Queda de juros, inadimplência em baixa, retomada da produção e das vendas e avanço dos carros elétricos importados da China estão entre os fatores que alavancaram a alta de crédito para a compra de veículos neste ano no Brasil.
Em julho, as concessões de novos empréstimos para aquisição de veículos atingiram R$ 19,3 bilhões -o que representa uma alta de 14,4% em relação ao mês anterior, quando foram liberados R$ 16,8 bilhões.
Segundo dados do Banco Central, o volume concedido a pessoas físicas no acumulado de janeiro a julho deste ano já é 40,6% maior do que o montante liberado no mesmo período de 2023 (R$ 117,7 bilhões contra R$ 83,7 bilhões).
A forte aceleração de crédito no setor constou na ata da última reunião do Comef, colegiado do BC que busca preservar a estabilidade do sistema financeiro. "O crédito às pessoas físicas mostra aceleração em todas as modalidades, sendo mais forte nas de menor risco, com destaque para o financiamento de veículos", diz o texto.
O saldo em carteira nessa modalidade também cresceu, chegando a R$ 320,95 bilhões em julho. No mesmo mês do ano passado, o estoque era de R$ 270,97 bilhões -aumento de 18,4% em 12 meses.
Cezar Janikian, diretor da financeira do Santander, afirma que os clientes com melhor capacidade de pagamento estão voltando a buscar crédito para financiamento de veículos depois da desaceleração ocorrida durante a pandemia.
"Existe uma melhora na relação prestação-renda porque houve desde 2023 redução da taxa de juros. Quando se faz o cálculo da prestação do veículo, tem um enquadro melhor do quanto o cliente vai pagar de prestação versus a renda presumida ou a renda declarada deste cliente", diz.
Segundo Antônio Jorge Martins, coordenador de cursos de MBA da área automotiva da FGV (Fundação Getulio Vargas), taxa de juros e inadimplência são fatores que impactam diretamente o volume de financiamentos de veículos. Em ambos os casos, a tendência foi de baixa até meados do ano.
Conforme dados do BC, a taxa média de juros para aquisição de veículos caiu 0,6 ponto percentual em 12 meses até julho e, desde maio, tem ficado estável em 25,5% ao ano. A inadimplência ficou em 4,6% em julho, uma queda de 0,8 ponto na variação em 12 meses.
Janikian acrescenta que a regularização do trabalho das montadoras e a retomada da produção -agora de volta aos níveis pré-pandemia-, trouxeram ofertas melhores aos clientes e novos produtos à venda. "O movimento das montadoras com novos produtos traz para o mercado clientes que não estavam querendo trocar de carro", afirma.
Ele chama atenção também para a aceleração significativa da venda de motos neste ano no Brasil, com mais de 3,5 milhões de unidades comercializadas em 2024, somando modelos zero km e usados.
Em agosto, foram 154 mil unidades financiadas, sendo 114 mil novas e 40 mil usadas, segundo dados da B3, que opera o Sistema Nacional de Gravames -base unificada das restrições financeiras de veículos dados como garantia em operações de crédito. No mês passado, o número de financiamentos de motos foi 15,1% maior do que em agosto de 2023.
Ainda de acordo com a B3, as vendas financiadas de veículos (carros, motos e caminhões) somaram em agosto 631 mil unidades, entre novos e usados, alta de 14,8% na comparação anual. O dado representa o maior número de veículos financiados desde agosto de 2012.
Para a expansão do crédito, os especialistas veem também influência do aumento da penetração dos carros importados da China no país, em especial dos elétricos.
Segundo Martins, da FGV, os veículos chineses estão atraindo os consumidores "não somente pelos preços, mas pela tecnologia existente".
O volume de carros eletrificados produzidos na China estocados no Brasil atingiu um pico de 86,2 mil unidades em julho -o suficiente para 9 meses de vendas-, mostram números da Anfavea, entidade que representa os fabricantes.
De janeiro a julho, segundo dados do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), o volume de carros vendidos pela China ao Brasil somou US$ 2,6 bilhões, sendo US$ 1,4 bilhão apenas em junho.
Carros elétricos e híbridos comprados fora do país estão gradualmente voltando a ser tributados com imposto de importação. A alíquota escalonada está prevista no programa Mover (Mobilidade Verde e Sustentabilidade), podendo chegar a 35% no prazo de dois anos. Hoje, as alíquotas são de 18% para os veículos elétricos e 25% para os híbridos.
Paulo Noman, presidente da Anef (Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras), aponta que as montadoras chinesas fizeram acordos com bancos comerciais e conseguem, assim, oferecer condições especiais de compra, com taxas subsidiadas.
Outro impulso de crédito no setor, ressalta Noman, é o fato de os brasileiros terem voltado a optar pelo financiamento na hora de adquirir um carro novo em vez de quitar a compra à vista. Ele diz que, enquanto na pandemia as vendas se concentraram em carros premium, agora cresce o consumo de carros "de entrada", ou seja, compactos e mais baratos.
Segundo dados da Anef, o prazo médio das concessões de crédito tem sido de 46 meses.
"De um lado, aumentou o número de carros vendidos, de outro, aumentou o número de financiamentos sobre o total de carros vendidos. Por último, o preço do carro, que hoje é mais caro. Esses três componentes fazem com que o percentual que os bancos estão reportando como ativo de carro seja maior", afirma.
Ele acrescenta ainda que as novas regras do marco legal das garantias ajudam os bancos a ter um apetite de risco um pouco maior e, portanto, liberar mais crédito.
O impulso comercial no primeiro semestre tem levado a um cenário incomum. No mercado de veículos, a segunda metade do ano costuma ser mais positiva, com o lançamento dos modelos do ano seguinte, o que colabora para um maior valor de revenda.
Essa tendência sazonal traz ainda mais otimismo para a indústria automotiva neste ano. A possível retomada da alta de juros, entretanto, é um sinal de alerta para o mercado. "O consumidor pode ficar um pouco mais reflexivo antes de comprar um bem novo", diz o diretor da financeira do Santander.