Quer comprar uma hélice de ultraleve? O chiclete mascado por uma celebridade? O pé congelado de um morto? Há quem tenha ''produtos'' tão ou mais extravagantes do que esses para vender na internet. Ok, o pé é o cúmulo da bizarrice. Mas acredite: pode-se arrematar de tudo, seja em sites especializados ou mesmo nas redes sociais.
Nessa espécie de ''feira do rolo'' virtual, a regra é pesquisar oportunidades e conter os impulsos. Porque as ofertas são muitas e basta um clique no mouse para ser o novo dono de uma quinquilharia qualquer. Os mais lúcidos, no entanto, têm boas chances de aumentar sua renda mensal com os negócios eletrônicos.
Como o empresário Marcos (nome fictício), de 34 anos, que atua no ramo de automação. Ele garante tirar até de 30% do sustento de sua família comprando e vendendo todo o tipo de coisa usada. De cuecas a papel de parede, passando por brinquedos, raquetes de tênis, cadeiras de escritório, celulares, peças de moto, computadores... ''Só não vendo drogas, crianças e o corpo'', brinca.
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Foi ele que arrematou a hélice citada no começo do texto. ''Na verdade, eu a revendi. Um amigo meu estava precisando e fui procurar no eBay (site norte-americano). Mandei trazer dos Estados Unidos e, no fim das contas, ganhei US$ 500'', conta.
Os portais americanos, por sinal, são as maiores vitrines de itens esdrúxulos. Como o lenço usado pela atriz Scarlett Johansson, a guitarra destruída (e depois remendada com durex) do roqueiro Kurt Cobain ou o tal pé congelado - vendido por um sobrinho do morto. Por aqui, sabe-se do leilão de um chiclete mastigado pelo ator Cauã Reymond.
Mas nada supera em excentricidade a estudante de 22 anos que ofereceu a própria virgindade para quem desse o melhor lance. Natalie Dylan, de San Diego, na Califórnia, recebeu mais de 10 mil propostas. Uma delas na casa dos US$ 4 milhões, feita por um empresário australiano.
Tentação
Para Marcos, sites como o eBay e o brasileiro Mercado Livre são uma verdadeira tentação. Além de fazer buscas programadas por produtos, ele tem o costume de acessá-los várias vezes ao dia. ''É uma religião. Ou um vício, pior que o crack e a pornografia'', diverte-se o empresário, que já fez quase 200 negociações digitais.
É inegável que existe um componente emocional por trás dessas transações. Principalmente entre os iniciantes. Com o tempo, o vendedor ganha experiência e descobre o seu ''mercado'', como explica José Silveira Júnior, 31. Ele e a mulher se especializaram em livros raros, obscuros. Entraram no Mercado Livre em 2002 e atualmente têm 2 mil títulos disponíveis em sua página.
São obras como ''O Guia Técnico do Criador de Canários'', ''A História Secreta da Rede Globo'', ''Manual do Chofer'', ''Treinamento para Galo de Briga''. Este último, publicado nos anos 50, foi vendido apenas dois dias depois de anunciado. E por R$ 60, um preço considerado alto para os padrões da web.
José se aprofundou tanto no tema que virou consultor. Hoje, tem um emprego formal como gestor de comércio eletrônico de uma empresa de turismo. Mas não deixou de lado os negócios virtuais, que complementam a renda e são um hobby para o casal. ''Muitas pessoas para quem vendemos se tornaram nossas amigas'', diz.
Segurança
Como as transações de produtos usados na internet não são 100% seguras, é importante ficar atento a detalhes para não correr o risco de comprar um item e não recebê-lo (ou vice-versa). Nas páginas dos usuários cadastrados, sejam eles compradores ou vendedores, há um campo de qualificações e comentários. Quem é honesto e pontual, vai melhorando suas referências a cada novo negócio.
O segredo do ''sucesso'', Marcos e José dizem, é jogar limpo na hora de criar o anúncio e ser ágil no atendimento. ''Quem for esperto pode ganhar uma grana boa. No meu caso, digamos que dá para pagar o boteco'', arremata Marcos.
Web também é canal para o tráfico de animais
Outro comércio que corre solto na rede é o de animais exóticos. Tanto que os sites brasileiros de leilões e vendas fixas já proibiram esse tipo de anúncio, a pedido do Ibama. Os interessados, no entanto, não desistem. ‘O movimento continua normal no Orkut’, afirma o estudante Gilberto, 27 (outro que prefere não revelar a identidade).
Ele não está mentindo. Basta entrar numa das comunidades de colecionadores para ter acesso a uma verdadeira feira de bichos. São cobras, lagartos, iguanas, aranhas, escorpiões... Sem contar o comércio paralelo de materiais para terrários, lâmpadas especiais e ratos, usados como ração para algumas dessas espécies. Comprados em pacotes congelados, custam cerca de R$ 2 a unidade.
Gilberto conta que atualmente só ‘agiliza’ negociações para outros aficionados. Mas chegou a criar cobras em seu apartamento. ‘Uma ninhada dá em média oito filhotes, que podem ser vendidos por até R$ 1.200 cada, dependendo do tipo’, explica.
O tráfico de animais é o terceiro maior comércio ilegal do planeta. Só perde, em movimentação de dinheiro, para o de armas e o de drogas. Além disso, sabe-se que os bichos são transportados em condições precárias, e boa parte deles morre por conta disso.
Ainda assim, o estudante não demonstra sentir medo ou culpa por participar da atividade. Para ele, o Brasil deveria ter uma política de criatórios, a exemplo de outros países, inclusive da América Latina. ‘É um mercado legal em quase todo o mundo, que gera muitos empregos. Por que não torná-lo uma fonte de renda aqui também?’, questiona.
Lógica do escambo permanece
Apesar de todo o aparato tecnológico, as transações feitas por amadores na internet estão mais próximas da essência primitiva do comércio do que se pode imaginar. Como se a lógica do escambo ganhasse uma sobrevida na era da informação.
‘O avanço tecnológico vivenciado pela sociedade atual traz inúmeros benefícios e novas formas de contato entre as pessoas. No entanto, deve-se tomar o cuidado de não se acreditar que essas mudanças sejam tão profundas quanto parecem’, afirma o especialista em marketing Rodrigo Pimentel, professor da FAE Business School, em Curitiba.
Para Pimentel, os indivíduos continuam lidando com as mesmas necessidades. O que mudou são suas expectativas em relação ao mundo. Nesse sentido, a internet é apenas um meio que possibilita trocas e negociações num nível mais amplo, global.
‘Um meio muito poderoso, é verdade. E que permite tratar de forma personalizada milhões de consumidores espalhados pelo mundo todo, por meio do armazenamento e tratamento de informações individualizadas. Isso é muito difícil, às vezes impossível, de se fazer no mercado tradicional de mas-sas’, diz.