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Os sapatinhos de Orlando

18 mai 2016 às 10:55


Orlando Salles, 63 anos, é um senhor do tipo bonachão, de sorriso fácil, de boa prosa e dono de um inseparável boné do Sport Club Corinthians Paulista, parte de sua indumentária de trabalho nas onze quadras da Rua Professor João Cândido, que corta o Centro de Londrina.

Há sete anos, ele é o encarregado de varrer a via, dando destino correto para folhas de árvores, bitucas de cigarros, papéis, sacos plásticos e tudo mais que mãos humanas insistem em atirar no espaço público.


A experiência já o fez constatar que a minoria dos ditos cidadãos recorrem às lixeiras. "É uma falta de respeito, né? Com a cidade e com a gente que limpa", o varredor se queixou, em raro momento de melancolia, às sete da manhã de uma quarta-feira. É neste horário que Orlando começa a varrer. A jornada termina às 3 da tarde. De segunda a sábado, com sol ou com chuva.


Faz dois anos que ele parou de jogar em seu cesto de lixo um peculiar objeto que costuma encontrar pelas sarjetas: os sapatinhos de crianças. Ficava com dó de desprezar aqueles calçados tão singelos, nunca encontrados aos pares. "As mães sempre perdem apenas um pé. Cai e elas nem percebem", comenta.


Então, fez uma adaptação no carrinho de lixo que empurra, utilizando cordas e ganchos de arame, nos quais vai pendurando as sandálias com estampas da Peppa Pig, chinelos com as caras dos Palhaços Patati e Patatá, pantufas em forma de joaninhas, pequenos tênis rosados e azuis. Já recolheu 249; 114 estavam em um outro carrinho, que algum gaiato furtou enquanto Orlando foi ao banheiro. No atual, são 135.


Neste período, cinco mamães já procuraram Orlando para recuperar o pé de sapato perdido. "A última foi ontem. O tênis tinha até o nome do filho dela escrito. A moça ficou feliz. Eu também", orgulha-se.


Orlando nasceu em Santa Mariana, no Norte Pioneiro do Paraná. Mais velho de onze irmãos, foi braço firme na lavoura de café, ajudando o pai, que era porcenteiro em uma fazenda, tão logo concluiu os quatro primeiros anos de estudo na escolinha rural. Naquele tempo, ter a quarta-série era mais que suficiente para um menino da roça.


Depois trabalhou como servente de obras, operador de caldeira, até decidir terminar de criar os dois filhos em Londrina, na época do impeachment de Fernando Collor de Melo. Tornou-se varredor, profissão da qual se orgulha.


Ultimamente, dada a curiosidade de seu carrinho enfeitado de sapatinhos, vira e mexe posa para alguém que quer postar a foto no Facebook. Não se importa. Atende a todos com sorrisos. Mas gostaria mesmo de que mais mães aparecessem para resgatar sapatos. "Todo mundo gosta da minha viatura", resume.


Enquanto o entrevisto, a Professor João Cândido espera, ansiosa, com seu corredor para o transporte coletivo e um som ruidoso de automóveis. O movimento só cresce conforme o ponteiro do relógio vai saindo de perto das sete e se aproximando das oito. Orlando precisa começar a varrer.


Se finalizar é preciso, o repórter diz que o final é por conta dele, para falar o que quiser. O corintiano pensa por cinco segundos e fala como se tivesse fazendo um daqueles pedidos que se fazem para gênios da lâmpada. "Eu gostaria que o pessoal não jogasse lixo na rua. É tão bom ver a cidade limpa."

Foto: Wilhan Santin


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