O projeto de exploração de potássio na amazônia, entre os rios Madeira e Amazonas, prevê a geração de 78 milhões de m3 de rejeitos e a formação de duas pilhas desses resíduos com altura de 25 metros cada uma.
Leia mais:
Mãe e irmão de Djidja Cardoso são condenados a mais de 10 anos de prisão por tráfico de drogas
Ninguém acerta as seis dezenas da Mega-Sena; próximo sorteio é a Mega da Virada
Igreja da Lagoinha corta preço de ingresso para Ano-Novo no Allianz
Butantan solicita registro de vacina de dose única contra dengue para Anvisa
A quantidade de rejeitos é 5,5 vezes maior do que a despejada no rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG) em 2019, por exemplo. As pilhas têm um tamanho projetado equivalente a um prédio de oito andares.
Documentos do licenciamento ambiental do empreendimento, obtidos pela Folha de S.Paulo, registram informações sobre a geração de rejeitos –principalmente sal, salmoura (uma solução de água e sal) e argila–, a quantidade a ser produzida, a maneira como serão dispostos na região amazônica e o tempo de permanência desses resíduos num lugar sensível da Amazônia ocidental.
Ao longo do processo de licenciamento, de 2014 a 2023, os documentos apontam as mesmas projeções de rejeitos para o empreendimento da Potássio do Brasil na região de Autazes (AM).
Em nota, a empresa afirmou que não utilizará barragens e que todo o resíduo da produção será empilhado a seco "em locais previamente preparados para eliminar qualquer possibilidade de contaminação de lençóis freáticos ou cursos de rios". "Esta solução é totalmente sustentável e utilizada em diversas operações no mundo."
Conforme a Potássio do Brasil, o resíduo retornará ao subsolo ao longo da vida útil da mina e durante seu fechamento.
A área a ser explorada é a mesma de um povoado indígena do povo mura, existente há 150 anos, e de uma vila onde também há famílias muras. A Funai (Fundação Nacional de Povos Indígenas) deu início, em agosto de 2023, a procedimentos para identificação e delimitação do território. A mina projetada está a menos de 10 km de outras duas terras indígenas.
O Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas) concedeu a licença de instalação, para implantação de mina e lavra, no último dia 5 de abril. O governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), fez um evento para anunciar a concessão da licença. Outras autorizações foram dadas, como para a construção de um porto e para captação de água.
No último dia 13, o MPF (Ministério Público Federal) no Amazonas pediu que a Justiça Federal suspenda as licenças, em caráter urgente, e encaminhe os processos de licenciamento ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Há risco de salinização de nascentes, lagos, igapós, igarapés e rios da bacia do Amazonas, segundo o MPF.
A previsão de geração de rejeitos, feita pela própria empresa e informada por meio de diversos relatórios ao Ipaam, dá a dimensão dos impactos do projeto.
Cada uma das pilhas de rejeitos terá capacidade para armazenar 24,1 milhões de m3. O total máximo a ser armazenado é 33,8 milhões de m3. Ao longo da vida útil da mina, a previsão de envio para as pilhas é de 78 milhões de m3. Em Brumadinho, na tragédia que matou 272 pessoas, houve despejo de 12 milhões de m3 com o rompimento de uma barragem.
"Os rejeitos serão dispostos em pilhas por meio de correias móveis e equipamentos de empilhamento", afirma um documento apresentado no processo de licenciamento. "As pilhas serão construídas sobre uma base impermeabilizada e não serão cobertas."
A previsão é que haja um processo de dissolução das pilhas de sal, com água da chuva e até mesmo com água captada do rio Madeira, segundo documentos do processo da licença. O projeto inclui piscinas de salmoura e 16 poços para injeção da composição no subsolo, ao redor de uma das pilhas de rejeitos.
Também há previsão de enchimento das cavidades lavradas, processo conhecido como "backfill". Isso ocorrerá assim que houver a liberação de espaços vazios no subsolo, disse a Potássio do Brasil.
As pilhas de rejeitos serão mantidas por mais 20 anos, além da vida útil do projeto, estimada em 23 anos, conforme documentos do licenciamento ambiental. Assim, os resíduos decorrentes da exploração de potássio poderão existir por quase meio século na região de Autazes.
"As operações são planejadas para serem realizadas com total segurança e o tempo poderá ser alterado em função de diversas premissas", disse a empresa em nota. "A empresa está estudando alternativas para o uso do resíduo e poderá haver algum tipo de redução no volume, impactando na redução do tempo de preenchimento das câmaras com o resíduo do projeto."
O depósito de resíduos será isolado com obras e mantas impermeáveis, afirmou.
O Ipaam, em nota, disse que as alternativas apresentadas são ambientalmente adequadas. "O Ipaam acompanhará a destinação e tratamento dos rejeitos. Esse acompanhamento se torna ainda mais rigoroso e intensivo na fase operacional, momento em que os rejeitos são efetivamente gerados."
O prazo de 20 anos para além da vida útil da mina busca atender a "estabilidade física, química e biológica da área", com total retirada do sistema e interrupção de injeções de salmoura, afirmou o órgão do Amazonas. Sobre o risco de salinização de rios e igarapés, o Ipaam disse que exige estudos técnicos rigorosos. "A gestão eficaz mitiga significativamente risco de possíveis danos."
Em um parecer técnico de 2019, o órgão analisou estudos, apresentados pela Potássio do Brasil, sobre a toxicidade do sal na biodiversidade. "Os resultados obtidos indicaram que, quando do início da operação de mineração de potássio, deve-se monitorar de maneira preventiva as concentrações de NaCl [cloreto de sódio] nas águas superficiais e no solo", escreveram os técnicos.
"Atualmente, não há padrões de referência de concentrações máximas de NaCl em solos e sedimentos no Brasil, de modo a proteger a biota aquática e terrestre de seus eventuais efeitos tóxicos", afirmaram no documento.
A Potássio do Brasil levou em conta experiências de exploração de minas e tratamento da salmoura em Rússia, Canadá e Alemanha, cujas realidades são bem distintas de uma floresta tropical como a amazônia.
As principais fontes possíveis de contaminação de aquíferos rasos são as pilhas de sal, segundo documentos da licença de instalação. Uma liberação de salmoura pode diminuir o potencial hídrico das plantas, conforme os mesmos documentos.
Indígenas da região manifestaram preocupação com a salinização de cursos d'água e com alterações na recarga de água subterrânea.
Num parecer de abril de 2024, técnicos do Ipaam afirmaram que a Potássio do Brasil apresentou estudos sobre injeções de salmoura numa profundidade de 312 m a 399 m, com o objetivo de verificar a "possibilidade de contaminação por sal de outras camadas".
"Os estudos apresentados demonstrarão não haver probabilidade para tal contaminação e foi considerado satisfatório", afirmaram os técnicos. "Porém, deverá ser monitorado na fase de LO [licença de operação]."
O parecer é de 4 de abril de 2024. A licença de instalação foi concedida no dia seguinte.
O governo Lula (PT) apoia o projeto. O discurso de apoio é o mesmo do governo de Jair Bolsonaro (PL): o potássio é base para fertilizantes utilizados na agricultura em larga escala, e o empreendimento é necessário para diminuir a dependência do país à importação de fertilizantes. O principal defensor no governo é o vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB).
Segundo o governo, o Brasil importa 95% do cloreto de potássio usado em fertilizantes. O projeto em Autazes pode atender 25% do consumo nacional, conforme dado da empresa citado em manifestações da União à Justiça Federal. A Potássio do Brasil pertence a CD Capital, Sentient e Forbes & Manhattan (do empresário canadense Stan Bharti), entre outros acionistas.