Brasil

Climatologista alerta para risco de mais desastres ambientais no mundo

11 mai 2024 às 17:34

Chuvas intensas como as que atingem o Rio Grande do Sul são eventos extremos com tendência de se tonarem mais frequentes em todo o mundo. De acordo com o pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP (Universidade de São Paulo) e co-presidente do Painel Científico para a Amazônia, Carlos Nobre, é necessário haver conscientização a respeito das mudanças climáticas.


“Todo mundo precisa abrir o olho. No mundo inteiro, esses fenômenos extremos estão acontecendo. Em 2021 tivemos recorde de chuvas em uma parte da Europa, e morreram mais de 100 pessoas. Em 2022, houve recorde de chuva no Grande Recife e, em duas horas, em Petrópolis. No ano passado, em fevereiro, tivemos o maior volume de chuva da história do Brasil com 600 milímetros (mm) em 24 horas no litoral norte de São Paulo, na cidade de São Sebastião”, afirmou o climatologista em entrevista à Agência Brasil.


Nobre alerta que as temperaturas extremas que estão ocorrendo, com o registro de 2023 e parte de 2024 como os anos mais quentes da história em um longo período.


“O Instituto Climático Copernicus mostrou que foram os anos mais quentes em 125 mil anos. Para ver a temperatura a que o planeta Terra chegou no ano passado e neste ano, tem que ir ao último período interglacial, 125 mil anos atrás. Esses fenômenos extremos, quando os oceanos estão muito quentes, marcaram recordes no ano passado e neste ano. Com isso, evapora muita água, e a água é o alimento de chuvas muito intensas em um lugar ou de seca em outro”, detalhou.


Seca


Segundo Nobre, os fenômenos da seca são o outro lado da moeda das mudanças climáticas enfrentadas pelo Rio Grande do Sul.


“As secas de 20, 21 e 22 foram causadas pelo mais longo fenômeno La Niña, que foi muito forte porque as águas do Oceano Pacífico ficaram muito quentes perto da Indonésia e induziram secas mais pronunciadas em boa parte do Sul do Brasil. Com El Niño, ocorre o contrário, com a indução de chuvas muito fortes como as de setembro no ano passado em boa parte do Rio Grande do Sul”, pontuou.


De acordo com o climatologista, o revezamento dos dois tipos de fenômeno vai continuar existindo. “Isso está acontecendo no mundo inteiro. Tivemos no ano passado a seca histórica mais forte no Amazonas e no Cerrado. Os anos de 2023 e 2024 estão batendo todos os recordes de ondas de calor em inúmeras partes do Brasil, o Sudeste, o Centro-Oeste, o Nordeste e partes da Amazônia. Secas, chuvas intensas e ondas de calor estão batendo recordes em todo o mundo.”


Nobre destaca que a população tem que se conscientizar de que aquilo que estava previsto para as próximas décadas está ocorrendo agora e que é preciso se adaptar às mudanças climáticas.


“A população tem que entender que esses eventos extremos são quase uma pandemia climática. Dando o exemplo da covid, quando a Organização Mundial da Saúde [OMS] anunciou que era uma pandemia global, praticamente todos os países decretaram o uso de máscara, o chamado lockdown. E todo mundo ficou em casa”, pontuou.


Além disso, o especialista lembrou que a OMS decretou emergência, e o mundo respondeu. “Agora estamos entrando em uma emergência climática. As populações têm que responder ao que foi na covid. Não tem mais volta. Não vamos mais baixar a temperatura. Com muito esforço global, poderemos, quem sabe, baixar a temperatura no século 22. A conta já está dada”, comentou.


Negacionismo


Na visão do pesquisador, o combate ao negacionismo, que há em relação às mudanças climáticas, tem que ser por meio da educação. Ele trouxe o exemplo do Japão, que além de fazer construções mais resilientes, transmite informações desde cedo às crianças a respeito de como se proteger de terremotos, que são frequentes naquele país.


“O número de mortos em terremotos diminuiu muito por causa do sistema educacional”, disse Nobre, destacando que "houve melhora na infraestrutura, embora o sistema educacional seja essencial”. Nos Estados Unidos, as crianças também recebem informações sobre como enfrentar tornados, que são igualmente destruidores.


No Rio Grande do Sul, os alertas da ocorrência de chuvas foram feitos dias antes. Assim, é preciso educar a população para melhor enfrentar situações extremas, acrescentou Nobre.


Apesar de recomendar a saída para locais mais protegidos quando chuvas mais intensas caírem, o pesquisador lembrou que algumas pessoas temem deixar suas casas com receio de saques e invasões. Para esta situação, a sugestão de Nobre é que órgãos públicos incluam no planejamento um esquema de segurança.


“Tem que ter uma ação das polícias para evitar que ladrões e criminosos se aproveitem desses desastres.” Nobre diz que isso já é feito em Campos do Jordão, em São Paulo, onde as chuvas costumam provocar deslizamentos de terra.


Na visão do climatologista, o desmatamento é uma das causas de desastres e, no caso do Rio Grande do Sul, contribui para prejudicar o processo de escoamento das águas. Nobre comentou dos reflexos nas encostas, onde há construções irregulares.


“Temos mais de 3 milhões de brasileiros vivendo em áreas de altíssimo risco de deslizamento de encostas. De fato não tem como manter as populações em áreas de risco para a vida. Grande parte é pobre, então tem que haver investimento público”, concluiu.


Previsão de mais chuva


Segundo Nobre, embora em menor volume, ainda há previsão de chuvas no Rio Grande do Sul neste final de semana com a entrada de uma nova frente fria. A repetição das ocorrências mantém os rios e as áreas alagadas ainda com níveis elevados de água.


“As previsões meteorológicas não indicam uma chuva na quantidade que caiu na semana passada, mas, ainda assim, o desastre continua e pode levar uma semana para o nível das regiões inundadas baixar”, contou.


Outro fator que influencia é a posição do vento que se dirige do oceano para a parte terrestre ou se movimenta da Argentina saindo de sudoeste para noroeste. Nesses casos, conforme Nobre, o escoamento da água da Lagoa dos Patos fica prejudicado por diminuir o fluxo e acaba mantendo o nível elevado e as enchentes em Porto Alegre e regiões próximas. “As estimativas são na faixa de 100 a 150 mm. Isso é bem menos do que caiu na semana passada de 700 a 800 mm”, completou.


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