Um mapa manuscrito guardado por mais de cem anos na Suíça pode ter ajudado a definir os contornos do Brasil atual. Descoberto por geógrafos europeus em uma coleção fechada ao público na Biblioteca de Genebra, a peça é considerada como um dos documentos que influenciou a decisão de uma arbitragem diplomática que acabou garantindo ao Brasil a região do Amapá, em 1900. Historiadores e diplomatas brasileiros, porém, relativizam a tese.
No fim do século 19, a recém-proclamada República foi obrigada a confrontar os interesses franceses pela região amazônica. Paris reivindicava porção do território que, no Rio de Janeiro, o governo considerava que era parte do Brasil. Até 1893, a questão do Amapá era tratada pontualmente. Mas, após ouro e carvão serem encontrados, os franceses começaram a se interessar pela região. Mais de cem soldados franceses massacraram a população da aldeia de Mapá e a incendiaram.
A solução foi a de entregar ao governo suíço, em 1897, a tarefa de arbitrar quem ficaria com a região. O centro da questão era localizar onde se situava o Rio Oiapoque, citado no Tratado de Utrecht de 1713 como a fronteira entre o Brasil e o território francês. Agora, atas das reuniões do Conselho de Genebra, de 1904, revelam que um mapa manuscrito que nem sequer fazia parte da defesa brasileira acabou sendo importante.
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No esforço de ganhar terreno, os franceses passaram a questionar a geografia do local e insistir que o Oiapoque era um braço norte do Araguari. Coube ao Barão do Rio Branco - o diplomata José Maria da Silva Paranhos - se mudar para Berna para apresentar seus argumentos em 1899. No dia 1º de dezembro de 1900, a Suíça daria a vitória ao Brasil, coroando a ação do diplomata.
Mas os estudos do italiano Federico Ferretti, iniciados com a descoberta de mapas em 2013, apontam hoje que manuscritos também ajudaram na manutenção do Amapá. O geógrafo passou a estudar mais de 10 mil documentos na biblioteca de Genebra e concluiu que o que um dos manuscritos consolidava para os árbitros suíços era o fato de que o argumento da França não se sustentava.
O mapa descoberto nos arquivos foi produzido em 1893 pelo geógrafo francês Henri Coudreau, que o enviou ao também francês Elisée Reclus para incluir em uma publicação. "Obviamente que a geografia, naquele caso, era um pretexto", disse Ferretti, geógrafo da Universidade de Dublin, na Irlanda, e secretário da Comissão de História da União Geográfica Internacional. "Mas a constatação é de que o manuscrito de Reclus foi usado a favor do Brasil", afirmou. Segundo ele, o mapa chegou às mãos de William Rosier, um dos membros da comissão de arbitragem.
Na sessão de 8 de janeiro de 1904, o Conselho Municipal de Genebra descrevia o mapa, destacando seu papel na arbitragem. Chamado "Le Mapa", o documento trazia aos mediadores detalhes inéditos sobre a costa atlântica do que é hoje o Amapá e justamente no trecho reivindicado pela França.
O mapa, por exemplo, traz medidas do canal de Capapaporis. Mas foi a identificação de povoados no interior da costa do Amapá que também pesou. "Os suíços investigaram a dinâmica morfológica e hidrográfica da costa", indicou o estudioso italiano. "E eles analisaram todos os dados disponíveis sobre a população local e, em especial, os resultados das tentativas de franceses e brasileiros de estabelecer vilarejos", disse.
No mapa, Coudreau traz detalhes de locais como a Colônia Militar dom Pedro II, central na sustentação militar brasileira na região. "Essa parte da América do Sul foi quase completamente ocupada por indígenas e brasileiros", explicou Ferretti.
Questionamento
"O mapa descoberto por Ferretti ajuda a desmontar a tese francesa", afirmou Luís Cláudio Villafane, historiador e diplomata brasileiro, que lançará em 2017 uma nova biografia de Rio Branco. Mas não o considera decisivo. "Ajudar, certamente ajudou", disse.
Quem também questiona o peso da descoberta é o diplomata Affonso José Santos, um dos quadros do Itamaraty que mais estudou a vida de Rio Branco. "Há evidência de que os "peritos" suíços louvaram-se na rica e determinante documentação de Rio Branco, para chegar ao laudo final." Na avaliação do diplomata, se o mapa de Reclus fosse determinante, "certamente figuraria na documentação francesa - o que não é o caso". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.