Falando de Literatura

Entrevista com o poeta Roberval Pereyr

25 ago 2024 às 22:54

Nosso entrevistado é Roberval Pereyr (1953) reside em Feira de Santana-BA, desde os 10 anos de idade. É poeta, ficcionista, desenhista, compositor, ensaísta e editor alternativo. Cofundador da revista Hera (1972-2005), tendo dirigido, sempre em parceria, 17 de seus 20 números. Professor Pleno (aposentado) da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Tem 18 livros publicados.

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Roberval quando começou a escrever?

R. Comecei a escrever por volta dos 14 anos, mas somente com a criação da revista Hera (1972-2005), que dirigi em vários de seus números e da qual sou também fundador, é que a minha dedicação à criação literária passou a ser uma coisa definitiva.

Quais autores influenciaram seu estilo literário? Esta pergunta dificilmente, pelo menos no meu caso, poderia ser respondida com precisão. Primeiro, porque somos seres influenciáveis, e as influências, inclusive aquelas que podem deixar marcas no estilo de um autor, podem vir de muitas fontes diferentes (bibliográficas ou não), das quais nem sempre o autor tem consciência. Afora isso, todo criador artístico está sempre filiado pelo menos a uma tradição em relação à qual se posiciona, podendo muitas vezes deslocá-la e a ela acrescentar uma contribuição. Essa contriuição se relaciona fundamentalmente à forma particular com que, no caso do criador literário, ele se utiliza da linguagem das palavras para dialogar com essa tradição, sendo que esse diálogo inevitavelmente sofre mudanças ao longo da trajetória de cada autor.

No meu caso, devo dizer que a primeira influência marcante para mim, enquanto leitor de poesia, veio da leitura de um livro de um autor de Feira de Santana (o primeiro livro de poesia que li todo), qunado eu ainda era muito jovem. Um livro simples, que depois se revelou de alcance limitado, mas que despertou em mim uma viva vontade de criar textos poéticos. Com o tempo, realizando meus primeiros escritos e começando a ler os clássicos da literatura brasileira e da literatura

internacional, outras referências fundamentais foram se estabelecendo, da Grécia antiga à contemporaneidade. Assim, para fazer um corte no tempo, podemos dizer que Baudelaire, Rimbaud, Camões, Eliot, Pessoa, Lorca, Augusto dos Anjos, Cecília, Cabral, Drummond, Ruy Espnheira Filho e Antonio Brasileiro, entre mais alguns outros, são autores que tenho sempre perto de mim.

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Depois de escrever um texto, você o publica ou o reescreve?

R. São raros os textos (no caso, poemas) que já nascem prontos. Esses constituem a exceção. A regra é revisitar inúmeras vezes o texto para dá-lo como realizado, e ainda assim passível de sofrer alterações, mesmo depois de publicado. Há uma certa ingenuidade nos autores que afirmam não alterar seus textos depois que os escrevem, para manter a espontaneidade. A questão é que, no terreno da linguagem, o que há de mais “espontâneo” são os estereótipos e os primarismos mais variados. Há que, movido pela inteligência poética, recuperar ou reencontrar a pulsação original da linguagem: a articulação bem sucedida dos fatores que constituem a linguagem poética: ritmo, musicalidade, imagem. Essa articulação, entre outras coisas, vai

transfigurar a visão (ou a inspiração) que moveu o poeta a realizar o poema.

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Tem alguma técnica para constituir os poemas, contos, crônicas, romances ou ensaios? Inicia com uma ideia, com uma palavra, com uma imagem, etc?

R. O processo criativo, no meu caso, é multifacetado. Em relação à criação de textos literários (poemas ou não), posso sentar para escrever simplesmente porque me ocorreu uma visão, uma imagem, ou essa visão, essa imagem pode surgir do simples exercício de escrever um tanto aleatoriamente. Dificilmente eu conseguiria escrever uma obra consistente, vamos dizer, sob encomenda. Na maioria das vezes, não sei o que vou escrever. É como se lançasse um anzol inexistente, com uma isca inexistente, num poço inexistente e daí retirasse, sem saber bem como ou quando, os peixes-poemas que vivo a pescar. Quando se trata de um texto teórico ou de história ou crítica, na área da literatura por exemplo, além das necessárias pesquisas preparatórias, sempre espero aquele momento em que, quase a ponto de atingir uma saturação, me surge a ideia norteadora de um texto inteiro, ou de uma de suas partes. Aí, movido por uma intuição nascida da pesquisa e da reflexão, persigo argumentos e conclusões. Este método me fez chegar a uma conclusão: ao realizar qualquer texto (e, a rigor, qualquer coisa) sempre me sinto como criador. Ou seja: na realização de qualquer produção de conhecimento, não tenho muita clareza dos passsos que vou dar para alcançar a consumação de tudo que intuí. Os achados, como uma espécie de revelação (portanto de natureza em parte consciente e em parte inconsciente: na verdade trata-se de um processo em que essas duas instâncias se interpenetram), vão se dando com o próprio processo de produção do texto.

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Quais são os assuntos que gosta de poetizar?

R. Os assuntos (temas, motivos, etc) recorrentes na minha obra não são frutos de uma escolha consciente, vamos dizer, de fora para dentro. Neste sentido, não os escolho: eles me escolhem. Não só os assuntos, mas também o vocabulário (principalmente várias palavras-chave) e certas formas que contribuem para a identificação do “meu” estilo e a edificação de minha obra poética se impõem. Assim, entre outros, o tema do eu é central e muito recorrente em minha poesia. O mesmo se dá em relação a algumas palavras que sempre aparecem sem que eu delas possa me livrar, até que, exaustivamente, esgotem suas possibilidades no curso de minha biografia

criativa.

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Como Roberval Pereyr analisa Roberval Pereyr poeta?

R. Dizem alguns sábios (com os quais concordo, por me parecer óbvio), que o autoconhecimento é infinito. A análise pressupõe o conhecimento detalhado e muitas vezes seccionado de algo (o que, a rigor, é inalcançável de forma absoluta, até mesmo no caso em que o objeto da análise não é o próprio analista). Portanto, qualquer análise que Roberval Pereyr fizer sobre Roberval Pereyr será razoavelmente afetada e consideravelmente parcial. Afora isso, podemos considerar que há duas formas básicas de nos conhecermos: através de nós mesmos e através dos outros. As duas formas, além de se interpenetrarem, têm suas vantagens e suas muitas complicações. Afora isso, posso afirmar que escrevo por estrita necessidade (lembro aqui do trecho de uma das cartas de Rilke a um jovem poeta). Além disso, como escrevo muito (e aproveito pouco) e sei que cada obra exige uma forma e um acabamento únicos, tenho desde cedo a consciência de que devo, com o maior empenho, buscar o domínio dos recursos necessários que me permitam, no final das contas,  realizar uma obra digna de ter bons leitores. Mas, claro, nada disso é uma

garantia, o que não me desobriga de manter o empenho na realização daquilo que mais justifica a minha existência.

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Seus livros têm público alvo?

R. Não. Mas sou consciente de que, principalmente em tempos em que o perverso mercado impõe como “arte” (aliás, como entretenimento) o que há de mais estereotipado e, muitas vezes, até ofensivo à dignidade humana, a arte que faço não seria alvo, nem seria alvejada pela maioria das pessoas. O chamado mercado é um professor poderoso, onipresente, aplicado e muitíssimo cruel.

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Fale um pouco de seu novo livro.

R. O meu novo livro é uma nova antologia poética (no caso, a terceira), intitulada

A mão no escuro – antologia poética, editada pela Cavalo Azul e apresentada pelo poeta, editor e professor da Universidade Estadual de Goiás, Alexandre Bonafim. Na última parte da mesma, aparecem 19 poemas inéditos que farão parte de meu  próximo livro, já em fase de composição.

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Como você percebe os movimentos literários depois da pandemia ?

R. Não tenho dados para emitir uma avaliação sobre isso. Eu, de minha parte, continuei, durante e após a pandemia, fazendo o que sempre gostei de fazer: cuidar de minha obra e acompanhar

principalmente autores iniciantes (alguns dos quais, a exemplo de Fabrício Oliveira, um jovem autor que foi meu aluno na universidade, atualmente muito bem reconhecido, após a publicação de três livros importantes de poesia: Gramática das pedras, Viração (Editora Patuá) e Corações arenosos (Editora Mondrongo).

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Quais seus projetos literários para o segundo semestre de 2024?

R. Como já disse, trabalho na preparação de um novo livro de poesia. Além disso, pretendo encaminhar mais um ou dois livros de autores novos. Feira de Santana (que é uma metrópole) e algumas cidades circunvizinhas, principalmente após o movimento instaurado pelo surgimento da revista Hera (1972-2005), têm se revelado como um celeiro de autores qualificados, alguns dos quais nacionalmente reconhecidos.



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