A Polícia Federal prendeu na manhã desta sexta-feira (13) o ex-deputado federal Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB. A prisão foi solicitada na quarta-feira (4) pela delegada Denisse Ribeiro. Além da prisão, o ministro Alexandre de Moraes (STF) autorizou o cumprimento de busca e apreensão.
A ação é no âmbito da investigação sobre suposta organização criminosa digital voltada a atacar as instituições a fim de abalar a democracia aberta por Moraes, após o procurador-geral da República, Augusto Aras, pedir o arquivamento do inquéritos dos atos antidemocráticos.
Moraes assinou o mandado sobre o presidente do PTB sem a manifestação da PGR, que não cumpriu o prazo dado de 24 horas para se posicionar.
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Qual foi o drible de Moraes?
No início de julho, Moraes determinou o arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos e a abertura de outra investigação para apurar a existência de uma organização criminosa digital voltada a atacar as instituições a fim de abalar a democracia, driblando pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República).
O magistrado faz referência ao deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) 12 vezes na decisão e afirma que é necessário aprofundar as investigações para verificar se aliados do presidente Jair Bolsonaro usaram estrutura pública do Palácio do Planalto, da Câmara e do Senado para propagar ataques às instituições nas redes sociais.
No dia 4 de junho, a PGR havia pedido o encerramento da apuração sobre os atos antidemocráticos no Supremo sob o argumento de que os investigadores não encontraram provas contra autoridades com foro especial. Além disso, solicitou o prosseguimento da investigação de seis casos em primeira instância.
Moraes mencionou também o chefe do Executivo e outros dois filhos dele, o senador Flávio (Patriota-RJ) e o vereador Carlos (Republicanos-RJ), ao abordar a análise que a Polícia Federal fez sobre contas inautênticas derrubadas pelo Facebook.
Qual o prazo do novo inquérito e as justificativas e objetivos de Moraes?
O ministro do Supremo atendeu o pedido de arquivamento do inquérito anterior feito pela PGR, mas determinou a instauração de outro inquérito que terá duração inicial de 90 dias.
Na contramão do que havia pedido a PGR, Moraes afirmou que os eventos identificados pela Polícia Federal que deveriam ter a investigação aprofundada têm de ficar no STF em vez de serem remetidos à primeira instância.
"Nessas hipóteses, conforme entendimento pacífico dessa Corte Suprema, compete ao próprio STF definir os termos de eventual desmembramento da investigação e a eventual remessa às demais instâncias judiciais", afirmou.
Com a decisão, Moraes encontrou uma forma de manter a investigação contra expoentes do movimento bolsonarista que costumam atacar as instituições, apesar de a PGR, que é a responsável pelas apurações, ter solicitado o encerramento do caso perante o Supremo.
O ministro seguiu o pedido da Procuradoria para arquivar a parte do inquérito relativa a parlamentares ligados ao governo, mas, ao determinar o prosseguimento da investigação no STF sobre pessoas com foro especial, citou a relação desses atores com autoridades próximas de Bolsonaro.
O pedido de arquivamento feito pela PGR ocorreu no início de junho, a menos de dois meses da abertura de uma vaga no STF, da qual o chefe da Procuradoria, Augusto Aras, está em campanha para ser indicado.
A decisão de Moraes busca driblar o alinhamento de Aras a Bolsonaro?
Sim. Desde que assumiu o cargo atual, Aras tem feito diversos gestos em direção a Bolsonaro. A solicitação para encerrar o inquérito dos atos antidemocráticos, que tem aliados do presidente na mira, foi interpretado dentro da PGR como mais um sinal nesse sentido.
Moraes, porém, barrou a tentativa da Procuradoria. A jurisprudência do Supremo afirma que a corte deve seguir pedidos de arquivamento feitos pelos investigadores.
O ministro, porém, afirmou que pode determinar a continuidade da investigação no STF porque seria do tribunal a responsabilidade por analisar pedidos de remessa de investigações a instâncias inferiores.
O ministro disse que os elementos levantados pela PF apontam para a "existência de uma verdadeira organização criminosa" que é "absolutamente semelhante" àquela identificada no inquérito das fake news, que mira parlamentares, blogueiros e empresários aliados de Bolsonaro.
Por isso, Moraes determinou o compartilhamento das provas coletadas no inquérito dos atos antidemocráticos com as apurações voltadas à rede de fake news.
Quais os possíveis crimes investigados?
Na decisão pela abertura do novo inquérito, Moraes citou as hipóteses criminais levantadas no curso do inquérito dos atos antidemocráticos. Uma delas diz respeito a um possível movimento online para "promover a difusão de ideias com potencial de causar instabilidade na ordem política e social".
Essa hipótese da PF se baseia em relatório da Atlantic Council, empresa que monitora a atuação de grupos que disseminam fake news nas redes sociais e que produziu um levantamento para o Facebook.
A partir desse relatório, a PF buscou mais elementos e afirmou que as pessoas mencionadas pela Atlantic e outras "ainda não identificadas se uniram em unidade de desígnios com o objetivo de obter vantagens político-partidárias por meio da produção e da difusão de propaganda de processos ilegais".
Segundo a corporação, foram identificadas pessoas que acessavam as páginas que disseminavam fake news de dentro de órgãos do governo federal.
Qual a origem das investigações dos atos antidemocráticos?
O inquérito dos atos antidemocráticos foi aberto em abril de 2020 para investigar bolsonaristas envolvidos com as manifestações que defendiam o fechamento do STF e do Congresso, além da volta da ditadura militar.
O pedido de abertura da investigação foi feito pela PGR um dia depois de Bolsonaro participar de uma manifestação em frente ao QG do Exército em Brasília.
Em oito meses de apuração, a partir de buscas e quebra de sigilos bancário e telemático, a PF coletou informações sobre influentes nomes do bolsonarismo, como o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten e o blogueiro Allan dos Santos.
A PF defendeu o aprofundamento das investigações em dezembro. A PGR, por sua vez, levou cinco meses para se pronunciar e seguiu linha contrária à da polícia.
O órgão pediu ao Supremo o arquivamento do caso perante o tribunal. A manifestação ocorreu às vésperas da abertura de uma vaga no STF, para a qual o procurador-geral da República, Augusto Aras, quer ser indicado.
Moraes determinou que as investigações no novo inquérito fossem presididas pela equipe chefiada pela delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro, encarregada do inquérito dos atos antidemocráticos, em virtude da conexão probatória existente com a apuração das fake news.
O Supremo vem atropelando a PGR e adotado medidas controversas para enfrentar o bolsonarismo?
Sim. Em guerra com o Palácio do Planalto, o STF tem adotado medidas heterodoxas e vem atropelando a PGR na tentativa de conter o avanço bolsonarista contra as instituições.
As decisões da corte ajudaram a reduzir a disseminação de fake news e de ataques à democracia nas redes sociais e também culminaram, por exemplo, no pedido de exoneração de Ricardo Salles, que conduziu uma agenda antiambiental no Ministério do Meio Ambiente
Por outro lado, especialistas temem que a atuação do Supremo com ações à margem das regras habituais gere um precedente perigoso à democracia. Um dos riscos apontado trata das consequências que podem provocar os embates com o procurador-geral, Augusto Aras.
Quais os exemplos mais recentes desse tipo de atuação? Recentemente, o tribunal autorizou uma ação policial contra Salles sem ouvir a PGR e também driblou o pedido do órgão para arquivar o inquérito dos atos antidemocráticos, apesar de a jurisprudência determinar que esse tipo de manifestação da PGR deva ser atendido.
Especialistas reconhecem a necessidade de o Supremo adotar medidas duras contra o bolsonarismo, mas dizem que tergiversar com o devido processo legal, independentemente da finalidade que se busque, pode levar à criação de precedentes perigosos que, no futuro, venham a ser usados de maneira arbitrária pelo Judiciário em geral.
Além das decisões judiciais, a corte também iniciou um movimento fora dos autos para barrar bandeiras do presidente.
Foi o caso, por exemplo, da implementação do chamado voto impresso. Ministros do Supremo articularam com 11 partidos um movimento contra a mudança na urna eletrônica e botaram em xeque a maioria que Bolsonaro tinha em relação ao tema.
Qual foi a primeira medida controversa nessa linha do STF?
Um dos primeiros indícios de que o STF estava inclinado a criar uma espécie de jurisprudência da crise para avançar em regras instituídas a fim de se contrapor a Bolsonaro foi em março de 2019, com a instauração do inquérito das fake news.
A investigação foi aberta de ofício, ou seja, sem requisição da Procuradoria, que, no sistema acusatório brasileiro, é a titular da ação penal.
A decisão individual do então presidente do STF, Dias Toffoli, causou estranheza porque, segundo a Constituição, o Judiciário só pode agir quando é provocado, e a responsável por pedir a abertura de apuração criminal deve ser a PGR.
Além disso, também foi alvo de críticas a designação do ministro Alexandre de Moraes como relator do caso, sem a realização de sorteio, como ocorre geralmente em investigações que são iniciadas no Supremo.
Inicialmente, o inquérito foi alvo de críticas internas na corte, com resistência de alguns integrantes em avalizar a medida. Prova disso é que Toffoli não quis levar, naquela ocasião, sua decisão para referendo do plenário.
Com o passar do tempo, o aumento da disseminação da fake news e ameaças a ministros por parte da militância bolsonarista mudou o humor do Supremo sobre o caso. Mais de um ano depois, o plenário, por 10 a 1, manteve a decisão de instaurar o inquérito das fake news.