bem-vindos por essa classe C, que ascendeu socialmente e busca novo repertório. "Existe uma questão de formação que cresce em paralelo com o entretenimento. Os infantis servem como babá eletrônica e há os programas da Discovery que dão aulas sobre história, por exemplo", destaca Renato Meirelles, sócio do instituto Data Popular.
O presidente da Discovery Networks no Brasil, Fernando Medin, endossa: "Os dados apontam que os telespectadores da classe C preferem conteúdo que agrega conhecimento e informação a outros gêneros de programação."
Ainda dominado pelos mais abastados, o esporte também aguça o apetite da classe C. "Observamos um aumento da participação da classe C na audiência dos canais Sportv. De 2009 a 2010, a variação de audiência deste grupo foi de 19%. ", explica Pedro Garcia, diretor de negócios da Globosat.
Irredutíveis
Alguns canais, porém, garantem não sucumbir ao frenesi de atender a esse novo mercado a qualquer custo. O GNT, que nasceu com grandes documentários e hoje dedica boas horas a biografias, reforça que seu público alvo ainda é a mulher classe A/B.
Já o Canal Brasil cresceu 6% entre a classe C em 2010, o que agora totaliza 24% de seus telespectadores. Mas o diretor-geral do canal, Paulo Mendonça, nega planos de mudar o foco em favor de A, B ou C.
Embora admita vontade de fidelizar a classe C, o VP Internacional da Turner, Anthony Doyle (Cartoon, Boomerang, CNN, TNT, TCM, Space, Infinito, Woohoo, Fashion TV, I.Sat, Tooncast e truTV) discorda da corrida desenfreada pela massa. "A TV aberta é que tem de programar para todo mundo. Não adianta a TV paga pensar na mesma audiência, mesma classe, porque estaremos competindo pela mesma pessoa."