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Uma colônia com o coração partido

09 mar 2014 às 20:38

Bastidores

Na última semana, o repórter fotográfico Ricardo Chicarelli, o motorista Rogério Coutinho e eu estivemos em Apucarana. Tive a honra de fazer uma matéria para a Folha de Londrina.


Fomos entrevistar ucranianos e descendentes que moram por lá. Eles começaram a chegar à "cidade alta" na década de 1930, formaram uma colônia, trabalharam muito e atualmente mantém contato com parentes que moram no país do Leste Europeu.


Com os últimos acontecimentos políticos e a ameaça de guerra com a Rússia rondando a Ucrânia, o pessoal de Apucarana anda triste, apreensivo.


Conversamos com Eduard Tararuk, padre da Igreja Ortodoxa Ucraniana. Há pouco mais de dois anos ele mora no Brasil. Ainda não fala português, mas resumiu, na sua língua natal, o sentimento de todos que frequentam a sua paróquia: "estamos com o coração partido." O descendente de ucranianos Ivan Tchopko foi o tradutor da nossa conversa. A ele, o meu muito obrigado, extensivo à Dorotéa Tchopko, que intermediou os contatos.


Também entrevistamos Vladislav Bortnik, imigrante ucraniano, que trabalha em Apucarana e as descendentes Lioba Serediuk Silva e sua filha Sônia Serediuk Silva.
A matéria foi publicada na Folha de Londrina de 9 de março de 2014. O texto você confere a seguir.


Na foto abaixo o padre Eduard Tararuk. Autor: Ricardo Chicarelli.



Uma colônia com ‘o coração partido’


Ucranianos e descendentes que vivem em Apucarana acompanham com apreensão a crise no país do Leste Europeu


Mais de 11,5 mil quilômetros, em linha reta, separam Apucarana de Kiev, a capital da Ucrânia. Porém, tamanha distância geográfica não é suficiente para diminuir a preocupação e a dor de ucranianos e descendentes que vivem na cidade do Norte do Paraná. "Estamos com o coração partido por causa de tudo o que está acontecendo", resume o padre Eduard Tararuk, 40, da Igreja Ortodoxa Ucraniana.


O padre se refere à tensão que se instalou em seu país natal desde o início dos protestos que culminaram na deposição, no último dia 22 de fevereiro, de Viktor Yanukovich, que governava a Ucrânia.


Em torno de cem manifestantes morreram por causa de confrontos com as forças de Yanukovich, na Praça da Independência, em Kiev. Agora, há a ameaça de uma guerra com a Rússia pelo território da República Autônoma da Crimeia, sob domínio ucraniano.


A colônia ucraniana de Apucarana começou a se formar na década de 1930, com a colonização da região pela Companhia de Terras Norte do Paraná. Centenas de famílias de imigrantes fixaram raízes no município, mas ainda hoje – já na quarta geração de descendentes - mantém estreitos laços com a Ucrânia, inclusive fazendo contatos com parentes que permanecem por lá.


Entre membros da colônia ouvidos pela FOLHA, é visível a tristeza e a apreensão. O padre ortodoxo Tararuk, há dois anos e meio morando no Brasil, conta que ele e a sua esposa, Olga Tararuk, - a Igreja Ortodoxa Ucraniana permite que padres se casem - têm parentes como mãe, irmãos e cunhados morando na Ucrânia. "Não consigo me acalmar. Sinto vontade de estar lá. Mas meu dever é estar aqui. Por isso, estou unido à comunidade, rezando", diz, na língua ucraniana. O intérprete Ivan Tchopko traduziu a conversa entre a reportagem e o religioso, que não fala português.


Na celebração do último domingo (2), o padre fez um momento especial de oração, citando o nome de cada um dos 84 manifestantes confirmados como mortos até aquele momento. "São heróis de guerra. Filhos que não voltam para casa. Eram pessoas que protestavam contra a corrupção", diz, em tom de lamento. "Yanukovich foi um ladrão dentro da nação ucraniana. Mas seu maior pecado foi matar esses heróis e se unir a Moscou. Espero que ele peça perdão e que alcancemos a paz", finaliza Tararuk.


Medo da guerra


Há um ano e meio, depois de conhecer tios primos que vivem em Apucarana, o ucraniano Vladislav Bortnik, 38, decidiu imigrar para o Brasil.


Com os diplomas universitários de engenheiro matemático, programador e economista; ele conta que recebe quantia semelhante como auxiliar de laboratório em uma indústria de alimentos de Apucarana à que recebia como gerente de banco na Ucrânia. "Com a crise financeira que há por lá, não precisam dos meus conhecimentos." O imigrante tenta aprimorar o domínio da língua portuguesa para conseguir remuneração melhor no Brasil.


Desde que as manifestações começaram, Bortnik acorda todos os dias com um resumo das notícias que sua mulher, Liudmyla, faz da situação na Ucrânia. "Ela levanta bem cedo para ver na Internet o que está ocorrendo. Temos medo de que aconteça uma guerra. O irmão da minha esposa já se voluntariou para lutar pelo exército ucraniano se o confronto com os russos for acontecer."


Questionado se pretende permanecer no Brasil ou voltar para a Ucrânia em um futuro próximo, ele diz que não tem a resposta. "Tenho esperança de que o meu país melhore com um novo governo. Mas não sei o que pensar neste momento."


BOX


"Estamos assustadíssimas"


Lioba Serediuk Silva, 79, e sua filha Sônia Serediuk Silva, 61, são, respectivamente, da primeira e segunda geração de descendentes de ucranianos nascidos no Brasil. Em 2009 e 2010, conheceram parentes que moram na Ucrânia, em viagens que fizeram até lá. Diante das mortes que ocorreram em decorrência das manifestações e de uma eminente guerra, elas se declaram "assustadíssimas".


"Mais cedo ou mais tarde, as manifestações aconteceriam. O povo ucraniano continua a buscar uma liberdade que nunca teve. Quando estivemos lá, percebemos que eles ainda temem expressar suas opiniões", comenta Sônia.


"Acompanhamos todos os dias as notícias, com preocupação e dó daquele povo", completa Lioba. No momento das fotos para a reportagem, mãe e filha dizem que é difícil sorrir. Lioba encerra repetindo, coincidentemente, as palavras do padre Eduard Tararuk. "Estamos com o coração partido."

Wilhan Santin - Especial para a Folha


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