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O menino e os mascarados

23 jan 2014 às 22:49

O garotinho de uns seis anos vai passando, de mãos dadas com o pai, pela Rua São Paulo, ao lado da Praça Rocha Pombo. Avista o pessoal que vai fazer a manifestação contra o aumento da passagem do ônibus. Puxa o pai pela camisa.

- Olha, pai, um monte de ladrões de banco, iguais àqueles do filme que passou na televisão.


O pai se assusta. Tem impulso de correr. O coração chega a bater mais forte.


- Onde filho, onde?


O menino aponta para um grupo de uns dez mascarados entre os manifestantes. O pai fica aliviado.


- Não, filho, não são bandidos. Eles são manifestantes. Vão fazer protesto contra o aumento da passagem do ônibus.


- Fazer protesto é errado, pai?


- Não, é certo. Só quando o povo reclama as coisas melhoram.


- Ué, mas por que eles tão com aqueles panos na cara então?


- Porque não querem ser reconhecidos.


O menino é curioso, como a maioria dos garotos da sua idade. "Por quê?" é expressão corriqueira em seu vocabulário. E ele não economiza, para desespero do pai.


- Por quê?


- De certo porque vão fazer algumas coisas erradas no meio do caminho.


- Mas a vó falou que a polícia prende quem faz coisas erradas. O tio Ademir é da polícia e a vó contou que ele já prendeu um montão de gente que fazia coisa que não pode.


O pai respira fundo. Vai puxando o garoto pelos braços. Tenta mudar de assunto.


- Olha as pombinhas, que legal.


Mas o menino quer saber. A imagem dos mascarados ainda está na cabeça dele.


- O que eles vão fazer de errado, pai?


- Não sei o que eles vão fazer hoje. Mas da outra vez picharam uns muros, tacaram pedras em uns carros do pessoal da imprensa, fizeram fogueira no meio da rua...


- O que é pichar, pai?


Quase arrastando o menino pelo braço, ele já alcançou a Rua Sergipe e vai subindo em direção ao Calçadão. Mostra uma parede com aqueles hieróglifos indecifráveis dos pichadores.


- É fazer aquilo ali. Escrever daquele jeito nas paredes.


- Credo, que feio. A casa deles é inteira desse jeito, né, pai?


- Claro que não, menino. Da onde você tirou isso?


- Ué, se eles fazem na parede dos outros... Fazem na casa deles também, né?


- Se eles fizerem na casa deles, os pais deles brigam! As pichações não são legais. Deixam tudo horroroso.


- Mas você brigou comigo quando eu furei a bola do Pedro! Por que os pais deles não brigam com eles quando eles estragam as paredes dos outros?


O pai perde a paciência. Já estão na São Paulo em frente à Catedral, ao lado do Bosque, a três quadras do apê onde moram. Tenta mudar de assunto de novo.


- Olha, filho. Que montão de pombinhas voando. Elas vão dormir nas árvores do Bosque.


- Isso você já explicou outro dia, pai. Será que o tio Ademir vai prender aqueles homens?


- Não sei, filho. A polícia prende eles e depois solta. Nossas leis não permitem penas de verdade para esse tipo de pessoas...


- Os outros sem camisa na cara também fazem coisas erradas?


O pai suspira.


- Não, filho. Eles só protestam. E eu já falei que protestar é bom!


- E por que eles vão tudo junto, aqueles que parecem ladrões e os outros que só fazem protesto?


O pai começa a ficar sem respostas.


- Quando chegar em casa, pergunte para a sua mãe. Ela sabe. O pai não entende dessas coisas de protesto. Ou pro tio Ademir, quando a gente encontrar ele. Olha lá, quantas pombinhas.


- Quando eu crescer também vou fazer protesto, pai.


- Ai, meu Deus! Com máscara ou sem máscara?


- Sem, né. Você não fala sempre que é errado estragar o que é dos outros?

O pai sorri.


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