Se você imagina que ''reciclagem'' é apenas separar o lixo, usar sacolas de pano e economizar água para ajudar o planeta, há novos conceitos para rever. Um deles é o consumo responsável, ou seja, escolher marcas, serviços e lojas que não agridem o meio ambiente nem utilizam práticas escusas de trabalho. Ainda dentro do consumo responsável, uma onda antiga está ressurgindo com força total nesse milênio: compra e troca de usados. Pode-se chamar de segunda mão, seminovos ou brechós. O que importa é passar adiante o que não se usa mais e adquirir produtos já utilizados, em bom estado. Essa atitude também é reciclar. E ainda, alavancar um setor do comércio que dá emprego e alegria para muita gente.
Lojas de usados existem aos montes e de todo tipo de produto. Dá para rechear o guarda-roupa, reformar um imóvel, decorar ambientes, alimentar o espírito com cultura e muitas outras coisas. Em Curitiba, existem até estabelecimentos especializados - por exemplo, brechós de roupas infantis - e regiões bem definidas onde se encontram as lojas de usados. No centro da cidade, entre as ruas Riachuelo, Mateus Leme e Treze de Maio - região conhecida como Centro Histórico - se concentram lojas de móveis usados e também brechós, a maioria, de roupas mais novas - do final da década de 90 em diante.
Quem procura roupas mais antigas pode garimpar nos brechós próximos da Praça Rui Barbosa. Quase todos estão na Rua Desembargador Westphalen. Bem na esquina desta rua com a Avenida Visconde de Guarapuava está o Trapos de Luxo, brechó com perfil diferenciado. Ali existem peças de grife - não é difícil encontrar um Dior, por exemplo - e também roupas e acessórios mais antigos, até dos anos 50. Muitos nem sequer estão à venda. As proprietárias, Marta Twadorwski e Geisa Lombardi, deixam uma parte especial do acervo reservada para locação. O brechó é procurado por produtores de peças de teatro, cinema e publicidade, em busca de looks de época e objetos originais.
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As duas, aliás, se orgulham de ter no comércio de roupas usadas não apenas uma forma de renda e trabalho, como também um estilo de vida e paixão pelo que fazem. Marta comenta que o Trapos de Luxo apoia filmes e teatro, muitas vezes, emprestando peças sem custo, em troca do crédito e divulgação do local. E também pelo prazer de dar apoio à arte. ''Acabamos de participar de um curta-metragem'', conta ela. O brechó já promoveu desfiles, produzidos somente com as roupas de época e seminovas.
Outra característica de Marta e Geisa é conhecer moda, perceber o valor do vestuário como informação histórica e dos costumes de cada época, e valorizar o conceito de brechó. Elas conhecem as peças mais valiosas em termos de marca e época. E ainda praticam um atendimento personalizado - indicam roupas ou acessórios adequados para o tipo do cliente. ''Temos freguesas antigas, frequentes, que vêm sempre em busca de novidades, para bater papo, olhar as araras'', observa Marta.
Livre de preconceitos, ela afirma que atende qualquer tipo de pessoa. ''Travestis e prostitutas também compram muito, geralmente querem roupas com brilhos, fendas e decotes'', diz. Marta acrescenta que muitas ''madames'' levam suas roupas usadas, de grifes ou festas, para vender. ''É normal. Ninguém deve ter vergonha de fazer isso, é reciclagem''.
Uma das vantagens de comprar roupas em brechós é encontrar peças estrangeiras - principalmente casacos, paletós e sobretudos - fabricados na era pré-globalização. Ou seja, encontra-se produtos ''made in EUA'' ou ''made in Germany'', que praticamente não existem mais, pois hoje as grifes utilizam fábricas na China, Taiwan ou outros países. A qualidade desses casacos é evidente: lã grossa, forro em bom tecido, costuras reforçadas e acabamento de primeira. Em outras palavras, peças feitas para durar muitos invernos, em cortes clássicos que não caem de moda. O investimento vale a pena, mesmo que a peça requeira lavagem a seco e alguma reforma para adequar ao número do comprador.
Sebos: brechó para a cabeça
O Trapos de Luxo se destaca entre os brechós com perfil diferenciado
Brechó para a cabeça. Assim podem ser definidos os sebos de livros, CDs, DVDs, revistas e gibis. Esse setor passa por renovação em Curitiba, cidade que sempre abrigou sebos pequenos, dirigidos a um público mais específico, geralmente focados em literatura. Agora chegam os sebos grandes, com variedade maior e preços que começam nos centavos. O foco não é tanto em antiguidades nem literatura de alta estirpe. O que vale é a reciclagem e preços acessíveis.
Locais como o Sebo Leitura, na Avenida Marechal Floriano, perto da Praça Carlos Gomes, que abriu há dois anos e atrai cada vez mais freguesia. Aliás, a característica de um estabelecimento como esse é a variedade não só de produtos, mas também de clientes. O proprietário Denis Cardoso afirma que não dá para definir o perfil do público que frequenta a loja.
Democracia comprovada nas estantes, em que convivem gibis de todo tipo, de Disney e Turma da Mônica a mangás e quadrinhos de arte; revistas de todas as épocas e gêneros; CDs e LPs de MPB, rock pesado, sertanejo e outros; livros de religião, auto-ajuda, best-sellers recentes e obras de autores consagrados. Democracia também pelos corredores, onde circulam pessoas variadas.
Oldemar de Oliveira, de 62 anos, está no Sebo Leitura pela primeira vez, garimpando as prateleiras de livros atrás de literatura judaica. Ele se interessa por livros sobre religião e conta que comprar em sebos vale a pena – mas é preciso ficar atento, pesquisar preços e saber negociar.
Na outra ponta da loja, perto de duas garotas que esmiuçavam a imensa prateleira de revistas de artesanato, tricô e crochê, o estudante Alexandre Ciccarino, de 22 anos, olhava a seção de LPs há meia hora. ‘Venho aqui uma vez por mês’, explicou o rapaz, que geralmente busca literatura sobre Biologia e Genética, mas também compra CDs e livros de rock ‘por hobby’. Pela primeira vez ele se aventurava na seção das antigas ‘bolachas’ de vinil.
Alexandre conta que não só compra, como também vende livros no local. O proprietário Denis Cardoso confirma que qualquer pessoa pode levar material para avaliação. O preço, ele determina, pautado pela experiência – trabalhou um bom tempo com o tio, em Londrina, dono do conhecido sebo Capricho. De acordo com Denis, vale mais a pena a pessoa trocar do que vender. ‘É um bom negócio para os dois lados, pois na troca os produtos valorizam’, explica.