Ser contratado por suas competências é o que um candidato almeja ao concorrer a uma vaga de emprego. Porém, para pessoas transgênero, isso ainda é incomum. É mais raro ainda vê-las em cargos de liderança.
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Mas o instrutor de treinamento Gael Fernandes Gentil, 27, aponta um caminho. Ele conta que foi no setor de telesserviços que encontrou espaço para desenvolver suas habilidades e crescer profissionalmente sem se preocupar com a sua identidade de gênero.
Na área desde 2020, ele diz que, antes, trabalhou no setor de logística e tentou atuar como atendente de lojas por várias vezes, mas nunca conseguia passar nos processos seletivos.
Em 2020, aos 23, passou no processo seletivo da Atento. "Quando entrei na empresa eu já era um homem trans, mas ainda não fazia terapia hormonal. Na primeira semana de trabalho aparecia no sistema o meu nome 'morto', antes da retificação civil, mas quando pedi para colocarem o [nome] social fui atendido imediatamente, com troca de crachá, email etc."
Gael começou na empresa como atendente de suporte técnico e após 18 meses foi promovido a técnico de campo, até chegar a instrutor de treinamento, cargo que ocupa há pouco mais de dois anos.
Ele ministra treinamento para todos os novos colaboradores da empresa, uma média de 300 pessoas por mês.
"Não comento ser um homem trans, mas pessoas trans se reconhecem. É muito legal que essa pessoa veja um homem trans como liderança, alguém que possa entendê-lo, além de enxergar a possibilidade de crescimento profissional."
Gael aponta o plano de saúde como uma das grandes vantagens do setor e explica que muitas vezes o recém-contratado não quer aderir ao convênio, mas ele faz questão de enfatizar os tratamentos que são cobertos. "O analista já entende que pode fazer a terapia hormonal pelo plano. Ter essa rede de apoio é fundamental porque, fora da empresa, no dia a dia, sofremos muito preconceito."
Segundo dados da ABT (Associação Brasileira de Telesserviços), dos cerca de 1,4 milhão de trabalhadores do setor, 20% são da comunidade LGBTQIA+. A entidade estima que cerca de 1% dos colaboradores são pessoas trans.
"Somos um setor que foi evoluindo junto com a sociedade e nossa força de trabalho representa este progresso. O call center tem sido realmente porta de entrada para esta comunidade que é praticamente alijada do convívio social e cuja taxa de mortalidade é muito alta. Ela é naturalmente abraçada no nosso setor", afirma Gustavo Faria, vice-presidente da ABT.
A mineira Cacau Dellafancy, 32 anos, trabalha no setor de telesserviços desde os 19, na primeira oportunidade de emprego com carteira assinada. Mulher trans, ainda se reconhecia como um homem gay quando teve o primeiro contato com a atividade.
A área acolheu não apenas a sua identidade como a falta de experiência prévia.
"Me aceitaram como sou e me deram uma carreira. Aos poucos fui me descobrindo como uma mulher trans, e comecei a transição há dois anos, tive apoio do cliente, das áreas da gestão e dos colegas", diz ela, que trabalha como instrutora de treinamento na AeC e está em um processo seletivo para analista de conteúdo.
"Meu objetivo este ano é fazer a retificação do meu nome no cartório, mas não precisei fazer isso no trabalho."
Embora o nome civil ainda conste no documento de identidade, no crachá da empresa, logins de acesso e interações do dia a dia, ela é sempre Cacau. "Como passo a maior parte do tempo no trabalho, onde sou respeitada, não vivo o preconceito da rua intensamente", afirma.
Contudo, tanto Cacau quanto Gael ponderam que o fato de terem contato com os clientes apenas por telefone pode ser uma explicação para a comunidade LGBTQIA+ ser mais contratada e se manter no setor.
"Muitas empresas não contratam pessoas trans se tiver que lidar diretamente com clientes, por exemplo. Então isso pode também ser um ponto porque atrás de um telefone raramente sofremos preconceito. E internamente somos colegas de trabalho. Então é mais fácil trabalhar com os colegas do que com clientes", diz Cacau.
Atualmente, a Atento afirma contar com 50 mil colaboradores no país, dos quais 450 se autodeclaram transsexuais. A empresa explica que o número se refere às pessoas que solicitaram a mudança para o nome social no sistema, mas afirma que pode haver mais funcionários que se identifiquem como transgênero.
Um censo aplicado pela empresa AeC mostra que pessoas que se identificam como trans e/ou não binárias representam 17% dos colaboradores em Belo Horizonte, 4% em São Paulo e 2% no Rio de Janeiro